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quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Eu, o Pilha e os 35 Pilas

Eu, o Pilha e os 35 Pilas*
(A quinta aventura do Pilha)**

Logo que fiquei mais ou menos bom, me mandaram embora do hospital. O Pilha falou que eu havia sido atropelado e voei por cima do carro. Não me lembro direito… mas eu me imaginei com uma capa bonita, igual o Super-homem, vendo o mundo ali de cima.
“Super-mané, que não enxerga um carro grandão!”, disse o Pilha.
A mãe não foi me buscar. Quando me tiraram da cama e me botaram sentado com a perna enfaixada, numa sala cheia de gente, mandaram eu esperar que um adulto tinha que vir me buscar. Mas de adulto que me conhece, só tem a mãe, e acho que ela nem sabia que eu fui atropelado. Ainda bem que minha perna ainda tava machucada e enfaixada, senão ela nem ia acreditar e eu ia apanhar por não ter voltado pra sinaleira.
Daí eu tava ali sentado e vi o Pilha, da porta:
“Pssssssiu… psssssssssiiiiu”… e fazia com a mão e mexia a boca falando sem som: “vem, vem”…
Mas a moça disse que eu tinha que esperar ali. Daí o Pilha entrou, meio desconfiado, porque acho que enquanto eu passei esses dias no hospital, ele foi expulso mil vezes!
Mas entrou e sentou do meu lado.
“Vamos embora, mané!”. 
“A moça disse que tenho que esperar um adulto”.
“Ficou sequelado batendo a cabeça? Vão chamar o juizado! Tua mãe não vem te buscar. Bora…”
Meu coração começou a bater forte. Será? Juizado?
Tentei levantar e ir com o Pilha, mas não consegui caminhar. 
“Peraí, vou dar um jeito”. O Pilha sempre resolve tudo. É a pessoa mais inteligente que eu conheço.
“Não sai daí”.
“E vou sair como? Ficou doido?”… tá bom, nem sempre ele é tão inteligente!
Mas ele voltou ligeirinho com uma cadeira de rodas! Nem sei onde ele conseguiu.
Subi na cadeira e fomos saindo…
Quando a gente já tava quase no meio do quarteirão (que a gente chama de “quadra”), um cara de branco gritou alguma coisa e veio pro nosso lado. O Pilha começou a correr comigo na cadeira. Daí o cara gritou alguma coisa pra dentro do hospital e veio mais um. O Pilha começou a correr mais e deu no que deu: caímos, né?! Na mesma hora, já pensei que a gente ia ser pego, apanhar e por minha culpa, o Pilha ia parar no juizado comigo. 
Ah… mas o Pilha sempre pensa em alguma coisa: jogou a cadeira pro meio da rua quando vinha um carro! Foi o maior barulho! e confusão! Daí, ele se inclinou e gritou: vem na minha cacunda! E assim a gente escapou do hospital.
Mas tinha o maior problema de todos: a minha mãe.
Eu tinha certeza que ela não ia acreditar e ia pensar que eu machuquei a perna caindo da árvore no parquinho, em vez de estar trabalhando. Já fazia cinco dias que eu não dava o dinheiro pra mãe. Ela devia estar furiosa!
Sempre levava oito pilas. O Pilha me ajudou a fazer a conta. Dava quase trinta e cinco!
Eu contei pro Pilha que tava com medo. Mas ele disse o que sempre me dizia: 
“Deixa comigo. Vou lá contigo.”
Mesmo assim, fiquei com medo.
Quando chegamos lá no nosso muro, onde a mãe fica, ela já começou xingar de longe, quando me viu.
O Pilha logo falou:
“Eu que levei ele pra um trampo melhor. A gente enfaixou ele pra ganhar mais, que rico sempre tem pena de criança enfaixada”! O Pilha chamava de “rico" quem andava de carro.
A mãe olhou desconfiada. 
“Toma”. O Pilha botou a mão no bolso e puxou um dinheiro num saquinho plástico de sacolé. Deu pra ela.
Ela contou. Tinha 29 pilas.
“Tá faltando” ela logo gritou.
“Tá nada. Faz a conta”, o Pilha falou com autoridade. “Óh, cinco dias a oito pilas: conta comigo, 8, 14, 19, 24, 28! Tem até um pila a mais!”
Os dois ficaram em silêncio um pouco e ela olhando as moedas.
“Tá, mas bora voltar que hoje ainda tá cedo. Vai daqui, moleque, vai logo pra sinaleira”!
Ufa… saí tão aliviado. Não existe amigo como o Pilha. Vou ser amigo dele até morrer. Trabalhou por mim quando eu tava doente.
“Oh, ta me devendo, mané! Não sou teu pai.” Ele me falou.
“Ninguém é.” Eu respondi. 
Rimos.
“Mas Pilha! Tu não falou que cinco dias a oito pilas dava 35?”
“E tua mãe lá sabe fazer contas? Bora, vamos no parquinho!”

