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terça-feira, 19 de julho de 2016

crônica - Máicou Diéquisson, Fotochópi, Seu Dunga e o Cadeado

Máicou Diéquisson, Fotochópi, Seu Dunga e o Cadeado

“Não sou filho de chocadeira, doutor!” Disse, e franziu a testa.
“Hein?”
“Só tenho um pai e o nome dele é Ioséfi”.
Não entendi nada. Revisei mentalmente se eu o havia destratado ou ofendido, e não consegui achar nada pra isso. Continuei, meio desconfiado, confesso:
“Nome da mãe?”
Ele olhou pro lado, onde estava sentada a mãe, que estava com cara de poucos amigos e perguntou:
“Como é o nome da senhora, mãe?”
“Hein?” Meu “hein" não deixou que a senhora falasse. "Mas tu não sabes o nome da tua mãe?”
“Olha, doutor, chamam pra ela de Catá.” (“Chamam pra ela" é uma expressão corrente aqui no Marajó que é a forma como dizem “chamam-na de…”!).
Aquilo me surpreendeu. O caboclo não sabia o nome da mãe! 
A história é a seguinte: o “Fotochópi” foi preso em flagrante delito, segundo o auto de flagrante, porque havia furtado dois cordões de ouro da joalheria. Havia entrado pelo telhado da lojinha de chaves e fechaduras do “Cadeado" e, dali, passou pra joalheria por dentro mesmo. Vou explicar: primeiro, estamos no Marajó! A “joalheria" é um “box" de dois metros de frente por dois de fundos, como todos os dez box feitos pela prefeitura e que abrigam todo o tipo de serviço, como uma pequena feira. Ficam cinco box virados para cada lado e eles foram construídos como se fossem o canteiro central da rua, havendo uma parte da avenida para cada lado, onde passariam carros se houvesse algo mais do que o caminhão do lixo e a ambulância dirigida pelo Manobra. Tá bom: motos, essas tem muitas! 
Enfim!, cada box tem uma pequena ligação entre eles, como se fosse a metade de baixo de uma porta. Não, não me pergunte por quê isso, porque não faço ideia. Quando eu descobrir, eu conto. Daí, que a loja de chaves do Cadeado fica ao lado da joalheria! Bem, "joalheria" é como é chamado o box. Sei que o Seu Dunga (o apelido não é pelo futebol, mas sim pelo anãozinho do conto da Branca de Neve mesmo, que era minerador; porque o Dunga tem a joalheria, é baixinho e tem uma namorada bem alta… a Branca de Neve! … e há quem diga que existam outros “anões” que dividiriam essa Branca de Neve Marajoara… Mas isso é outra história!).
Pois diz que o Fotochópi achou de entrar pelo telhado da loja do Cadeado, arrombou a porta que liga à joalheria e pegou dois cordões de ouro. Segundo o delegado, o Fotochópi foi preso em fuga e, dos dois cordões, um apenas foi recuperado!
Mas esse caso marcou-me porque foi cheio de peculiaridades. Como estava tudo muito tranqüilo e só havia uma audiência marcada para aquela manhã, um caso de separação a ser julgado, da Jussemira Antônia com o Deitado, determinei que trouxessem o preso para encaminhar logo o caso. 
O Fechadura, que cuida da delegacia, trouxe o preso e explicou que o flagrante ainda não tava pronto, porque faltou tinta na impressora e estavam atrás de alguém pra carregar o cartucho. Daí que foi o Fechadura que me contou o caso:
“Olha, doutor, a PM (policiais militares) disse que o Fotochópi entrou na joalheria e pegou dois cordões. Mas só entregaram um. Disseram que o outro ele jogou no mato na fuga.”
“E esse Fotochópi aí? É nó cego?” Fui logo perguntando, porque eu ainda era relativamente novo na cidade e o Fechadura foi nascido e criado na beira do rio, ali mesmo no Marajó.
“Não doutor. Diz que só rouba quando arruma namorada. Quer dar presente, mas é liso, então apronta umas”, explicou-me o fechadura. Foi daí que comecei a interrogar o caboclo.
Mas já no nome eu me surpreendi: 
“Nome?”
“Máicou Diéquisson”.
Olhei para o Goela, o meirinho, e ele só levantou os ombros e colocou a cabeça pro lado na universal expressão “pois é, fazer o quê?!”
Terminada a primeira parte do interrogatório, que é a qualificação, fui perguntar sobre o crime e o flagrante.
“E aí, Fotochópi?”
“Entrei na joalheria, doutor, mas não foi flagrante. Eles me pegaram dormindo.”
“Hein? Mas aqui diz que foste pego fugindo!”
“Mentira, doutor! Botaram aí no flagrante porque entrei pela loja do pai do Fechadura. Ele que foi lá em casa e me pegou. Eu tava até na rede, dormindo, doutor”
Claro… tudo começava a fazer sentido: o Cadeado era pai do Fechadura, teve a loja de chaves arrombada e o Fechadura foi atrás pra pegar o larápio!
Como eu havia dito, o caso era cheio de peculiaridades.
Vou tentar resumir:
Descobri que o apelido "Fotochópi" era porque o Máicou não era nem de longe parecido com o Michael Jackson. E um dia, no time de futebol, quando ele disse o nome, alguém gritou: “só se tu és um fotoshop mal feito do Michael Jackson”. Pronto, pegou: na hora, virou “Fotochópi do Michael Jackson", depois reduzido pra "Fotochópi", e, dizem, os mais íntimos chamam-no de "Foto"!.
Acabei soltando o Fotochópi, nascido Máicou Diéquisson Pereira… afinal, o flagrante não foi flagrante… e era dia 25 de junho de 2009! Adivinha o astro famoso que morreu nesse dia? 
Ante de soltar, não me aguentei e perguntei: 
“Fotochópi, porque tu ficaste brabo comigo no interrogatório?”
“Porque eu sou ladrão, mas tenho família e minha mãe é direita, doutor.”
“Mas como eu ofendi tua família?”, perguntei.
"Ora, doutor. O senhor perguntou o nome dos meus pais. Só tenho um pai, doutor."
“Baaahh…”
Dias depois, chegou um procedimento de violência domestica: o Seu Dunga bateu na Branca de Neve. Ela, que não é lá tão antenada nas coisas, apareceu, justo para o Seu Dunga, com o outro cordão que o Fotochópi havia furtado da joalheria e não haviam achado… 


