Clarissa, Analu e Cristina… ou o tempo das decisões
De repente, já quase no final do expediente, enquanto media os dois metros do tecido que a cliente a sua frente escolhera, Clarissa, aos 22 anos, fora acometida de um pensamento que sequer buscou, que sequer pode dominar, que sequer sabe de onde ou porquê, surgiu. Era uma espécie de voz de si mesma em sua mente, perguntando-lhe: “é isso que tu queres?”
Naquele mesmo dia, em outra cidade, outra realidade, Analu aos 34 anos, estava em casa, olhando a filha de 12 anos desenhar com esmero as letras do título do trabalho escolar. Na sua mão, o smartphone onde num movimento de baixo para cima do indicador, fazia desfilar imagens de praias, onde o sol quase se pondo levava um brilho dourado às águas. Lembrara da última vez, há três anos, que estivera com a filha nas areias de uma praia. Perguntou-se se essa era a vida que escolhera, ou a vida que se deixou ter.
“Conforme a súmula vinculante n. 31, é inconstitucional a cobrança de ISS sobre locação de bens móveis…”. Cristina sabia que deveria prestar atenção… estava pagando caro por aquele curso de mestrado. Estava cada vez mais qualificada. Começara a ser valorizada no escritório e finalmente veio-lhe o convite para ser sócia. Tinha o dinheiro para integralizar a sociedade. Mas, naquele instante, sem saber por quê, ela sentiu vontade de receber o vento no rosto no alto de algum paredão rochoso natural. Queria respirar perto das nuvens. Aos 31 anos, tinha a certeza que continuaria sua ascensão profissional, e haveria de ter todo o conforto que dinheiro honesto, fruto de trabalho árduo, poderia proporcionar. Mas por que, afinal, a ideia de escalar montanhas não lhe saía da cabeça, durante aquela aula?
O dia continuou, afinal de contas, para todas elas, em suas rotinas, fruto das escolhas até então. Até mesmo “não escolher” é, enfim, uma escolha!
…
Aos 52 anos, Clarissa olhava para si mesma satisfeita. Era gerente daquela loja em que trabalhava há 35 anos. Tinha a plena confiança dos donos. Estava satisfeita. Casou-se, separou-se, criou um casal de filhos e olhava satisfeita para a foto em sua parede, mostrando-a na Ricoleta, em Buenos Aires, a viagem de sua vida! Todos os dias enviava e recebia mensagens dos filhos e fotos dos netos. Lembrava, sempre, do dia em que perguntou a si mesma, se era feliz. E, naquele mesmo dia, decidiu: era! Faria o seu melhor com o que tinha!
Segurando com carinho aquele livro de Dalcídio Jurandir que ganhara há trinta anos, ela ainda pensava a mesma coisa de quando tinha 34 anos: quando sua vida iria mudar. Vira a filha crescer, tornar-se uma mulher absolutamente linda, ganhar o mundo, casar-se… não houve dia em que não se comunicasse com a filha, não importava onde, no globo a filha estivesse: sempre chamava a filha pelo apelido que lembrava doces, e sempre ouvia "te amo, mamãe”, ao final da ligação ou conversa por mensagens. Desligando, suspirava e pensava para si mesma, que se a filha estava feliz, havia cumprido sua missão… Mas a verdade é que, dentro dela, voltava sempre a pensar: “quando sua vida iria mudar”. Jamais teve a resposta; talvez porque jamais pensara: “quando eu mesma mudarei minha vida”.
A mão de Cristina doía muito. Ela olhou a mão coberta de pó de magnésio e poeira, misturada a um pequeno filete de sangue, e sorriu! Sentiu o vento no rosto. Sentou-se a menos de um metro da borda do paredão e contemplou. Aos 61 anos, talvez fosse uma das últimas escaladas da sua vida. Os amigos, todos, vieram correndo, abraçá-la. Ajudaram-na em quase toda a subida de 40 metros. Ela sorrira. Agradeceu a Deus por tê-la dado a coragem de mudar sua vida. Pediu perdão por haver demorado tanto. Foi somente aos 52 anos, que largara o escritório, os compromissos, e que usara pela última vez um Tailleur. Fora o pai que a olhara nos olhos, uma das últimas vezes e dissera: “não espera mais…”. Naquele dia, ela decidira. Não mudara tudo, simplesmente, como em um ímpeto. Foram dois meses preparando os sócios, os filhos, o marido, os amigos, e ela mesma. Então, quando completou o curso de escalada na Chapada dos Guimarães e do alto daquele paredão de 15 metros fez uma chamada de vídeo com seu pai, e viu a lágrima dele, que valia mais do que todos os sorrisos em sua vida, teve a certeza: havia feito a escolha certa!
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Sejam pelas mudanças feitas, sejam pelas mudanças não feitas, haviam descoberto, ao final: o tempo que a vida levaria para mudar, era o tempo que levaria para que decidissem.
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O tempo de tua espera, é o tempo de tua decisão.
Luís Augusto Menna Barreto
29.10.2019