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terça-feira, 29 de outubro de 2019

Clarissa, Analu e Cristina… ou o tempo das decisões

Clarissa, Analu e Cristina… ou o tempo das decisões


De repente, já quase no final do expediente, enquanto media os dois metros do tecido que a cliente a sua frente escolhera, Clarissa, aos 22 anos, fora acometida de um pensamento que sequer buscou, que sequer pode dominar, que sequer sabe de onde ou porquê, surgiu. Era uma espécie de voz de si mesma em sua mente, perguntando-lhe: “é isso que tu queres?” 
Naquele mesmo dia, em outra cidade, outra realidade, Analu aos 34 anos, estava em casa, olhando a filha de 12 anos desenhar com esmero as letras do título do trabalho escolar. Na sua mão, o smartphone onde num movimento de baixo para cima do indicador, fazia desfilar imagens de praias, onde o sol quase se pondo levava um brilho dourado às águas. Lembrara da última vez, há três anos, que estivera com a filha nas areias de uma praia. Perguntou-se se essa era a vida que escolhera, ou a vida que se deixou ter.
Conforme a súmula vinculante n. 31, é inconstitucional a cobrança de ISS sobre locação de bens móveis…”.  Cristina sabia que deveria prestar atenção… estava pagando caro por aquele curso de mestrado. Estava cada vez mais qualificada. Começara a ser valorizada no escritório e finalmente veio-lhe o convite para ser sócia. Tinha o dinheiro para integralizar a sociedade. Mas, naquele instante, sem saber por quê, ela sentiu vontade de receber o vento no rosto no alto de algum paredão rochoso natural. Queria respirar perto das nuvens. Aos 31 anos, tinha a certeza que continuaria sua ascensão profissional, e haveria de ter todo o conforto que dinheiro honesto, fruto de trabalho árduo, poderia proporcionar. Mas por que, afinal, a ideia de escalar montanhas não lhe saía da cabeça, durante aquela aula?
O dia continuou, afinal de contas, para todas elas, em suas rotinas, fruto das escolhas até então. Até mesmo “não escolher” é, enfim, uma escolha!
Aos 52 anos, Clarissa olhava para si mesma satisfeita. Era gerente daquela loja em que trabalhava há 35 anos. Tinha a plena confiança dos donos. Estava satisfeita. Casou-se, separou-se, criou um casal de filhos e olhava satisfeita para a foto em sua parede, mostrando-a na Ricoleta, em Buenos Aires, a viagem de sua vida! Todos os dias enviava e recebia mensagens dos filhos e fotos dos netos. Lembrava, sempre, do dia em que  perguntou a si mesma, se era feliz. E, naquele mesmo dia, decidiu: era! Faria o seu melhor com o que tinha! 
Segurando com carinho aquele livro de Dalcídio Jurandir que ganhara há trinta anos, ela ainda pensava a mesma coisa de quando tinha 34 anos: quando sua vida iria mudar. Vira a filha crescer, tornar-se uma mulher absolutamente linda, ganhar o mundo, casar-se… não houve dia em que não se comunicasse com a filha, não importava onde, no globo a filha estivesse: sempre chamava a filha pelo apelido que lembrava doces, e sempre ouvia "te amo, mamãe”, ao final da ligação ou conversa por mensagens. Desligando, suspirava e pensava para si mesma, que se a filha estava feliz, havia cumprido sua missão… Mas a verdade é que, dentro dela, voltava sempre a pensar: “quando sua vida iria mudar”. Jamais teve a resposta; talvez porque jamais pensara: “quando eu mesma mudarei minha vida”.
A mão de Cristina doía muito. Ela olhou a mão coberta de pó de magnésio e poeira, misturada a um pequeno filete de sangue, e sorriu! Sentiu o vento no rosto. Sentou-se a menos de um metro da borda do paredão e contemplou. Aos 61 anos, talvez fosse uma das últimas escaladas da sua vida. Os amigos, todos, vieram correndo, abraçá-la. Ajudaram-na em quase toda a subida de 40 metros. Ela sorrira. Agradeceu a Deus por tê-la dado a coragem de mudar sua vida. Pediu perdão por haver demorado tanto. Foi somente aos 52 anos, que largara o escritório, os compromissos, e que usara pela última vez um Tailleur. Fora o pai que a olhara nos olhos, uma das últimas vezes e dissera: “não espera mais…”.  Naquele dia, ela decidira. Não mudara tudo, simplesmente, como em um ímpeto. Foram dois meses preparando os sócios, os filhos, o marido, os amigos, e ela mesma. Então, quando completou o curso de escalada na Chapada dos Guimarães e do alto daquele paredão de 15 metros fez uma chamada de vídeo com seu pai, e viu a lágrima dele, que valia mais do que todos os sorrisos em sua vida, teve a certeza: havia feito a escolha certa!
...
Sejam pelas mudanças feitas, sejam pelas mudanças não feitas, haviam descoberto, ao final: o tempo que a vida levaria para mudar, era o tempo que levaria para que decidissem.
O tempo de tua espera, é o tempo de tua decisão.

