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quarta-feira, 14 de setembro de 2016

crônica - A Dor nas Costas e a Tonha Puxa-Ferro

A Dor nas Costas e a Tonha Puxa-Ferro

Originalmente  publicado no antigo blog
"Menna Comentários", precursor deste.
Data da postagem original: 19.04.2016.
Comentários na postagem original:  14.
Visualizações até ser retirado:  240.

A impressão que tive, era que todos na sala de audiências ouviram o barulho! Pareceu um “nhééééééé” de porta quando as dobradiças estão velhas…. e foi um “nhéééééé" bem forte.
Ninguém se mexeu… nem eu. 
Mas logo descobri que ninguém tinha se mexido porque não ouviram nada do “nhéééé’”… e eu não havia me mexido, porque o “nhééééééé" foi em mim! Eram minhas costas… e só eu escutava ou, pior: só eu sentia!
Disfarcei como pude, dei graças a Deus que era a última audiência da manhã, e fiquei ali, discreto, tentando mexer só o pescoço e passando a usar o universal vocabulário do “ã-ã…; ãrrã”.
Quando a audiência acabou, pensei quase em desespero: e agora?
Em pequenas cidades na beira do rio, é uma raridade quando há um médico. Tem até fogo de artifício e fila na unidade de saúde, quando chega um.
O problema nestas cidades mais isoladas, pequenas, em que para chegar ou sair é necessário uma viagem de horas e horas de barco, não é verba para pagamento do médico. É conseguir mesmo o médico. Porque o médico rala anos e anos, depois se forma, mais anos e anos para especializar-se, e daí começa a luta para colocar-se no mercado. 
Esses tempos, chegou na cidade, uma médica dermatologista. Chegou pensando que iria tratar de doenças de pele e coisa e tal… pois é: pensa que caboclo tem doença de pele? Pois foi só mordida de cobra, parto, furo de faca, tiro de cartucheira, ferroada de rabo de arraia, coração doente e galhada na testa! A pobre doutora, assim que conseguiu, fugiu no primeiro barco e nem sequer recebeu o pagamento!
Até eu já experimentei meu “dia de médico". Foi no meio da madrugada! Acordei assustado, achando que alguém batia na janela… E batia! Fui meio dormindo ver o que poderia ser tão urgente que não pudesse esperar mais 3 horas até amanhecer o dia:
“Doutor, socorro! O senhor precisa me ajudar…”
Pela cara de apavorado do homem, achei que era daqueles casos em que está havendo alguma briga, ou um casal querendo se matar. Fiz a única pergunta que consegui formular:
“Ãããnnnh…?”
“Tá nascendo, doutor, tá nascendo!!! Acode, doutor!”
Minha segunda pergunta foi:
“Hein?!”
“Minha mulher, doutor, tá parindo!” Ele quase gritava, nervoso! Já havia segurado meu pulso e, quando percebi que realmente eu estava acordando, estava, já, quase na praça, arrastado pelo homem! 
“O Tchê, te acalmas! Eu sou juiz, não sou médico!”
“Eu sei doutor… mas médico não tem na unidade de saúde e o senhor estudou, sabe mais que eu! Vai saber fazer o parto!”
(Agora, nem “ãããhnnn”, nem “hein”! Só meus olhos arregalados!)
Pois deixa eu voltar ao que estava dizendo: minhas costas! Nossa!, como doíam!
… ah, tá: quanto ao caso do caboclo, passamos por um mototáxi e pedi para chamar a “Da Luz”, parteira da cidade. “Da Luz” pariu mais uma, como diziam!
Então… como eu ia dizendo, onde eu conseguiria um médico para minhas costas? Tomei alguns analgésicos, repousei um pouco, e tentei ir levando.
No dia seguinte, eu estava despachando o processo de uma tal Jussemira Antônia, que estava em processo de separação. No processo, ela pedia a casa, a moto, os dois filhos, pensão de um salário para cada um dos dois filhos e para ela. Disse que queria a separação porque só ela trabalhava, e o marido ficava o dia na rede, debaixo do ventilador. Seria uma decisão longa… e minhas costas doíam. Como estava doendo muito, em vez de decidir imediatamente, determinei que o réu (marido) se manifestasse. Depois, chamei o Goela e perguntei se havia algum médico ou enfermeiro na unidade de saúde, porque minhas costas estavam me matando.
“Médico não tem doutor… mas tem a “Tonha Puxa-Ferro”.
“Enfermeira ou massagista?” Perguntei.
“É dessas que faz exercício com a gente doutor”.
“Personal?”
“Acho que é isso aí que o senhor falou!”
Pois o Goela chamou a tal “Tonha Puxa-Ferro”, e dali combinamos para iniciar alguns exercícios. 
Passado quase um mês, fazendo exercícios com a Tonha três dias por semana, senti uma melhora incrível!
Quase esquecia da dor. 
Eu estava me sentindo tão bem que, um mês e pouco depois de iniciar os exercícios, veio novamente o processo de separação da Jussemira e pensei: agora vou decidir direito isso! Examinar com calma e dar uma decisão “bonita”! Eu me debrucei no processo, estudei, e destilei todos os meus anos de faculdade naquela decisão! Coloquei latim e tudo! Foram quase cinco folhas. No fim, determinei que a casa teria de ser dividida, e a metade seria do marido. Teriam de vender se um não pudesse comprar a parte do outro. A moto ficaria com ela, mas pensão não haveria neste momento, porque a própria Jussemira Antônia, se encarregou de dizer que só ela trabalhava. Ora, se só ela trabalhava e ainda sustentava ele, pra quê pensão? Ia até diminuir a despesa dela, com ele saindo! E sorte a dela, ele não ter pedido pensão! Como havia, ainda, a guarda dos filhos para decidir, e algumas outras poucas questões, marquei uma audiência para resolver o restante para dali há 15 dias.
Terminei a decisão, eu chamei o Goela para levar o processo ao cartório. Eu iria para casa trocar de roupa porque tinha minha ginastica com a Tonha Puxa-Ferro. Estava me sentindo um gurizão! O Goela, pra variar, antes de levar o processo, ia direto na última página e, como sempre, fez seu comentário, antes de entregar: 
“Égua, doutor…”
Reticências… quando o Goela fazia assim, tinha previsão de confusão!
“… quero estar perto quando ela souber! Pense numa mulher braba!” E saiu rindo. Com isso, eu sabia que antes de eu trocar de roupa para os exercícios, todos já estariam sabendo.
Dali menos de 1 hora, eu estava na beira do rio, fazendo exercícios. A Tonha estava com a "corda toda”, e foi muito puxado naquele dia! Mas saí renovado!
Assim foi indo… dali em diante, cada vez mais puxados os exercícios!
Uns dois ou três dias depois, algo estava estranho na audiência… demorei pra entender o que era: o “nhéééé" estava voltando e só eu ouvia! De novo!
Ai meu Deus!
Comentei, naquela tarde mesmo, com a Tonha! Ela mudou os exercícios e nada. Os dias foram passando e cada vez doía mais. 
Parece mentira, mas no dia da audiência da Jussemira, eu estava quase sem poder me virar. Voltei ao vocabulário “ã-ã…; ãrrã”… Disse para o Goela chamar as partes para audiência. 
Estranho. 
O Goela chamou pelo nome a mulher e apelido somente o marido:
“Jussemira Antônia e ‘Deitado’, passar para audiência”!
Entrou um caboclo quase em câmera lenta… pense num sujeito sem pressa!
E entrou a Jussemira Antônia:
“Tonha Puxa-Ferro??? Tu que és a Jussemira?”, eu perguntei espantado!
Pois é… descobri porque minhas costas voltaram a doer!


