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terça-feira, 18 de outubro de 2016

crônica - Distéfano, Magistrado e... tá bom!

Distéfano, Magistrado e… tá bom!

Originalmente  publicado no antigo blog
"Menna Comentários", precursor deste.
Data da postagem original: 26.04.2016.
Comentários na postagem original:  17.
Visualizações até ser retirado:  258

"Sim, Magistrado. Como tu explicas esse valor de combustível? Tu estás navegando os rios de motocicleta”?
“Não… é que… (tosse)… sabe… (pigarro)… é muita coisa, doutor. Eu não paro.”
Estavam os dois na minha frente. Não posso negar que achava divertida a forma como o Magistrado ficava nervoso tentando explicar por que o valor do combustível ficava 5 vezes maior do que o apresentado pelo Distéfano, que cumpria praticamente o mesmo número de mandados!
Não "Magistrado" não era o juiz. O juiz era eu! “Magistrado” e “Distéfano" eram os apelidos de dois oficiais de justiça. O Magistrado ganhou esse apelido, porque era muito educado e era formado em direito. Oficial de Justiça da nova geração, conhecedor da Lei, que passou no concurso e, da capital do Estado onde nasceu e foi criado, foi lotado no Marajó. Já o Distéfano era Oficial de Justiça há mais de trinta anos, conhecedor dos atalhos da profissão, além de nascido e criado no arquipélago. O apelido, recebeu na juventude. Dizem que por causa de um famoso jogador de futebol argentino, que jogou no Real Madri chamado Di Stéfano. Sempre com uma pastinha embaixo do braço, Distéfano mandou plastificar meia página de jornal de trinta anos atrás, onde há uma reportagem falando que o time local havia empatado com o Paysandu, e o destaque do jogo fora ele. Como o repórter não sabia o nome daquele jogador do interior e a matéria foi feita dois dias depois na capital, o repórter inventou o apelido. O Distéfano jura que é dele que fala a reportagem e pegou o apelido pra ele. Quando conhece alguém, logo puxa a reportagem e mostra a foto apontando para um dos jogadores. De tão amarela e velha a fotografia, não tem como identificar ninguém. Então, pra qualquer um que ele aponte, pode ser ou não, mas duvidar na frente dele, ninguém duvida!
Já o Magistrado tem o dobro do tamanho do Distéfano e a metade da barriga. Dizem que é faixa preta de alguma dessas lutas por aí. Isso eu não sei. Mas por via das dúvidas, nunca procuro confusão com ele, porque não quero confusão com ninguém que tenha calo na orelha!
O caso é que sempre que eu conferia o valor do combustível dos dois, dava diferença! E muito grande! Mas não passava pela cabeça de ninguém que o Magistrado estaria superfaturando o valor. Aliás, o que se comentava é que ele colocava combustível pagando do próprio bolso, algumas vezes, para não parecer que gastou demais. Mas não tinha jeito: na hora de acertar as contas, lá vinha o Distéfano com valores menores!
“Doutor”, tentava explicar-se o Magistrado, “será que é pela região dos mandados, doutor? O Distéfano pode estar fazendo muito mandado nas ilhas, de barco, e eu por aqui. Será que não é isso, doutor?”
O Distéfano sorria, encolhia os ombros, e dizia:
“Tá bom…”. Saía quase sem som o “m" do final. Ficava assim: “Tá bô…”
Até que um dia decidi: pegamos uma sequencia de uns oitenta mandados para cada um e fiz questão que fossem em regiões semelhantes. Chamei os dois, expliquei a situação e perguntei:
"Dá conta de cumprir isso em 15 dias?"  
“Apertado, doutor… mas acho que dá”, falou o Magistrado.
Olhei pro Distéfano e ele apenas encolheu os ombros e deu o meio sorriso:
“Tá bom…"
Quatro ou cinco dias depois, enquanto eu via o Magistrado pra cima e pra baixo, sempre com cara de apressado, encontrei o Distéfano bem sentado em uma mesinha na calçada no bar do restaurante que fica na avenida principal da cidade. Estava ali, tranquilo, sentado, um copinho discreto de cerveja e a pastinha com mandados e a reportagem plastificada.
“E aí, Distéfano? Correria?”
“Ta bom…”. Por mais que eu tentasse uma conversa diferente, o Distéfano vinha: “Tá bom…”. 
“Muito mandado essa semana, Distéfano?”
“Tá bom…”.
“O Remo vence essa?”
“Tá bom…”.
“Será que CHOVE, Distéfano?”
“Tá bom…”.
No fim, minhas perguntas para ele eram todas retóricas porque eu sei que ele viria com o “Tá bom…” dele!
E a coisa foi indo assim…
Mais uns dias e tudo continuava do mesmo jeito: 
Magistrado de moto pra cima e pra baixo, apressado… … e o Distéfano era visto sentado, tranqüilo, olhando a avenida com sua pastinha debaixo do braço, eventualmente com uma cervejinha.
Passaram os quinze dias, peguei os relatórios no sistema e chamei os dois.
Com exceção de um ou outro que não foi intimado porque mudou de residência, dois ou três embrenhados no mato ou embarcados a trabalho em algum navio, os dois Oficiais cumpriram praticamente todos os mandados.
O Magistrado havia gasto 4 vezes mais combustível que o Distéfano.
Era fato. O Magistrado estava cada vez mais encabulado. E olha que se esforçou, usou atalhos, andou a pé, pegou carona… mas gastou mais que o Distéfano.
Claro que eu fiquei curioso. Perguntei:
“Sim, Distéfano! Como tu fazes isso?”
Adivinha…?
Isso mesmo: meio sorriso, encolheu os ombros e soltou:
“Tá bom…”. Acho que era de propósito, pra me sacanear!
Desisti de entender, mas vi que o Magistrado não estava fazendo nada de errado.
E ficou por isso mesmo.
Dia desses, numa das raras oportunidades que consigo sair do fórum para almoçar, resolvi ir  justamente almoçar no restaurante da avenida. Fui lá atrás, na parte que tem ar condicionado. Quando terminei o almoço fui lá no balcão da frente fazer o pagamento. É o próprio dono quem cuida do caixa. Quando perguntei sobre a conta ele desculpou-se e pediu licença um instante:
“Um momentinho, por favor, doutor!” Virou-se para um freguês que estava saindo: “Carretilha! Peraí. Vem cá!”. E o freguês virou-se e veio até o balcão.
“Assina aqui, carretilha: o Distéfano deixou aqui, caso tu aparecesse. Tem audiência dia 20 as 10 horas. A Socorro te botou na justiça. Tem que pagar a pensão do filho, Carretilha”. 
O Carretilha assinou, pegou o papel e foi embora.
“Deu R$ 35,00, doutor”.
Pois é. Descobri, depois, que o Distéfano ficava ali no bar e, quando não estava, deixava um ou outro mandado para o dono do bar pegar as assinaturas. Cidade do interior, todo mundo uma hora ou outra, passa no bar da avenida principal.
Mas não falei pro Magistrado. Nesse rumo, acabariam querendo trocar a verba do combustível por grade de cerveja!
“Tá bom…”!

