— “PelamordeDeus”, Moço, como assim?
— É isso! Portão fechou! Quem entrou entrou, quem não entrou, ficou de fora!
— Mas como foi isso? Quando? Ai meu Deus, moço, não pode ser!
— … mas é! Fechou, já era!
— Não pode ser! Não era pra ser assim!
— Olha, eu entendo! Mas sou só o porteiro!
— Mas eu cheguei no horário que eu tinha que chegar, né, Prateleira?
— Daí, já não sei, Olavo, só tô te acompanhando!
— Olha Olavo… Olavo teu nome, né?
— É.
— Então, Olavo, só não me vem com esse papo de cheguei no horário! Sou porteiro dessa escola h
á 34 anos! 34! Nunca fechei o portão no horário errado! Desde que o finado prefeito S. Caipora me nomeou. Só dois dias nesses 34 anos que eu não estive nesse portão! Eu trabalhei na campanha e ele me nomeou professor. Dai, não deixaram eu dar aula, porque não sabia escrever, e fui transferido pra porteiro, porque era muito novo pra me aposentar! Nunca fechei em horário errado!
— Sempre tem uma primeira vez! Olha direito aí! Vai que enguiçou o seu relógio!
— Meu relógio tá no meu pulso ha 34 anos, Olavo! 34! Dou corda todo dia quando acordo! Porque pra mim, relógio tem que ter ponteiro e ser de dar corda! Porque esse negócio aí de pilha não dá pra confiar…
— Isso ele tem razão, Olavo. Semana passada meu relógio digital…
— Cala a boca, prateleira! Que mané relógio! Isso não podia estar assim!
— Eu falei no Uber, Olavo…
— Cala a boca, Prateleira!
— Olha, moço… Olavo… Não tem o que fazer. ENEM agora, só ano que vem!
— Mas o senhor não entende, moço… era a chance da minha vida! Eu ralei o ano inteiro! Essa era minha chance!
— Todo ano é isso. Tenta o ano que vem, Olavo!
— Ano que vem não dá… perdi minha chance…
— Todo mundo que perde o horário do ENEM diz isso, Olavo! Mas daí, no outro ano, tá aqui de novo! Ano que vem tu voltas, Olavo, chega cedo, e faz a prova!
— Eu não vou ter outra chance!
— Claro que vai, que é isso, Olavo! Ânimo! É só uma prova que tu perdeste!
— Não. Eu perdi meu emprego! O Chefe da Redação disse que se eu voltasse sem a reportagem dos atrasados do ENEM, eu ia pra rua…
— É, ele vai pra rua…
— Cala a boca, Prateleira, desliga essa câmera!
Luís Augusto Menna Barreto
15 de novembro de 2022