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terça-feira, 16 de agosto de 2016

crônica: O Jesus, Jesus e o Sonrisal

O Jesus, Jesus e o Sonrisal

“… é que eu encontrei Jesus, doutor.”
“Ai, meu Deus…”, eu falei irritado.
“Não, doutor, Deus é outro. O que eu encontrei foi Jesus!”
Eu até poderia ter falado sobre a Santíssima Trindade para o Sonrisal, contar-lhe sobre o mistério do Pai, Filho e Espírito Santo… mas vou dizer uma coisa: eu até acho que tenho boa paciência para lidar com o tanto de histórias que me inventam para escapar de uma condenação ou da prisão, até acho que sou um juiz com boa paciência no geral; mas tem duas coisas que me irritam profundamente! Uma delas é quando interrogo alguém que me responde “não sei, doutor, não lembro, eu tava porre”. Isso de o cara não lembrar por estar “porre" me deixa furioso. Tá, eu sei que tem gente que fica assim mesmo: bebe e não lembra das bobagens que disse e que fez… mas tem uns e outros que me respondem isso na maior cara de pau e sei que lembram de tudo.
Já contei por aqui, uma história de um caso de “Maria da Penha” (violência domestica), em que o sujeito estava preso há quase um mês e chegou o dia da audiência. O rosto da companheira em quem ele havia batido quase um mês antes, ainda estava com marcas roxas no olho. Quando perguntei o que tinha havido para ele ter feito aquilo, o qüera respondeu: “não sei, doutor, não lembro de nada que eu tava porre”. Fiquei muito irritado e insisti algumas vezes mas o caboclo não se entregou, manteve o discurso: “não lembro, tava porre”. Daí que quando perguntei para a companheira dele, ela respondeu: “doutor, não quero falar sobre isso, mas eu mereci”. Pois é! O caso é triste, mas foi assim. O certo é que alguns dias depois, no açougue do Retalho, o pessoal comentava que ele havia chegado em casa e pego ela com outro. Como por aqui, o sujeito só é corno se souber do acontecido, é muito melhor não lembrar!
E tem o caso emblemático do Ruela e da Panda. Também caso de "Maria da Penha”. Esse é pior, porque não é ele que fala que não lembra! É ela! A Panda ganhou esse apelido depois de alguns meses de casamento. Antes era Maria Fernanda! Mas logo depois do primeiro mês de casada, começou a aparecer com um ou os dois olhos completamente roxos. Parecia um urso panda! Ela nunca denunciou o Ruela. Mas tinha dias que os vizinhos não aguentavam o barulho de gritos e tapas, e eles, vizinhos, é que chamavam a polícia. Daí, chegava a polícia, prendia o Ruela e, já na delegacia, a Panda ia lá dizer que não lembrava de nada, tava “porre" e devia ter caído e batido o olho! 
Pois isso me deixava sempre furioso!
Outra coisa que me tira do sério, é o preso que chega com a Bíblia embaixo do braço e me fala que “encontrou Jesus”. 
Nada contra a Bíblia! Pelo contrário! Eu mesmo sou cristão, vou na missa do padre que também tenta me enrolar pra determinar “Lei Seca” nas festas da Igreja, vou no confessionário de vez em quando e tenho minha própria Bíblia! O que me irrita é o caboclo que chega lá com cara de coitado, com a Bíblia embaixo do braço e, antes de responder qualquer coisa, quer ler alguma passagem pra “minha conversão”!
É mais ou menos assim: eu pergunto o nome do sujeito e ele:
“Doutor, eu sou um servo de Deus, encontrei Jesus e gostaria de ler essa passagem…”
Já vou cortando a fala ensaiada!
“Teu nome?”