Luís Augusto Menna Barreto

29.10.2019

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Um Contículo Sobre Abraços

Um Contículo Sobre Abraços

Um dia, mãos fortes amparavam a criança que dava passos hesitantes em suas primeiras descobertas no mundo…
E foram mil abraços, com paciência e amor, a cada queda…
Os abraços tornaram-se esparsos com o natural curso da vida… foram, ao longo do tempo, tornando-se acenos… um dia, quase substituídos por mensagens de texto. 
Mas o amor sempre esteve ali…
Então, passaram-se outonos, e, enquanto uma das vidas entrava em seu auge, a outra entrava, também, em seu outono… 
E os acenos foram, gradativamente, voltando a ser abraços. Primeiro esparsos… depois, mais constantes. 
Trocaram de lugar as mãos. A que antes amparava, agora era amparada em abraços, sustentada nos passos que agora, tornavam-se vacilantes não pelas descobertas, mas pelo ocaso…
Então, de alguma forma, tantos anos mais tarde, entendeu que nunca fora dona dos abraços que recebera. Descobriu que os abraços não são algo que acabam em nós mesmos.
O abraço recebido, agora entregava… como que devolvendo o amor... num maravilhoso ciclo.

Luís Augusto Menna Barreto

16.10.2019

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Um Texto Para Luísa

Um Texto Para Luísa*


Luisa é um lampejo idílico tanto para o ator narrador quanto pra mim, Eliane. Ela me lembra aquelas tardes, minhas tardes preferidas, em que o céu se torna laranja e todos os meros mortais recebem esta coloração. Nestas tardes, eu Eliane, me sinto viva. E esta vivacidade me atravessou, desta vez, não mais como uma tarde de tom alaranjado, mas com uma explosão de cor e delicadeza que só Luísa poderia ter. 
Ela, minha pequena e notável  Luísa, surgiu pra mim na tarde de uma segunda-feira. Era setembro. E pra ser mais precisa, dia 10.  Não é necessário me prolongar nos detalhes que tanto amo, mas como romântica incorrigível, me apaixonei perdidamente. Luísa precisava de alguém para ganhar vida, eu também. Eu sou uma mulher de 24 anos, Luísa tem 11. Segundo seu grande amor, ela é a menina mais bonita do colégio, do bairro, da cidade e do mundo. Tem um temperamento que não deixa a desejar.  Uma doçura que nem todos os algodões doces do mundo saberiam comprovar. Sabe o que ama. Sabe quem ama. E se vê totalmente entregue ao Teatro que chega na sua cidade. Luísa sendo o centro das atenções, descobre algo que é o centro da atenção dela, descobre seu mundo todo ali. Luísa poderia ser a princesa. Mas dominaria muito fácil sobre ser um dragão que detesta quando não lhe cuidam tão bem ou quando não ouvem o que ela tem a dizer. Assim como ela poderia ser um grande herói quando consegue encenar sua primeira peça sendo preparadora de elenco, atriz e figurinista. 
A Luísa pode ser tudo. Pode ser tantas. Veio até mim como uma criança que eu vejo se estender até sua vida adulta. Vivendo do seu teatro. Vivendo com seu grande amor. Se importando com os detalhes. Sendo essa explosão de cores. Sendo pra mim o brilho nos olhos que é necessário quando o desconhecido nos chega de surpresa.
Eu  já tinha visto Luísa sendo cantada por Chico Buarque e por Tom Jobim. Já vi uma Luísa sendo pedida em casamento no meio de um restaurante. Vi uma Luísa sendo minha pior colega de turma no fundamental II. Também vi uma Luísa que chorava copiosamente dentro do ônibus. Mas nunca tinha visto uma Luísa minha. E é uma enorme honra poder ser o corpo que ela habita. É sempre uma emoção diferente. Esta menina me ensina muito e me ensina sempre. Eu jamais serei Luísa, o cartório não deixaria. Mas tenho Luísa aqui dentro de mim, em minha alma. Sendo pra mim e pro nosso pobre herói aquilo que nos mantem vivo. Aquilo que pulsa em nosso corpo, dilatando nossos poros, sendo extase puro. É um Lampejo Idílico!! Idílico!!!



