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terça-feira, 14 de junho de 2016

crônica - No Marajó... Por 200, não aceito... pago 400!

No Marajó... Por 200, não aceito… pago 400!

Originalmente  publicado no antigo blog
"Menna Comentários", precursor deste.
Data da postagem original: 21.02.2016.
Comentários na postagem original:  nenhum.

Visualizações até ser retirado:  92.

Foi no Marajó. Termo Judiciário da cidade de Bagre! Como não há juiz na cidade, eu viajo duas vezes por mês, por 1 hora em uma voadeira (uma pequena lancha, para quem não sabe), desde a cidade de Breves (também no Marajó) para realizar as audiências e atender a todos que eu consiga.
Entre uma audiência e outra, confesso, precisei sair da sala para pra ir no banheiro (os litros de café que tomo para manter-me acordado precisam sair) e quando retornei, as partes da próxima audiência já haviam sido chamadas. Como era uma ação de alimentos, em que a paternidade estava afirmada pela certidão do registro do nascimento, fiz o que é meu hábito: expliquei que tudo seria uma questão de chegarmos a um acordo em relação aos alimentos e perguntei se as partes já haviam conversado e se havia alguma possibilidade de acordo!
Antes de continuar, é preciso referir que Bagre é uma pequena cidade, em uma ilha das muitas que compõem o Arquipélago do Marajó! Sim, isso mesmo: arquipélago. O Marajó não é uma ilha apenas, mas, antes, inúmeras ilhas! E, mais que isso, na verdade, Bagre fica até mesmo do outro lado do rio, e deveria ser considerada uma ilha já do continente, mas para o Poder Judiciário, Bagre, que fica “próximo" (quatro horas de barco ou uma hora de voadeira É próximo!!) à cidade de Breves, pertence ao polo do Marajó. Como sói acontecer em todo o Marajó, a população é muito humilde e quando referimos que é população de baixa renda, quem mora em metrópoles talvez não entenda direito. Apenas para dar uma idéia, se alguém tem um emprego de carteira assinada, que pague 1 salário mínimo… UAU!, essa pessoa está bem! Porque existe enorme parte da população que vive com duzentos ou trezentos reais por mês! Então, em casos de alimentos, são comuns pensões de trinta ou cinqüenta reais por mês. Tá, vou colocar em números para entenderem e verem que não errei: falei mesmo R$ 30,00 ou R$ 40,00 por mês!
Voltando ao caso da audiência, quando perguntei se havia acordo, a mulher, que não devia ter ainda 30 anos, falou: 
“Doutor, eu quero R$ 200,00 por mês!”
Barbaridade, pensei (sim, sou gaúcho, e estou no Pará). Duzentos pilas por mês, não vamos sair daqui tão cedo…
“R$ 200,00 não dou doutor”, falou o homem, um rapaz que parecia mais novo que ela. “Dou R$ 400,00!”
"Hein?!" Dei aquela piscada que a gente às vezes faz quando acorda com alguém falando e a gente não entende direito! Antes de eu conseguir perguntar, a mulher repete:
“Quero R$ 200,00!”
Tô ainda pegando ar pra falar e o cara retruca:
“R$ 200,00 não pago. Pago R$ 400,00!”
Exatamente! Eu estava exatamente assim como vocês: sem entender nada. Parei tudo!
“Acho que eu não estou entendendo”, falei. “A senhora quer uma pensão de R$ 200,00 para seu filho, é isso?” 
“Isso, doutor”. Respondeu.
Virei-me para o qüera: “E o senhor quer pagar R$ 400,00, é isso?”
“Isso mesmo, doutor. R$ 200,00 eu não pago! Pago R$ 400,00”.
Daí, apesar do inusitado, suspirei aliviado! Quem não entendia eram eles! Não entendiam de números, pensei. Essa vai ser fácil, afinal! Daí, mais relaxado, fui explicar:
“Minha senhora, o que ele está tentando fazer, é mais do que a senhora está pedindo. Se ele quer pagar os R$ 400,00, melhor para a criança. Se a senhora não for gastar todo o dinheiro com o menino, vá fazendo uma poupança para ele”. E achei que ficaria assim resolvido.
Que nada! Olha só a história. Eu que não sabia de nada…
“Não, doutor. Já falei pra ele: não quero mais dinheiro, quero os R$ 200,00 e mais o que eu falei”. Era aí, o furo da bala!
“E o que exatamente a senhora quer?”
“Doutor, eu quero os R$ 200,00 e quero que ele leve a merenda (almoço) da criança lá em casa, porque muitas vezes é o horário que eu arrumo um bico pra fazer, cozinhando em alguma casa. Então, quero que ele vá ver a criança e levar a comida todos os dias. E também quero que pague o talão da energia" (conta de luz).
“Não vou fazer isso, doutor. Pago os R$ 400,00, e ela pode mandar o menino ir merendar todos os dias na minha casa”. 
Bagre tem a sede da cidade bem pequena (se alguém tiver curiosidade é só colocar no Google que vai ver o tamanho e como ela de fato fica em uma ilha). Para ir de uma casa até outra é algo que, mesmo distante, vai-se em cinco minutos.
Tornei a falar com a mulher:
“Senhora, quanto é a conta da energia?”
“Dá uns R$ 30,00 ou R$ 40,00 por mês, doutor.”
“Ora, então se ele lhe der os R$ 400,00 por mês, será uma vantagem! E a senhora ainda pode deixar seu filho merendar na casa do pai”!
“Não adianta, doutor, assim não aceito!”
Eu estava para argumentar alguma coisa quando o caboclo que queria pagar os R$ 400,00 falou:
“Isso é mulher ruim, doutor. O que o senhor não sabe, é que ela já arrumou outro macho pra ela, e ele não faz nada e fica na rede o tempo todo vendo televisão. Ela quer que eu vá lá todos os dias levar a merenda, só pra eu dar de cara com ele e ainda pagar o talão da energia que ele gasta no ventilador, deitado na rede!”
Era isso! Descobri depois que o casal havia separado, porque ela pegou ele agarrado numa morena atrás de um salão de uma festa. Mulher é assim: se o caboclo desliza uma vez, seja como for, estica a vingança o quanto pode!
No fim, o acordo foi de R$ 300,00, sem a merenda diária… mas o talão da energia ficou para ele pagar. (Alguma coisa me dizia, que a energia seria cortada em breve…).