“É que eu encontrei Jesus, doutor…”
Ai, caramba! Às vezes, perco a paciência e pergunto:
“E Jesus fez o quê pra estar preso?”
Sim, porque eu também já falei por aqui, que acho que Jesus está preso! Porque tem um monte de réus que chegam para mim para dizer que encontraram Jesus. Mas só o encontram lá, na cadeia! Porque depois que saem, esquecem de Jesus. Nem ao menos vão visita-lo por lá, pelo jeito.  … tá, tô sendo injusto. Acho que tem alguns que sentem tanta falta de Jesus, que dão um jeito de voltar pra cadeia de novo, só pra encontrar com Ele, pelo jeito. Daí, encontram de novo! E o crime de Jesus deve ter sido muito grave, porque é só lá dentro que Ele é encontrado pelos presos, porque quando saem, Jesus não sai junto! Fica lá, coitado!
Pois agora, o Sonrisal que me vem com essa! De todos, o Sonrisal era um dos que eu menos esperava que “encontraria Jesus”. Era o típico malandro. Várias prisões e sempre tinha uma boa história pra contar e tentar desviar-se da responsabilidade. Normalmente praticava furtos, quase nunca sozinho. E era hábil em sempre colocar a culpa nos outros. A audiência era para ver a possibilidade de ele passar do regime semi-aberto (havia sido condenado a uma pena de seis anos de reclusão) para o aberto, porque já havia cumprido mais de um sexto da pena, ou seja, havia cumprido mais de um ano, e estava querendo o regime aberto. Em um Estado que não possui albergues suficientes, e que recomenda que a prisão aberta seja cumprida no domicílio do réu, conceder o regime aberto seria praticamente a liberdade para o Sonrisal.
O que estranhei foi logo ele, sempre tão articulado e esperto, vir com essa história de “encontrei Jesus”. Foi daí que me irritei logo de cara. Eu já não estava muito bom, porque tentei adiar a audiência e avisar todo mundo há tempo, mas o Goela, que deveria ter cumprido os mandados do adiamento, não cumpriu com uma desculpa muito esfarrapada (mas isso eu já contei na crônica da “Escritora, Tudo é Texto e o Goela”). 
Enfim, não poderia ter havido dia pior para o Sonrisal vir com essa história de “encontrei Jesus”.
Pois nem respirei muito fundo. Não escondi minha irritação e disparei:
"Caramba, Sonrisal! Até tu vais querer aplicar essa, agora: ‘encontrei Jesus’? Achei que tu eras mais inteligente que isso! E cadê tua Bíblia? Qual passagem tu vais querer ler para mim? Deixa eu adivinhar: a do filho pródigo? Ou a passagem que Jesus está crucificado e tem o ladrão bom e o ladrão ruim falando com ele? O que tu vais ler pra mim?”
“sssssssssss….sssss…sssssssss” 
Ah, eu não havia falado ainda? O Sonrisal tem esse apelido, porque ele ri assim: parece um monte de “s”; daí que deram o apelido de Sonrisal, porque parece o barulhinho do comprimido do sonrisal dissolvendo na água! 
“ssss…sssssss.ssssss”. 
Báh, fiquei mais furioso!
“Tá rindo do quê, caramba?”
“sssss…. tenho Bíblia não, doutor…sssss…ssssss”.
Não disse nada. Esperei, pronto pra em vez de fazer o Sonrisal ir do regime semi-aberto para o aberto, mandar ele direto pra forca!
“O Jesus, doutor! Seu estagiário! Ele se formou. Já tem anel (já é advogado!), foi ele que fez meu pedido. Encontrei ele lá na Colônia Penal, e ele mandou abraço, doutor!”
Pois é! Jesus. Eu também havia encontrado ele e me esqueci! Foi estagiário alguns meses, e foi estudar direito em Macapá. Há anos eu não vejo mais Jesus. Mas ele não me esqueceu!


