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sexta-feira, 8 de julho de 2016

crônica - "NERRÉIAS"... Pode??

"NERRÉIAS"… Pode??

Originalmente  publicado no antigo blog
"Menna Comentários", precursor deste.
Data da postagem original: 04.03.2016.
Comentários na postagem original:  2.
Visualizações até ser retirado:  273.

Bem, nem todos os casos inusitados acontecem no interior.
Essa foi na capital! 
Logo que a gente entra na profissão, vira apenas um substituto, e fazem a gente ficar indo de um lugar a outro sem parar. Daí a gente conhece um monte de cidades pelo interior e também vários juízos na capital. 
Pois eu ainda estava no tempo de substituto quando fui responder interinamente no juízo de Registros Públicos da capital. Isso foi lá por 2003, mais ou menos. E olha que naquele tempo, havia mais trabalho, porque modificaram a Lei de Registros Públicos, e hoje tem um montão de coisas que dá pra fazer sem ter que passar pela “justiça”… pode ir direto no cartório civil e resolver. Por exemplo, se o sujeito tem uma letra que foi escrita de forma equivocada no nome, não precisa advogado, promotor e juiz (é, precisava isso tudo pra mudar uma letra errada no nome!!!); agora, pode ir direto. Conheço um que resolveu assim: depois de quase sessenta anos de vida, embestou de dizer que o registro tava errado porque o sobrenome dele estava escrito “Souza" com “s" e era com “z" tudo que era “Souza" da família. Queria corrigir e veio perguntar.
Antes de mais nada, fui eu que perguntei:
“Seu Juca, desde quando isso tá escrito assim?”
“Desde sempre, doutor!”
“Caramba! e depois de sessenta anos de idade, o senhor quer modificar? Acha que é agora que vai causar problema?”
“Sabe o que é, doutor… já ando me sentindo mal, me dói tudo, às vezes é difícil respirar… acho que já vou logo bater as botas. Não quero meu nome errado na plaquinha do cemitério!”
Daí, como dizer não para um pedido desses. Mas, de qualquer forma, era só uma letra e ele tinha o registro dos pais e dos irmão, todos mortos já, grafados com “Souza” com “z”!
Disse que não precisava de juiz e mandei para o cartório. Ele saiu desconfiado, porque sempre que alguém não quer atender, manda para outro lugar… e, cá entre nós, isso lamentavelmente acontece com freqüência em órgãos públicos!
Ah, mas lembrei de uma vez que aconteceu isso “ao contrário”: um senhor bem velhinho que não tinha problema e queria ser atendido! Passou a tarde inteira no salão do Juizado Especial, aguardando a vez para poder fazer sua reclamação aos atendentes para depois isso virar um processo. Como era velhinho, o pessoal do juizado era treinado para ir até ele e passá-lo na frente, em uma fila especial. Quando a servidora que atendia foi fazer isso, ele disse:
“Minha filha, não precisa. Tenho tempo. Quero esperar minha vez”.
Ela insistiu, mas ele preferiu ficar aguardando e, então, ela foi, preocupada, avisar-me, para que eu não pensasse que o pessoal não atendeu da forma como era determinado.
O senhor velhinho passou a tarde no salão de espera e, quando chegou sua vez, foi logo falando:
“Ah, moça… tô com um problema muito sério. Não posso nem sentar direito que ando com muita dor nas costas..”
Dor nas costas?! Mas tentaram tirar ele de lá e não adiantou!
“… também ando tossindo muito. Acho que tô com alguma coisa. Preciso ver o doutor.”
Ãh??????
"Sim, mas qual o problema?”, insistiu a servidora.
“É esse!”.
“O senhor passou a tarde aqui, para falar isso?”
“Foi”.
Constrangida, ela explicou:
“Mas aqui não é médico, senhor! Aqui é o Juizado Especial!”
Pensa que ele se intimidou?
“E o que faz aqui, moça?”.
“Aqui é quando tem algum problema que precisa da justiça pra resolver. Não é hospital!”. 
“Ah, mas então tudo bem”, disse o velhinho, “… eu tenho um vizinho, sabe, que…”.
Pronto! Ele tinha um caso adequado ao local de atendimento, não importava! 
Mas deixa eu voltar ao caso do registro público!
Então! Hoje tem muita coisa que não precisa de juiz, mas em 2003, qualquer letrinha errada, virava um procedimento!
Tinha vezes, que o próprio titular do cartório encrencava! Uma vez, veio um senhor que disse que foi registrar o filho, e o Titular do cartório “não deixou”. 
“Ué! Por quê?”
“Não sei doutor! Disse que esse nome ele não registra, porque não existe. Mas é da Bíblia, doutor!”
Eu não sou o cristão mais fervoroso que existe, mas já li a Bíblia! Não lembrava do nome. Mas sei que tem muito nome que aparece uma vez só, especialmente nas genealogias no Antigo e no Novo Testamento. Daí falei: me mostre na Bíblia, e eu mando registrar. 
O caboclo saiu e dali há 2 horas voltou com a Bíblia já aberta: tava lá: Gn, 36, 4. Não posso negar que me deu certa pena do moleque quando imaginei a mãe dele zangada e gritando o nome pra toda vizinhança ouvir… espero que ele tenha um apelido bom! Mas eu tinha dito que deixaria registrar. Mandei o titular do cartório registrar!
Mas não era nada disso que eu queria contar!
O que queria contar, é que certa feita, a assessora que trabalhava la naquele juízo dos registros públicos e resolvia quase tudo, veio com um processo, meio hesitante, falar comigo. O processo era de um filho quase bastardo de uma personalidade conhecida (quase, porque o qüera ao menos registrou o pimpolho. E, aparentemente, escolheu o nome).
Nossa senhora!!! 
A pobre criatura recém nascida fora registrada como “NERRÉIAS DE TAL”! (Tá bem, o “DE TAL”, é por minha conta porque não posso contar o nome da família!).
Tu te assustaste? Imagina o moleque! Eu queria era enforcar o titular do registro que permitiu isso! Graças à Deus, o processo era de retificação! Olhei só na capa do processo, li o nome, li que era retificação, e não precisei ler mais nada. Falei pra assessora:
“Pode fazer. Tá deferido. Qualquer nome que escolheram depois vai ser melhor que isso!” 
Vocês fariam o mesmo, não é verdade?! “NERRÉIAS”… Ninguem merece. Que me desculpem os “Nerréias” que existam, mas nem vocês devem merecer!
Então… a assessora era até bem rápida no trabalho, normalmente, levava de uma até duas horas fazendo um processo simples assim, mas naquele dia, tinha achado que ela bateu o recorde. 20 minutos depois, ela já tava de volta.
“Doutor… um probleminha…”
“Probleminha?”. Que problema pode ter em eu já ter dito que deferia e que qualquer nome seria menos pior do que “NERRÉIAS”?
“É que eles não querem a retificação do ‘Nerréias'…”
“Hein?! Mas o processo não é de retificação?
“É…” 
Pelas reticências, senti que vinha bomba!
Ela arrematou:
“O problema deles, não é o ‘NERRÉIAS’… é que no sobrenome, não tem o ‘DE' do ‘DE TAL’. É só ‘NERRÉIAS TAL’”!
Pois é…… é triste… mas existe um “Nerréias Tal” por aí…. Sem o “de”!