Por Luís Augusto Menna Barreto

26 comentários:

  1. Esse acordo parecia tão fácil, mas a mulher era difícil de negociação...kkkkkkk!! Essas crônicas são muito boas!!! Essa conta de energia realmente não será paga por muito tempo!! Era melhor ter aceitado os R$400,00 e estaria no lucro!!!

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    1. Ah, Camila... mas o "lucro", aqui, era ela vingar-se do ex, que a tinha passado para trás...! Ô mulher rancorosa... rsrsrsrs

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  2. Kskskskksksksksk pior q é assim mesmo Dr.

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    1. E não é...?!!! Tu que "fazes mil cabeças" por aí, deves saber de muitas histórias também, não é mesmo..??!!!

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  3. Engraçado como cada uma dessas audiências tem sua "pegadinha" acoplada...
    E, não nego, fui lá no Google fuçar para ver como seria "Bagre"!
    Mas no final das contas, fiquei imaginando sua reação todas as vezes que esses "causos" aparecem para vc resolver! kkkkkkkkkkkkkk

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    1. Bom... a verdade é que fica sempre divertido DEPOIS... mas na hora, a gente sempre fica com aquela cara de "hein??"!!!
      Que legal que viste Bagre no Google. Notassem como a sede do município fica "escondida" na parte de trás da ilha..??
      Ah, mas gosto tanto...! Um povo tão agradável, tão bom sentar na praça em frente à Igreja, ou no trapiche municipal, à noite, quando todos vão à rua, passear sem o imenso calor do sol...!!
      Que bom que viste, guria... agora, ficas convidada a conhecer!!
      Bora!

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  4. Oh, mulher difícil!!!
    Só dando risada das história da tua Ilha para sentir um pouco de calor com este frio que está fazendo por aqui.
    E olha que não sou de sentir frio!!!
    Muito boa!!!

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    1. Mas báh..... manda uns graus pra cá e a gente equilibra!!!
      A mãe foi até Bagre com a gente, quando me visitou. E morreu de medo quando "deu prego" na lancha... rsrsrsrsrs.... acho que isso pode virar crônica!!!
      Beijo, mana!!

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  5. Até que ponto chega a ignorância de uma pessoa? E ainda se acha esperta... É o nosso país... tanta coisa errada... tanta pobreza... e a falta de perspectiva, nos faz caminhar para o pior. Uma crônica que traz uma triste realidade, mas que torna-se engraçada, na forma como escreve o cronista. Parabéns, poeta... Mas ela deveria ter aceitado os R$400,00...

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    1. Ah, professora, sem dúvida, acho que ela deveria ter aceitado os R$ 400,00!!!
      ... mas vai entender como pensam... rsrsrss....
      Sim, retrata uma realidade diferente da nossa... mas, mesmo com todas essas agruras, adoro estar no meio desse povo... sinto-me tão mais gente...!!!
      Obrigado professora...!

