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sábado, 7 de janeiro de 2017

crônica - O Cândido Sem Apelido, as Mensagens e o Carro

O Cândido Sem Apelido, as Mensagens e o Carro

Eu ainda não havia acostumado:
“Condomínio do Edifício Princes Park e Cândido Araújo de Almeida, passar para a audiência."
Notaram? Isso mesmo! Não eram apelidos. Os nomes simplesmente não me diziam nada! Quando entraram, o representante do condomínio e seu advogado (ambos de paletó e gravata) e o requerido com seu advogado (este último de gravata), passaram pelo meirinho e o meirinho não disse nada. Foi como numa linha de montagem, como numa engrenagem. Impessoal. Distante. 
Eu ainda não estava de paletó e gravata. Continuava como na ilha: calça e camisa polo. Quase suspirei ao não ver o Goela gritando apelidos que sempre diziam algo sobre quem era chamado. Fiquei olhando para o meirinho que abriu passagem para as partes e advogados, abrindo a porta e fechando sem nenhum comentário. O Goela sempre tinha algo a dizer, seja falando, seja com os olhares e gestos. A escrevente que haveria de digitar a audiência olhava pra mim com alguma curiosidade, como se estivesse intuindo que eu estava esperando algo que não acontecia… tive a impressão que ela, de alguma forma, ainda teria boas histórias para contar e serem contadas. 
As partes e advogados estavam-se acomodando em torno da mesa de audiências e o meu telefone tocou. Vi o número. Minha esposa. Fiz o que qualquer juiz faria em uma situação destas: 
“Com licença um minuto, é muito importante, telefonema da Corregedoria!” E saí um instante. 
“Tens que decidir qual o carro tu vais querer”.
“Hein?”
“Carro, estou vendo pra ti. Não podes ficar indo trabalhar de ônibus. Tens que resolver isso! Qual vais querer para eu começar a pesquisar pra ti?”
“Não pensei nisso ainda” (mentira, já tinha pensado, sim!). Doblo! Queria um carro grande para colocar todas as bagunças do meu filho dentro e podermos sair com bicicletas, amiguinhos dele, sorvetes, pipocas e tudo que quisermos! “Vou entrar em audiência, depois vemos isso. Penso e te digo”!
Voltei para a sala de audiências:
“Perdoem”, eu me limitei a falar.
“Ora doutor, que é isso. Não se pode deixar de atender à Corregedoria, nós compreendemos”. Isso foi o que o advogado do condomínio disse. Mas o olhar dizia; “tem uma placa bem na porta dizendo que é para desligar o celular! Só porque é juiz, acha que pode tudo.”
Peguei o processo: era um caso relativamente simples de entender: o requerido (Cândido, sem apelido) estava devendo mais de dois anos de condomínio! Pode ter algo mais simples? O sujeito reside em um prédio, existem despesas óbvias e todos os proprietários tem de pagar em rateio. Simples assim!
“Eu não devo doutor!” Era o Cândido sem apelido! Eu confesso que fiquei curioso! No processo parecia tudo tão bem demonstrado. Mas antes que o Cândido sem apelido falasse mais, o advogado do condomínio interveio: 
“Doutor, data venia, não é o momento oportuno para a manifestação do requerido, a não ser que já tenha havido o saneamento do processo e Vossa Excelência esteja tomando o depoimento pessoal da parte!”
(Aqui eu colocaria um “emouticon" de olhinhos arregalados!) Evidente que eu conheço o procedimento. O problema é que eu ainda estava com aquela “mania" do Marajó, de querer resolver os problemas, em vez de querer seguir ritos! Mas vá lá…
Meu celular apitou. Apito curto. Mensagem de texto. Eu havia esquecido de colocar no silencioso! Fiz o que a etiqueta recomenda: disfarcei, olhando para os advogados e discretamente coloquei no silencioso. Depois, espichei o olho e vi a mensagem com o celular em cima da minha coxa: “Qual (emouticon de carrinho) ?”
Bom ali eu sabia quais seriam minhas opções: ou desligava o celular, ou respondia. Caso contrário, seria bombardeado por mensagens ou telefonemas até responder. Fiz o que deu menos trabalho: “Doblo”, digitei discretamente. Enviei.
“Senhores”, eu falei: "Eu estou aqui para entender e resolver o problema. E é isso que farei. Então, vou, sim, ouvir o que o requerido tem a dizer!”
Disse isso olhando nos olhos de todos. Estava sério. Decidido.
Os advogados não ousaram mais argumentos. Entenderam a firmeza com que eu disse. Observei, com o canto do olho, um quase sorriso na escrevente. 