Por Luís Augusto Menna Barreto




22 comentários:

  1. Tomara que ele tenha um apelido bem legal, pq esse nome realmente ninguém merece e deveria ser proibido registrar pessoas com nomes estranhos...mas ele teve a chance de trocar e não o fez, somente incluiu o "de", então ele gosta de ser o "Nerréias"...fazer o que? aceitar e esperar que ele não passe esse nome pra o filho e o neto.

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    1. Amiga.... coitado.... ele nem teve chance, ainda de trocar... !!
      Ainda era criança quando houve essa retificação da preposição do nome.... foi o pai (que escolheu o nome) que quis retificar a preposição!!! Talvez ele, no futuro tente trocar o nome. E, enquanto juiz, certamente deferiria!!!

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  2. Sem dúvidas que qualquer apelido terá sido bem vindo...
    E como seria quando a mãe fosse chamar carinhosamente o filho..."Nerreinhas"??
    Rsrsrsrsrs....
    É esse bom humor que "é massa",como diz aqui pras bandas do Ceará....

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    1. E já pensaste nela brava????? Imagina!!! Dois gritos com o Nerréias e é pastilha pra garganta na certa!!!!!

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  3. Retrata a realidade do Brasil. Às vezes é o próprio oficial que não sabe nem falar tampouco escrever razoavelmente. Fico imaginando... Dr. Menna já deve ter dado muitos nomes pra crianças rsrsrs

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    1. ...já.... rsrsrsrs DOS OUTROS....
      Criança minha, só JOÃO (que todos sabem como escrever!!!!!
      Um grande abraço, Dr. Jackson!!!!!

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  4. Olá amigão, suas crônicas são verdadeiras lições de vida. Os casos relatados retratam as nossas realidades nos interiores. Mas tb trazem a candura dos atores das suas histórias.

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    1. Ah, Dr. Izamir.... essa é exatamente a idéia! Trazer as aventuras pitorescas dos interiores, sem deixar de demonstrar a candura dos personagens que, a mim, são tão reais!!!!

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  5. Tive essa experiência quando trabalhei pelo Estado, na Secretaria de uma escola. Alguns nomes, nem mesmo os pais conseguem pronunciar corretamente. E o pior, é que, na maioria das vezes acontece o bullying, trazendo muita tristeza pra quem o sofre. Também tem aqueles nomes, que pra acertar como escrevê-los é um dilema, pois são tantos y's...th's, que não acabam mais. Concordo, realmente essa crônica é uma verdadeira lição, e nos leva a uma ótima reflexão.

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    1. Armelinda.... realmente, acho mais fácil encontrar nomes "diferentes" nos interiores...
      Há outras crônicas no blog antigo sobre nomes, e serão republicadas aqui. Espero que tu possas visitar o blog e ver as próximas!!!!!