Por Luís Augusto Menna Barreto




25 comentários:

  1. Oh! Que legal!

    Lembrei-me perfeitamente do restaurante, da parte de trás com ar condicionado, do bar na parte da frente, da avenida onde fica o restaurante... Porém, o que eu mais me lembrei foi de um peixe que eu comi todos os dias em que lá almoçamos: FILHOTE AO MOLHO DE CAMARÃO. Foi o melhor peixe que até hoje eu comi. Que delícia!!!!

    Ah, sim, a crônica! A crônica eu adoro!!! Aliás, eu adoro todas as crônicas de L. A.Menna Barreto.

    Até mesmo as que ele ainda não escreveu.

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    1. Olha a Ana nos fazendo inveja!
      (pelo menos pra mim....rsrsrsrrs)

      Sabido o oficial, heim...
      kkk
      Faz ele muito bem...
      Adorei!

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    2. E tem as que escrevi e ainda não publiquei...!!!!
      Ah... o peixe...!!

      Que saudade de vocês por aqui...!

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    3. Mas não precisas ter inveja!! Estão todos convidados!!
      Bora pra Ilha!

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    4. Penso que essa viagem da escritora, o poeta e a amiga renderam muitos contos, também... Publique!!

      Olha, não convides... que eu vou!!

      Já quero o filhote com molho de camarão...

      rsrrsrsrs

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    5. Vamos, meninas? Fazer um encontro pelo Marajó?

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    6. Mas que linda e respeitosa homenagem... Aos servidores... Muito bom!!