Por Luís Augusto Menna Barreto

31 comentários:

  1. Eu também já encontrei Jesus...kkkkk
    Saudades chefe.

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    1. Saudades, guria! E Vontade de encontrar Jesus de novo!!!!!!!

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  2. Nossa!!!
    Com quase cinquenta anos ainda não encontrei Jesus!
    Vou ter que te visitar por aí.
    Muito bom pra dar risada hoje!!!

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  3. Espero ansiosa por suas crônicas...e como sempre você sempre se supera...!!!
    Essa eu li em cólicas...de tanto rir!!!
    Essa, de: "Encontrei Jesus, Doutor!!"...foi demais!!!
    Mais uma vez, parabéns, pela forma clara,leve e agradável com que narras o acontecido. Amo!!!

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    1. Guria, só posso agradecer-te por tamanha gentileza!!!!
      Espero que eu continue conseguindo levar sorrisos com as maravilhosas histórias que passo aqui no Marajó!!

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  4. Já que tu dizes que o juiz das crônicas és tu mesmo, me dás, pois, a possibilidade de te perguntar sobre fatos que narras, fatos estes acontecidos com o juiz. (Porém, quero contestar esta tua afirmação, mas fica isso para depois.)

    Explica como é que o padre tenta te enrolar para determinar lei seca nas festas da igreja! Que história é essa?
    A crônica é ótima! Leio para outras pessoas, sem nem ao menos conhecer o texto, ou seja, gosto a priori. Agora mesmo, acabei de ler esta de hoje para os meus tios-padrinhos. Eles se acabaram de rir. E veja que o casal não é bobinho, não, desses que riem com tudo. Eles estão mais ou menos com setenta e cinco anos e vivem de Moeda (estou hoje em Moeda) para Belo Horizonte, e vice e versa, porque persistem em manter casa lá e cá, acho que somente com o intuito de desobedecerem a nós todos, que queremos mandar nos dois. Embora, ele faça tudo o que ela quer, pois é um autêntico camisolão e nem percebe isso, os dois juntos são absolutamente independentes. Devo esclarecer que a estrada entre BH e moeda é perigosíssima, pois, além de ter um trecho de trânsito pesado, o outro trecho é de uma estrada muito sinuosa e muito íngreme. E mais, ele só dirige em alta velocidade. Na verdade, são dois velhos rebeldes, independentes e sem juízo, que se dissimulam atrás de cabelos brancos e de participação em um movimento de igreja que se chama “Encontro de Casais Com Cristo”. Só mesmo quem não os conhece para considerá-los uns velhinhos quietinhos. O nome dele é Ari e o dela é Teresinha.

    Bem, o certo é que Ari e Teresinha passaram um bom tempo rindo e discutindo os aspectos da tua crônica, Luís Menna Barreto, e querendo saber um monte de coisa sobre ti.

    Ah!Eles não se conformaram com o fato de tu não postares todos os dias uma crônica.

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    1. Ah querida Ana, eu tb gostaria de ler diariamente uma crônica do nosso amigo, poeta Menna, gosto de todos os escritos dele, mas, gosto especialmente das crônicas.

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    2. Quisera eu, conseguir escrever uma crônica por dia....! Sempre fico tenso ao escrever, tentando descobrir como vai ser o final, porque quando começo, só tenho um pequeno fio de história na cabeça, e nunca faço ideia de como a história vai se desenrolar!!! Daí, escrevo outras coisas pra "relaxar" nos outros dias!!!!
      Mas fora isso, noto que as postagens mais acessadas são os "pensamentos perdidos" com os contos publicados em capítulos e as "poesias de ver". Depois que vem as crônicas e, por último, os diálogos!

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  5. Acho que descobri a RODA!!!

    Tenho a impressão, amigas e amigos, que percebi a razão de estarmos quase sempre duplicando nossos comentários. Se não me engano, é porque não controlamos o danado do dedo e clicamos mais de uma vez no link "publicar".

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  6. Eta!!! E Sonrisal tenta enrolar o juiz que frequenta a Igreja e que ao confessar deve tentar enrolar o padre que por sua vez tenta enrolar o juiz com a história da lei seca...
    com tudo isso precisando de providência e Jesus é apenas o ex- estagiário do Juiz... putz!!! Mas já está de anel... um dia ele há de poder julgar. rs

    Muito legal que você apareceu, Margarido. Super abraço.