Senti uma leve vibração na perna. Mensagem: “Doblo não! Feio. Muito grandão. Escolhe outro. Vi o Etios é bonito e econômico. Ótima relação custo-benefício. Estou vendo pra ti. Preferes sedã ou hatch?”
O Cândido sem apelido estava falando. Eu ouvia que ele falava algo, mas prestei atenção na mensagem. Digitei “Sedã. Combina com juiz”.
“… de carona. Por isso não tenho que pagar”. Terminou de falar o Cândido sem apelido e cruzou os braços.
O advogado do condomínio fez um sorriso sarcástico. O advogado do Cândido sem apelido meio que se encolheu na cadeira, como se tivesse ficado com vergonha do discurso do cliente. Já o representante do condomínio estava com a mesma expressão desde que entrou na sala, e parecia que estava em outro lugar!
Como eu só tinha ouvido o final, arrisquei:
“… carona…? Como assim?”
“Carona doutor! Olha só: o que mais da despesa no condomínio é a energia. O que mais gasta a energia é o elevador. Eu moro no 2º andar, doutor. E eu só subo de escada! Só vou de elevador, quando chego no prédio e alguém de andar mais alto está subindo. Daí, entro e pego uma carona até o meu andar!"
Eu acho que cheguei a ficar de olhos arregalados. Por um momento, acho que veio até um sorriso. Se na ilha tivessem prédios com elevadores, eu acho que teria realmente escutado histórias assim! Mas certamente não seria de um Cândido sem apelido… Seria alguém chamado de “Escalada”, de Homem-Aranha”, de “Escada”… jamais um Cândido sem apelido!
Perna vibrando. Outra mensagem: “Sedã achei feio. Hatch é mais bonito! Preferes câmbio manual ou automático?”
Digitei discretamente, tentando não perder o fio da meada da conversa na audiência, entre os advogados.
“Manual. Gosto trocar marchas.” (Enviar).
“Veja bem, doutor, tenho certeza que o requerido está fazendo pilhéria! Não é nem razoável o argumento!”
“Exijo respeito com meu cliente!” Disse o advogado do Cândido sem apelido, dedo em riste, num arremedo de impetuosidade, como que querendo mostrar ao cliente alguma energia digna de pagamento, já que a tese da “carona”, evidentemente era sofrível.
Perna vibrando: “Manual não! Muito desconfortável! Vou fechar com câmbio automático!”.
“Hein?” Escapou. Era para a mensagem, mas saiu como se fosse para a discussão na audiência. E acho que saiu meio alto, porque eles pararam de discutir e ficaram olhando pra mim!
Ali eu vi que não ia dar certo aquilo! Ou eu me concentrava na audiência, ou resolvia do carro! Decidi pela audiência e, num arroubo impensado, coloquei o celular no modo avião!
Dali para diante, a audiência não teve graça. Vi que não teria acordo, e realizamos toda a instrução, com a oitiva formal do Cândido sem apelido e do representante do condomínio que só sabia repetir “não possuo este dado, mas o requerido está devendo 25 meses”.
“E quanto é a despesa mensal do condomínio?”
“Não possuo este dado, mas o requerido está devendo 25 meses”.
“Quanto é o montante total da dívida do requerido?
“Não possuo este dado, mas o requerido está devendo 25 meses”
Quase que eu pergunto se amanhã iria chover… mas eu sei o que ele responderia:
“Não possuo este dado, mas o requerido está devendo 25 meses.”
E assim foi, até eu prolatar a sentença determinando que o requerido pagasse a dívida total, as despesas do processo e os honorários do advogado do condomínio.
Cheguei em casa no começo da noite, depois de 50 minutos no ônibus, ter descido em frente ao supermercado e caminhado dois quarteirões. 
Respirei fundo. Lembrei que eu sou juiz, afinal de contas, ganho a vida tomando decisões! Abri a porta. Ela estava lendo uma revista. Respirei fundo, decidido e já comecei reclamando:
“Sim, tu decides que eu vou comprar um carro, pedes pra eu escolher o modelo, e o que eu escolho não serve; tu dizes pra eu escolher se quero sedã ou hatch, escolho sedã e não serve; dizes pra eu escolher se quero automático ou manual, escolho manual e não serve? Quem de nós vai, afinal, usar esse carro?” E tentei fazer uma cara braba, decidida!
Ela sorriu. Continuou olhando a revista.
“Ah, tu nem tens tempo para ficar vendo essas coisas e eu pesquisei bem antes de tu escolheres esse. Mas não ficas chateado. Ainda tens que escolher a cor: cinza, branco, e um tal  ‘azul petróleo’. Qual tu queres?
Eu me desarmei! Pensei nas cores e sentenciei!
“O azul petróleo!”
“Essa cor não. Escolhe outra!”
“Hein?”