Por Eliane Gomes
*Esse texto maravilhoso, é um depoimento da extraordinária atriz Eliane Gomes, que interpretou, nos palcos, a Luísa do conto/peça O TEATRO.
Eu não consigo ler sem ficar completamente arrepiado e com o coração absolutamente gratificado!

Obrigado, Eliane “Luísa" Gomes!

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Um Micro Conto Sobre Como Nascem os Poetas




Ela saiu da escola com a impressão que não havia entendido direito.
Então, chegando em casa, viu que o pai lia jornal e sentou-se na mesa, em frente a ele. Não o queria interromper.
O pai notou-a. Aguardou um instante, mais para admirar o momento, porque se sentia feliz quando ela sentava assim, a esperar por ele. Ele tentava como que fotografar o momento em seu coração, pensando nos anos que viriam, em que talvez ela nem tivesse mais paciência de esperar por ele… em que talvez, ela nem precisasse mais perguntar as coisas para ele…
Então, ele abaixou o jornal e sorriu.
— Papai, como eu faço para rimar palavras?
Ele franziu a testa, intrigado. Então, ela explicou:
— A professora disse que temos que escrever palavras que rimam, na tarefa de casa. 
Ele não era versado em poesia… Não sabia ao certo como explicar. Pensou um pouco e respondeu:
— Para rimares as palavras, tens que escolher palavras que combinem…
Ela inclinou um pouco a cabeça, como quem já está pensando sobre o que escutou.
— … por exemplo: “recreio" rima com “passeio”.
Ela levantou, beijou o rosto do pai, e correu para o quarto, pegou seu caderno e lápis e pôs-se a fazer a tarefa da escola.
No dia seguinte, a professora entregou as tarefas de todos os colegas e liberou-os… menos ela.  Quando todos saíram, a professora chamou-a.
— Por que tu escolheste estas palavras?
— Porque papai me disse que rimas são palavras que combinam.
A professora sorriu, olhando a tarefa. 
— Eu não fui bem? — perguntou a menina, preocupada!
— Você tirou 10 — respondeu a professora, sem tirar os olhos daquele papel, escrito com letras trabalhadas com esmero:
“Passarinho” rima com “sorriso".
“Amor" rima com “abraço”.
Luís Augusto Menna Barreto

14.10.2019

sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Pensamentos perdidos - … faxina! (texto 2)

Pensamentos perdidos - … faxina! (texto 2)


Varria. 
Havia algo de pressa. E havia muito a limpar. Naquele lugar, havia pedaços, restos, espalhados por todos os cantos. 
Em um canto, estavam partidos em cacos… em outro, havia alguns como que rasgados, jogados… o que ainda estava quase inteiro, estava coberto por poeira. Ele já o havia esquecido e jamais voltara a vê-lo… somente agora que tinha de limpar tudo, relembrou por ínfimos instantes, como se já não lhe fosse importante.
Jamais pensou que pudesse ter tanto acumulado… tantos restos. Tantos pedaços…
Mas agora, era tempo de limpar tudo. 
Finalmente ele a descobriu. 
E sentiu necessidade de que ela entrasse em seu coração, sem que houvesse quaisquer restos de amores velhos! Queria para ela, um coração aberto e limpo, para que então, apenas ela o decorasse.

Luís Augusto Menna Barreto

11.10.2019

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

pensamentos perdidos - ... faxina!

Pensamentos perdidos - … faxina!


Eu limpei com carinho
Esse cantinho
Dentro do meu machucado coração.
Para quando tu chegares
Não mais encontrares
Restos de amores velhos, espalhados no chão

Luís Augusto Menna Barreto

10.10.2019

segunda-feira, 7 de outubro de 2019

pensamentos perdidos - ... negação!

Pensamentos perdidos - …  negação!


Ainda que seja teu 'não', não te apresses… pronuncia-o devagar…
Deixa eu ficar mais tempo olhando o movimento dos teus lábios… mais tempo com o som da tua negação… 
Assim, ainda que nada me dês, levo comigo teus lábios fotografados por meus olhos, teu som reverberando em minha memória…
E, se de tua negação, eu puder pedir algo, nega-me de perto… bem de perto… para minha alma ficar impregnada do aroma do sopro.

Luís Augusto Menna Barreto

7.10.2019