Por Luís Augusto Menna Barreto

  • Pilha é meu personagem mais caro… não falo de preço… falo de carinho… Já publiquei 5 aventuras do Pilha, e há uma sexta aventura inédita, ainda… mas alguns não o conhecem… por isso, decidi republicar. Perdoem-me os que já o conhecem… de qualquer forma, eu estou com saudade do Pilha…! Esta é a sua quinta aventura!

** Originalmente  publicado neste mesmo blog na data de 24 de maio de 2016.
Comentários na postagem original:  29
Visualizações na primeira publicação até 8 de fevereiro de 2016:  442


19 comentários:

  1. Ah Pilha, esse é O AMIGO, pronto pra ajudar em toda e qualquer situação, de substituir no "trabalho" a "enrolar" a mãe, essa amizade tão solidária, chega emocionar. E é de uma esperteza espetacular, sai das enrascadas com uma facilidade rsrsrs. Gracinha demais.

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    1. Pilha, como sempre digo, é um sobrevivente...! Aprende com a vida e reproduz o aprendizado em uma inata solidariedade... a impressão que tenho desse pequeno lutador é que ele precisa muito de um amigo... e faz, então, tudo ao seu alcance para proteger essa amizade!!!!!

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  2. O PILHA!!!

    O PILHA desperta em mim o que tenho de melhor no meu mundo de dentro.

    Sua ladinagem, suas treitas, seus trejeitos de sobrevivência, tudo, tudo nele deixa escapar certo espírito de solidariedade que se torna a marca mais forte do seu jeito de ser.

    Quero demais ver, sentir, rir e chorar o sexto episódio. Tomara que chegue logo o dia, escritor!

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    1. Acho que na terça, mas ainda não tenho certeza.... o episódio estava pronto, mas acho que vou escrever um no meio deles, que tive uma ideia!!!!!?

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  3. O Pilha, em cada episódio, fortalece ainda mais valor de se ter um amigo fiel em qualquer situação. Que está com você para o que der e vier.
    Ele está com o amigo por inteiro!!! Isso é lindo de ver!!
    Pilha, seu danado, você me conquistou completamente!!!!!

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    1. Como seria bom soubéssemos ser assim: amigos por inteiro dos nossos amigos!!!!

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  4. Quando o Pilha chega,me emociono sempre...!!!!

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  5. Poeta, por gentileza, me concede um cadinho do teu espaço e da tua paciência?!!!
    Quero aproveitar a oportunidade por estarmos falando de amizade e, falar de uma pessoa que me cativou profundamente, através deste canal tão mágico que é este blog.
    Estou falando da Diva... hiper... mega...Escritora...minha amiga Ana Isabel Rocha Macedo!!! Agradeço muito a você Ana, publicamente, por todo carinho a mim dedicado!!! Inclusive o presente que me mandaste: o Malva e o Heloisa. Muito obrigado!!!! Já terminei a leitura do Malva. Amei!!!

    Agradeço a amizade e o carinho de cada um aqui desse cantinho que é um ninho de ternura!!! Que possamos ser como o Pilha tem nos ensinado: ...por inteiro!

    Um milhão de OBRIGADOS a você,Poeta, que é o nosso principal motivador e CULPADO de toda esta maravilha que acontece aqui!!!

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    1. Eu me associo a todos oscagradecimentos, e agradeço EU por todo o carinho e gentileza que todos vocês sempre tratam esse blog!!!!!!!

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  6. Amigão, concordo com a amiga Armelinda e faço minhas suas palavras, sobre vc e sobre a prezada Ana. E realmente gratificante participar e interagir nestes blog.
    Sobre o Pilha, já disse tudo. É o herói do avesso que sempre dá um jeito mesmo sendo muito travesso.

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  7. Eu é que tenho de agradecer a ti, Linda, a Izamir, a Nice, a Sílvia,a Michele, a Norminha, a Tel, a outras pessoas tantas e a meu cronista predileto por esta PONTE que foi construída entre nós.

    Vê bem, PONTE é PONTE, lugar onde se vai e se vem.

    Beijão em todos vocês!

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  8. E eu espero poder me deliciar com cada passagem por essa ponte, a cada dia!!!
    Admirar as flores que desabrocham, o perfume de cada uma delas que espalha pelo caminho atraindo as "flores com asas", maravilhosas, cheias de magia e encantamento!!!
    Se em todos os nossos caminhos houvessem PONTES construídas como esta, jamais ninguém conheceria a solidão.

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    1. Construir pontes é tão simples... bora chamar mais gente pra atravessar!!!!!

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    2. ...pessoas dispostas a construí-las é que estão em falta, Poeta!!!

      E, "bora" chamar mais gente...!!!!!

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