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    1. Ah, Nora, legal foi ver-te por aqui!!!!!
      E saudades!!!!!!!!
      E crônica daria, o desenrolar desse teu comentário...... acho que plantaste uma ideiazinha.......

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    2. Pois é, Nora! Apareceu o Margarido...

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    3. Vou voltar mais vezes... também sinto saudades do tempo em que o tempo era largo para brincar com as palavras... Quero me aconchegar e tomar café com todos vocês. Saborear biscotinhos de letrinhas...hummmm Beijocas, meu GRANDE AMIGO. (Norminha, que boa a possibilidade de mais uma amiga pra mim... um beijo, querida uma alegria pra mim tudo isso)

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    4. Acho que a melhor das experiências com o blog é isso: fazer novos amigos, que gostem de palavras..... Vem encontrar Jesus...!!!

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  7. É muito bom poder acordar já pensando no que vai ler... se rir... se chorar... Que bom, que voltou poeta! Lembre-se: "Tu és responsável por aquilo que cativas!" E tu nos cativastes com tuas palavras. E como os marajoaras te ajudam como personagens, hem? Crônica maravilhosa, como sempre. Ssssssssss adorei!

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    1. Os marajoaras estão em mim, apesar de eu não ser um deles....
      Lembrei de um livro pequeno é absolutamente MARAVILHOSO de Luís Sepulveda, um chileno que escreveu sobre a Amazônia: "Um Velho que Lia Romances de Amor"!

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  8. É isso mesmo Norminha..."Tu és responsável por aquilo que cativas!!!" Já dizia o Pequeno Príncipe. Quem mandou nos cativar não é mesmo, Norminha!!!?

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    1. Pois é, nos cativou, agora é responsável por nos alimentar com suas belas palavras...

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    2. Mas acho que isso é recíproco!!!!! Fui cativado também....!!!

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  9. Bom dia Juiz e poeta, eu conheci dois homens com nome Jesus, "Jésus" com acento agudo, que trabalhou comigo e "Jesus" um amigo.
    Me parece bem simples dizer "Conheci Jesus..." Não tão fácil é a mudança de atitudes, comportamento e intenções.
    Ninguém vira santo da noite para o dia, como um "Porre" não faz esquecer erros, não tira a consciência da agressão.
    Voltar do "porre" não devolve uma vida.
    Quando um ser humano, realmente muda de comportamento, atitude e postura, ele não precisa dizer nada, todos veem através de sua mudança que ele "Encontrou Jesus" quando conheceu a si mesmo.

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    1. Sônia, uma vez visitando São Luis-MA, quando ainda não conhecia um tal refrigerante chamado Jesus... visitando uma família, a dona da casa me saiu com essa: "E aí, Norma, Jesus já chegou em Fortaleza?" Agora imagine a minha cara olhando pra ela sem entender e querendo uma resposta adequada, respondi: "Mas Ele nunca saiu de lá!" Foi quando alguém veio ao meu socorro e perguntou se eu já conhecia o tal refrigerante. Rimos muito...

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    2. Norminha, morei em São Luís-MA, no Bairro Maranhão Novo, lindo Bairro. Quando eu era funcionária da Odebrecht. E também lá, conheci esse refrigerante chamado Jesus. No início achava muito engraçado.

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    3. Realmente!!!!!!!!!
      Lá tem o refrigerante Jesus!!!!!!!
      Um dia, experimento!!!

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  10. Bem da Bíblia o senhor sabe, lembro q falei algo do apóstolo João, o senhor sito capítulo é versículo e disse q gostava tanto dele que ele é padrinho do João (seu filho) ....... Não seria fácil lhe enganar cm histórias da Bíblia....... Rsrsrs rsrs 💕

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    1. Que máximo que tu lembras disso, guria!!!!!!
      E mil desculpas por até hoje eu não haver respondido!!!!

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  11. Rsrsrs... Jesus Jesus kkkkkkk esse jesus é dos bons kkkkk

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  12. Arrisco dizer que o escritorio do Jesus, tera uma frase em letras garrafas em destaque "Jesus, o advogado do impossível" rsrsrs

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