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  6. Histórias pitorescas desse mundão maravilhoso que se chama Belem do Para. Realmente, não dá para entrar no mérito da questão mas dá para ler os relatos e ver o quanto de insônia causa um registro mal feito ou feito mal por determinação do próprio interessado, viva-se com um barulho desses. E o Juiz, o Escrivão e o servidores públicos no meio dessa turbulência, com certeza, é de perder o sono. E esse Nerreias De Tal que passou toda uma vida para alterar todo o seu nome para um nome melhor, altera tão somente o " de " e passa, a partir dali a ser chamado " Nerreias Tal ", inacreditável, contando é difícil de acreditar mas eu acredito no Juiz contador de histórias, é verdade verdadeira. Por isso que, aqui deste lado, podemos dizer sem medo de ser feliz, que assim é a vida real, surpreendente sob todos os aspectos. É isso aí.

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  7. A crônica “NERRÉIAS... Pode??”, de Luís Augusto Menna Barreto, é mais um dos tantos textos de excelência que ele escreve neste gênero literário.

    Contudo, para não me repetir em demasia, destacarei aqui somente dois aspectos que se encontram entremeados nas linhas com as quais o autor teceu sua narração. É evidente que muitos outros há e todos eles se prestariam a análises bastante interessantes. No entanto, por uma questão de escolha, evidencio apenas estes dois.

    Ambos constituem aspectos que podem ser considerados como contribuição social, quando o Menna Barreto assume, ao se encarnar em um juiz-personagem, sua posição de sujeito na sociedade.

    Em um desses aspectos destacados, ele toma para si o direito/dever de ser um sujeito informante da história pretérita. E vemos isso claramente nos trechos:

    a - “(...) E olha que naquele tempo, havia mais trabalho, porque modificaram a Lei de Registros Públicos, e hoje tem um montão de coisas que dá pra fazer sem ter que passar pela “justiça”… pode ir direto no cartório civil e resolver. Por exemplo, se o sujeito tem uma letra que foi escrita de forma equivocada no nome, não precisa advogado, promotor e juiz (é, precisava isso tudo pra mudar uma letra errada no nome!!!); agora, pode ir direto. (...)”

    b - “(...) Hoje tem muita coisa que não precisa de juiz, mas em 2003, qualquer letrinha errada, virava um procedimento (...)”

    E no outro aspecto a que me refiro, o autor dá passagem a um juiz-personagem que critica alguns fatos sociais com nuances de denúncias. Vejamos:

    a - “ (...) nem todos os casos inusitados acontecem no interior (...) “

    b - “ (...) porque sempre que alguém não quer atender, manda para outro lugar… e, cá entre nós, isso lamentavelmente acontece com freqüência em órgãos públicos! (...)”

    c - “ (...) Eu queria era enforcar o titular do registro que permitiu isso (...)”

    Observa-se, inclusive, que no último trecho exemplificado, o narrador se infla de indignação, a ponto de, ironicamente, dizer que gostaria mesmo era de matar o titular do cartório de registro.

    Enfim, destaco o fato de o autor resistir ao cumprimento das normas legais do último acordo ortográfico, permanecendo ainda com a acentuação do ditongo aberto, quando sílaba tônica, nos vocábulos paroxítonos, como é o caso da palavra “NERRÉIA”; e também continuando com o uso do trema, como na palavra “frequência”.

    Como sempre, não me contenho e reafirmo minha profunda admiração pelas crônicas deste cronista.

    Parabéns, Menna Barreto! Você vai longe!

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    1. Como sempre, nem sei o que dizer...!!!!!
      Adoro cada uma das tua análises....!!!!
      Estou juntando as crônicas... daquela forma que tu me indicaste.... num ritmo que tu não indicaste..... !!!

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  8. 😂 😂 😂 😂 😂 😂 a Mô pai se o senhor não tivesse contando, diria q não existe 😂😂😂😂

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    1. ... e como existe...!!!!!! rsrsrsrsrsrs
      E tenho certeza que no teu salão de beleza, passam muitas histórias e nomes que dariam excelentes crônicas!!!

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  9. Essas histórias me lembram um colega de Ufpa, que comentava, a respeito de nomes esquisitos, o seguinte: - A criatura passa nove meses de desconforto pra parir com dor e depois colocar um nome como Nerréias!

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    1. Imaginas a professora do garoto, tendo que chamar a atenção dele 15 vezes numa aula....??????
      E se se o filho for júnior e o neto for "neto"....???

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  10. Engraçado como cada um tem uma visão diferente. Nós olhamos o problema da "retificação", como sendo a mudança de um nome "esdrúxulo" . Você juiz, autorizou na hora, mas... o que incomodava o "dono " do nome era outro. O nome ele gostava, rsrs é como cada um enxerga a vida e os problemas. Não acha ? O que para uns é absurdo, para outros é normal. Ótima tarde Menna!

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    1. ... e não é?!
      Que magia bonita isso! Lembro do que o pai falava-me: "quem ama o feio, bonito parece-lhe!"

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