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    7. Estão todos convidados!
      Gostaria de lançar, REALMENTE a idéia de no ano que vem 2017, fazer o encontro no Marajó!

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  2. "Tá bom..."! ...inicialmente pensei que o cheio de treta seria o Magistrado. Mas, que ledo engano, o danado do Distéfano que estava agindo com esperteza... e quanta esperteza. Essa realmente me pegou de surpresa!!!

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    1. E eles são ótimos... cada um a seu jeito! Há "missões" que só o Distéfano, com os anos de experiência e conhecendo todos os atalhos, poderia cumprir... outras, é necessário a energia e o conhecimento técnico do Magistrado...
      Estamos bem servidos com essa dupla!

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  3. Mas que danado este Distéfano, estava levando vantagem em tudo, o famoso "Gerson" brasileiro. Adoro suas crônicas!

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    1. Mas é uma vantagem sem prejuízo alheio, e com economia de tempo e recursos para o Estado!
      Coisa de quem tem a sapiência que só os anos podem oferecer!!
      Mil obrigados!!

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  4. Dizem que mentira tem perna curta, mas anda né? Que verdade essa não? Que agir MALANDRAMENTE desse Distéfano hein? rsrsrsrs.NADA nessa vida fica oculto pra sempre, mas dia menos dia se descobre, nem que seja por acaso.Ótima crônica, como sempre.

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    1. Adorei essa tua: "mentira tem perna curta, mas anda né?"!!!!
      E não é... rsrsrs... mas o Distéfano nem mentia... só ficava olhando, com aquela cara de " deixa que faço do meu jeito"...!!!
      ... tá bom!

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  5. Na palavra de Deus, existe um trecho, não sei qual capítulo, ou versículo, diz:"Nada há de ser encoberto que não seja descoberto, tudo oculto, será revelado"...Vc descobriu, enfim a verdade se revelou...Bela crônica e parabéns ao Distéfano que com esperteza trabalhou menos e reduziu a despesa de combustível do estado...kkkkk

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    1. Que lindo, Tel....!

      Mas nada há encoberto que não haja de ser descoberto; nem oculto, que não haja de ser sabido.
      Lucas 12:2

      Porque nada há encoberto que não haja de ser manifesto; e nada se faz para ficar oculto, mas para ser descoberto. Marcos 4:22

      Portanto, não os temais; porque nada há encoberto que não haja de revelar-se, nem oculto que não haja de saber-se. Mateus 10:26

      Porque não há coisa oculta que não haja de manifestar-se, nem escondida que não haja de saber-se e vir à luz.
      Lucas 8:17

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    2. Obrigada, querido amigo poeta!

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  6. Agora fiquei mais encantada contigo poeta, esse teu lado conhecedor da bíblia achei respeitosamente lindo. Muito bom.

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    1. Com certeza, o poeta é maravilhoso...

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    2. É verdade, Tel, ele é maravilhoso, mas some. Ele tem o mau hábito de sumir. E eu fico com muita raiva dele.

      Não é, Méri??!!! Se eu pudesse te dava uma surra com cipó de fedegoso.

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    3. Kkkk Conheço bem essa varinha de fedegoso, viu Dr. Menna!!! Cuide, que a Escritora hoje está parecida com a Juíza valente da crônica!!!! Kkkk

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    4. Barbaridade!!
      Meu plano da VIVO (ilimitado) acabou a franquia, pode?!
      Daí, fiquei ilhado na ilha!!!
      Só agora, que cheguei em Belém, estou vindo correndo responder, antes que peguem a varinha!!!

      Quanto à Bíblia, sempre gostei desses temas e professo a fé cristã católica... um dia, por volta dos 30 anos, pensei: já li tantos livros, gosto tanto dos temas bíblicos... e nunca li a Bíblia. Decidi que a leria. E o fiz, do primeiro do Gênesis até o último do apocalipse. Já li 3 vezes, um capítulo por dia. E estou lendo de novo!

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  7. Como sempre... Adoro suas crônicas!!!!!

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    1. Como sempre... a gentileza do teu comentário me faz bem!!!
      Suuuper obrigado!!!

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  8. Ri muito com a crônica, e, mais uma vez, deliciei-me com a escrita perfeita do autor...como aprecio uma leitura de qualidade, tenho acessado o blog com frequência! Parabéns, querido Menna Barreto (nome de revolucionário Gaúcho, tipo aqueles que fizeram a revolução farroupilha, rsrsrsrsrsrs!)

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