Por Luís Augusto Menna Barreto





13 comentários:

  1. Nooooossa com a falta de médico, o doutor juiz quase fez um parto na madrugada rsrsrsrs. Mais achar uma "personal" eficiente foi tudo de bom né? maravilha de lugar, onde tem de tudo e tudo acontece de forma tão natural. 👏👏👏👏

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    1. A minha personal de Belém que deu muita risada...!!!!
      Mas é assim... em Marajó City, tudo acontece....!!!!

      ... e é tudo tão bom... (depois que passa rsrsrsrsrs)

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  2. "Nhééééééé"... kkkkkk Até então não sabia que coluna fazia esse barulho todo, Poeta!!! Kkkkk ainda pra completar, quase precisou fazer um parto!!!? Valeu a espera!!! Estou aqui com cãibras de tanto dar risadas. Como sempre... ÓTIMA...!! PARABÉNS!!!

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    1. Ah, a minha faz esse barulho quando fico algum tempo sem a orientação da minha Personal!!!!!
      O problema foi a Puxa-Ferro na ilha....!!!!!!! Mas como eu ia adivinhar....?!?

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  3. Olá, meu cronista querido! Posso voltar?!

    Há cinco meses, falava eu do lançamento do teu livro de crônicas, quando comentava esta crônica.

    E aí??????

    Tu és tão bom cronista!

    Depois de passar essa trabalheira de agora, não seria bom tomares as providências para a publicação?

    Olha, a reedição do MALVA entra no forno (gráfica) amanhã. Foi por incentivo teu. Muito obrigada!

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    1. Não estou conseguindo nem respirar direito por conta das eleições....
      ..... realmente há mais trabalho do que o suportavel....!!!!!!

      Quanto a publicar é uma ideia sempre tentadora!!! Em novembro devo voltar a pensar nisso!!!!

      És sempre sempre sempre super bem vinda!!!!!!!

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  4. Vingativa essa Tonha puxa-ferro, mas o Goela é muito malvado em não te avisar.....desculpa, mas impossível não rir bastante dessa situação....kkkkkkkkkkkkķkkkkkkkk.....

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    1. Vais conhecer o Goela...
      ... acho-o, na verdade, uma pessoa sem maiores maldades... um coração grande, num jeito, eu diria, desengonçado. Goela é um sobrevivente!
      No fim, as confusões que ele faz, sempre trazem algumas risadas... (depois, bem depois.... rsrsrsrsrs)

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  5. Rindo aqui Menna, o dó ... eu preciso de uma "Tonha puxa-ferro" estou com o "nhéééé" nas costas que não me livrei do relaxante muscular e dos anti inflamatórios. Por favor tem uma "Tonha puxa-ferro" por ai? rs

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  6. Não sei se comento ou se acho graça kkkk.E a coluna como tá ???

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  7. Este comentário foi removido pelo autor.

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  8. Não sei se comento ou se acho graça kkkk.E a coluna como tá ???

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  9. Não sei se comento ou se acho graça kkkk.E a coluna como tá ???

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