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  6. Parabéns, poetinha!
    Não pela crônica em si (também pela crônica em si) mas por sua visão de mundo, conhecimento sobre a alma do brasileiro pobre, sua história de vida, cultura, hábitos e costumes.
    Contando casos assim, tão engraçados, você nos possibilita aprender mais, sentir mais, ter um olhar voltado pra essa gente tão especial, moradores desse longínquo lugar. Gente simples, que vive os seus dissabores de um jeito próprio, particular. E, graças a Deus, tendo um Juiz para lhes mostrar um rumo, um norte, que eles ainda não enxergaram.
    Fique feliz por ser o que é, Menna Barreto!

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    1. Que afago bom esse teu comentário, Maria... quanta gentileza...
      ... mas permita que eu te diga: quem aprende muito mais, com eles, sou eu! Aprendo melhor a viver, a ser gente, a dar importância a tanta coisa realmente importante, como os sorrisos que surgem espontaneamente, aos abraços... aprendo, vendo a alegria em lugares simples, que não é preciso nada complicado ou caro para ser feliz...
      ... ah... aprendo a ser melhor! Adoro a ilha...!

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  7. Estas cenas variam de cenários criados pelas raivas embutidas nos resíduos de situações mal resolvidas. As discordâncias são resultados das "vinganças " das partes que perdidas de sentidos planejam desforras dos humores armazenados nas refregas que tiveram antes da partida sentida e ainda não consentida. E aí só o Juiz salva o tiroteio.

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    1. Ah, Dr. Izamir... às vezes, nem o juiz salva, nem se salva...
      Há situações em que tento ponderar, mas nunca tenho os valores e pesos realmente adequados, porque por mais que eu me esforce, não consigo olhar a vida com os olhos de quem tem as angústias em disputa... olho-a sempre de fora, com essa visão que trago de uma realidade tão diferente... ... mas aprendo, Dr... aprendo cada dia mais os humores, os sabores, o viver dessa gente da ilha, muitas vezes tão mais gente do que as gentes dos concretos...!!

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  8. Infelizmente hoje não vai dar para comentar a crônica. Voei muito, e depois peguei 9 horas de estrada. E eu gosto tanto das crônicas dele...

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  9. Mas por algumas razões eu quero, meu amigo querido, independente da literatura que produzes, fazer-te um elogio, que, espero, saibas recebê-lo.

    Tu és um juiz exemplar. Tu te calças nos princípios justos não só da lei, mas também do amor e da generosidade.

    Tenho orgulho de ti!

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    1. A, Ana.... tu não tens como entrar em mim e ver o tamanho que tuas frases ocuparam no meu coração.
      Acertas na tua dúvida acerca de eu não saber receber tais elogios...
      ... recebo-os, e não sei nem como retribuir...!

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  10. Ah, meu querido poeta!!!! Como rio dessas crônicas. Quanta sensibilidade e generosidade ao escrever, retratando o cotidiano dos fazeres do teu dia a dia.
    Tornando nossos dias/noites mais divertidos.
    😘😘😘

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    1. Ah, Silvina.... tenho vontade de mostrar o mais que posso essas deliciosas histórias... sinto-me quase egoísta vivendo tanta coisa que muitos jamais viverão, sem, se não as partilho...!
      Queria, com sinceridade, que um dia todos pudessem vir à ilha... pudessem andar suas ruas, viver suas gentes... Cheirar a floresta e ter o rio como rua...
      Sou grato, todos os dias, por ter a vida, me levado até tão longe para aprender a ser melhor comigo mesmo!

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  11. Não... pára!! Já vi de tudo nessa missão... mas esticar vingança... ainda não! Rsrsrsrs
    Beleza de conto.

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  12. O que mais me encanta em suas crônicas poeta é o carinho com que relata o comportamento de cada pessoa que conhece, seus costumes, suas vidas tão desconhecidas por nós. Nítido é amor que demonstras pelo Arquipélago do Marajó e o seu trabalho. Parabenizo você pela sua honradez, imparcialidade e justiça, percebo-o como um grande ser humano! Ótima noite !

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    1. Ah, guria....
      ... assim, encabulo...

      Adoro, mesmo, o arquipélago. O Marajó já faz parte de mim... gosto de suas gentes....
      Se puderes, lê um diálogo meu com um grato amigo, Dr. Ândrian Galindo, juiz muito mais que eu, daqueles que tem olho que vê alma... acho que ali, pude retratar meu sentimento com a ilha.

      O diálogo chama-se "Reminiscências do Marajo". Tá na aba "diálogos" e é o primeiro diálogo postado nesse blog!

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    2. Thaís... mil obrigados.... nem sei o que dizer...
      E tu, sabendo o atual momento da minha vida... isso se torna ainda mais importante... Suuuuuper obrigado. Um dia, espero conseguir retribuir um pouquinho dessa tua imensa estima!

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