Por Lúís Augusto Menna Barreto



35 comentários:

  1. Kskskks essa cor azul petróleo já ouvi aqui no salão, kskskks um cabeleireiro querendo criar essa cor kskkskskskks kskkskskskks

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    1. rsrsrsrsrs.... quando tu achares algum cabelo "azul petróleo", fazes uma foto e me envia, que eu não faço a menor idéia de que cor seja essa!!! rsrsrsrsrsrs

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    2. Eu tbm dr. Queria ver kkkkkk
      Falei pra ele a mesma coisa... Ô ele ficou com. Raiva kskkskskskks

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    3. rsrsrsrs.... tinhas que ter tirado uma foto...!

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  2. Rsrsrs, lembrei de um certo comercial de sandálias havaianas, rsrsrs.

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  3. SEMPRE achei que petróleo fosse preto kkkkkkkkkkkk. E esse esperto que pega "carona" no elevador? E ainda pensava que as coisas esquisitas só aconteciam no Marajó rsrsrs. Boa noite poeta.

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    1. Boa noite!!!!!!!!!!!
      E não é?! Mas que no Marajó um sujeito que pega carona de elevador iria ter um belo apelido, isso iria!!!!

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  4. Hahaha!!!
    A história não poderia ser diferente pra quem te conhece!!!

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    1. Psssssssss!!!!
      É só ficção.... qualquer semelhança com a realidade, terá sido mera coincidência...!!!!!!

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  5. A crônica é ótima! Aliás, como sempre.

    MAS POR FAVOR: LEIA A MENSAGEM QUE TE ENVIEI!!!!

    E por gentileza, não me responda:

    "Não possuo este dado, mas o requerido está devendo 25 meses."

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    1. "... não possuo este dado, mas o requerido está devendo 25 meses..."!!
      rsrsrsrsrsrsrsrsr
      Tô indo ver a mensagem!!!!!!

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  6. Amigo conheço bem a outra pessoa do diálogo que era assim só por causa de duas vozes, mas sem dúvida um monólogo nas decisões. Não tem espaço com a sua outra cara metade.
    Minha sugestão, fique com o outro carro e ela fica com este novo que escolheu com tds os detalhes. 😊😁

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    1. Acho que vou ficar com o Mercedes com motorista....

      .... e o cobrador e mais 41 passageiros!!!😆😆

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    2. Aprecio a sagacidade do Izamir. Gostaria muito de que ele fosse meu leitor. Posso enviar, por meio do teu endereço, um livro para ele, Senhor Cronista?

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    3. Prezada amiga Ana, muito obrigado. Sou fã dos seus excelentes comentários. Terei imenso prazer de receber e ler seu livro. Muito obrigado pelo presente.

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  7. Kkkkkk...muito boa essa, amigo acho que ela queria um carro novo e disse que seria pra vc, afinal todas suas decisões foram mudadas e VC no final foi pura aceitação, nada do jeito que vc queria...kkkkkk...qto ao condomínio, se for pensar no consumo, quem mora no primeiro e segundo andares consomem bem menos energia e a ideia da carona foi hilária, mas esperteza pura.... Kkkkkk...seria justo se houvesse uma maneira de quem mora nos primeiros andares pagarem menos energia afinal o consumo deles é bem menor de fato...já separam o consumo de água que antes era coletivo e rateado no valor mensal....

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    1. Olá...! E não é?!!! rsrsrsrs
      Mas acho que isso é inerente às meninas....!!!!

      Quanto ao condomínio, não é que o argumento do Cândido faz algum sentido....!!!!!
      Moro no 10º andar... mas se a moda pega, quando chegar vou esperar uns minutos pra ver se pego uma carona!!!!!

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  8. Respostas
    1. Oi amiga, minha linda, saudades de vc, mas na leitura do Malva e da Heloísa reparo um pouco da saudade dos dias que estivemos juntas. Livros maravilhosos e surpreendentes, tô saboreando o Heloísa. E sabida somos nós mulheres que fazemos de conta que estamos fazendo a vontade deles quando na verdade, fazemos a nossa...como na crônica do Menna querido. Bjos amiga

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    2. Está vendo, meu Cronista?! Não é por brincadeira que a Tel é auditora!

      E mais: por afinidade, ela é prima da grande RACHEL DE QUEIROZ. Sabedoria pega!

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    3. Kkkkkkkk peguei de vc e da Nora nos dias do nosso encontro... O meu marido é que é primo, mas qdo casamos nos tornamos um só, então tb sou.Bjos, minha linda Ana.

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    4. Cacilda!!!!!!!! Raquel de Queiroz....????? A (aquele "a" maiúsculo de um SUPER ARTIGO MUITO BEM DEFINIDO!) RAQUEL DE QUEIROZ????

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  9. Kkk.... vai demorar para esquecer os "procedimentos" do Marajó... Dr, o Sr. Parecia eu "decidindo" as coisas aqui em casa... rsrsrs.... elas perguntam, mas já decidiram antes... rsrsrs

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    1. Pois é..... elas não querem nossa opinião! Querem só a RATIFICAÇÃO!!!!! 😂🤣

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