Por Luís Augusto Menna Barreto


44 comentários:

  1. Cada história mais cômica que a outra... Esses apelidos, então! Nas salas de aulas encontramos nomes também fora do comum. Nunca esqueci de um: Dassaiedy.Um dia, perguntei de onde veio esse nome e ele mais que depressa respondeu: homenagem ao noivo da Princesa Diana, (Dodi Al-Fayed), quase que rio na cara dele.
    Voltando ao conto, muito bom... leve... Ilário... Uma boa leitura pra descontrir.

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    1. Outra história engraçada de apelido. Tinha um aluninho chamado Francisco José, com o apelido de Derente. E como professora, chamava-o pelo nome e assim toda a sala. Um dia, veio uma equipe da Secretaria de Educação veio fazer uma visita. E passando na minha sala, puxa conversa com os alunos (6 e 7 anos). Chegando perto do Fco. José pergunta: "como é o seu nome?" e ele mais que depressa respondeu: "meu nome é Derente, mas a professora me deu um apelido de Francisco José. Nem preciso falar das gargalhadas que demos...

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    2. Norminha, conta essa histórias para nós!!! Escreve-as!!! Fala logo o endereço do blog!

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    3. Yuri, tenho tantas histórias! Você nem imagina...

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    4. Estou com Yuri: tens que ter um canal teu para contar essas histórias para dividi-las com a gente...!!!!!!!!!!

      Para quem não sabe, a professora Norminha é uma excelente contadora de histórias... contou-me algumas que inclusive levou-me às lágrimas... outras, fez-me rir...!!

      E são histórias deliciosas...!!!

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    5. Conta, Norminha!!!! Amo histórias!!!

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  2. É bom demais ler tuas crônicas...Esse humor sempre presente é fantástico...
    Descontrai...Aqui também tem desses nomes e apelidos um tanto quanto"diferentes"...
    Ah!! O que dizer mais...Uma crônica melhor que a outra...

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    1. Mil obrigados, Michele...!!
      Eu também adoro escrever as crônicas, porque é uma forma de perpetuar essas gentes tão peculiares, tão especiais dessas terras marajoaras...!!

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  3. Ahhhh!!Mas também a dona Branca de Neve né?kkkk

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  4. Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

    Pára tudo!!

    Não é uma história. É novela. Com cena dos próximos capítulos e se bobear comercial (do box).

    E o "pior" é o juiz chamando "o larápio" de "nó cego" kkk

    Bahh! O Dr se impreguinou do vocabulário popular...

    Hilário!!!

    (Obs: vou ler pro meu pai... mãe dele (minha vó,lógico!) Era Marajoara. Chamada Sunamita. Uma índia braba de cabelo negro até a cintura. Vou ver o que ele acha disso...

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    1. Guria... quase chutaste certo....
      Já falei para a escritora Ana Isabel Rocha Macedo, que eu estou com um ambicioso projeto de transformar tudo em uma grande novela (novela-livro, estilo literário)...
      Por enquanto, um projeto.. mas que estou sentindo comichão nos dedos para fazer, isso estou!!

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    2. Que boa notícia!!! Novidade vindo por aí...!!!???

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    3. Mas tem de começar a fazer isso logo, meu cronista!

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    1. Olha... foi na trave. Mas sem nenhuma intenção... só senti!!!
      Vai ser muito bom!!!
      Começa logoooo!!

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  6. Gente, kkkk Se todos se conhecem, a Branca de Neve tinha que ter um caso, e ainda usar o presente???? KKK

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    1. ... ah, amiga... se tu a conhecesses.... para muitas coisas, ela é bem espertinha... para outras.... ufa!!

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  7. 😂😂😂😂😂😂😂
    Depois de um dia cheio, ter o prazer desta leitura, é muito bom!!

    Obrigada, amigo querido! 😘😘

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    1. Depois de um dia cheio, ter o prazer do teu comentário, é muito bom!!
      Obrigado!!!!!!!!

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  8. Mais emgraçado e cheio de idéias do que esse Menna Barreto, não existe. E contando essas histórias, é sem concorrentes. Muito bom. Porque rir é a melhor coisa que se faz. Obrigada, poeta!

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    1. Maria, obrigado a ti!!!! E as idéias são sempre generosas, com a inspiração da vida real, tão rica e tão boa nessas ilhas marajoaras...!!!

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  9. Pô... Como prender um namorado tão romântico?!!! Ele não rouba! Apenas furta e com boníssima intenção, presentear a amada da vez.
    Ora, como trancafiar um amante desses?! Estás doido, doutor???!!!

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    1. Gostei também dele, Ana Macedo. Solta o homi, seu doutô!!!

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    2. Escritora... ele foi solto no dia 25 de junho de 2009! No exato dia que o astro pop fechou definitivamente os olhos...!
      ... mas já o encontrei outras vezes nos bancos das salas de audiências... ... afinal, ele teve, ainda, outras conquistas...!!!
      A propósito: notaste as coincidências dos nomes dos pais do xarás, o famoso e o marajoára...? Teria sido coincidência...?
      Cétioco Yuri... elas existem, as coincidências..?

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    3. Menna, algumas questões são por demais complexas. Verdades absolutas são perigosas. Eu diria que, na Noite Nua, há apenas o movimento das coisas que se fazem, sob a batuta da lei das probabilidades. Hora certa, na hora certa, ou o contrário. Mas isso é algo transitório também. A qualquer momento, tudo pode mudar, como na literatura grega, onde o efeito "Deus ex machina" resolve as questões que precisam ser resolvidas. Ainda não adotei esse recurso...ainda... mas, "na tortura toda carne se trai...", então... O que posso eu dizer? eu apenas escrevo....

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    4. Em tempo: "hora certa, no lugar certo"

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    5. A Noite Nua tem mexido com minha literatura... forçado a mão numa direção que descubro que tenho gostado...
      Escrita improvável na hora improvável.....

      ... de um ser Yuri improvável...!

      E como são prováveis essas improbabilidades...!

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  10. Rs.... comecei com risos...pq realmente estou rindo!!!! kkkkk Fantástico tudo isso!!!.... que beleza!!! Muito bom. Eu gostaria de conversar pessoalmente com o escritor sobre essa coisa dos apelidos...rsrsrsrs

    Parabéns, Menna Barreto, mais uma bela crônica!

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    1. Ah, Sedrick... essa coisa dos apelidos... isso é uma peculiaridade local... é maravilhoso. Funciona muito mais que nomes...!!
      A noite, aqui, nem é tão nua... mas, talvez descobrisses algumas sombras interessantes... vem na ilha, Sedrick... faz-te boto, e visita essas plagas...!

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    2. Sedrick seria de fato, um boto.

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  11. Muito engraçada sua crônica, como sempre vc me faz rir e imaginar toda a cena.....Parabéns poeta....

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    1. Mil obrigados... tento, realmente, descrever as situações, e é-me fácil, porque escrevo sempre com o traço da realidade acontecida, que procuro dar algumas tintas literárias... mas a vida aqui é tão rica, que não há esforço...!!!

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  12. Excelente crônica, as situações vividas no Marajó são inesquecíveis e por vezes bem-humoradas. kkkkkkkkkkk

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    1. Grande Roberto Carlos, amigo para uma vida inteira!
      Roberto dividiu muitas aventuras do Marajó.
      A quem não sabe, escrevi, certa feita, um pequenino conto de Roberto, que chamei: "Roberto, antes de ser F..."
      Com um coração maior que ele próprio, Roberto tem aventuras que dariam um livro inteiro de crônicas... Quem sabe um dia, ele as autorize...!!!!!!

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    2. Autoriza, Roberto Carlos, por favor!

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    3. Querida Ana Macedo,
      Penso em autorizar, mas ainda estou numa fase da vida que ainda requer certa moderação. kkkkkkkkkKKKKK
      Mas, em breve teremos essas narrativas publicizadas por esse grande autor, poeta e amigo MENNA...

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    4. Escritora Ana...
      O Roberto é literatura viva desde a forma como ele se apresenta, com um sorriso da velocidade da luz, que chega sempre antes de sequer pensarmos, e dizendo:
      "Muito prazer, sou o Roberto Carlos... o que não canta, mas encanta!"

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  13. Maravilhosa, como todas as outras!!! Esses apelidos, realmente, são demais!!! Tem que ser muito artista pra conseguir bolar.

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    1. Ah, amiga, Armelinda... basta ouvidos atentos! Por aqui, o apelido é uma definição. Não os escolhemos: somos descritos por eles!!!

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  14. Para ver a popularidade de Michael Jackson...em todos os cantos do mundo.

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