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sábado, 27 de janeiro de 2018

O rei mais rico do reino mais pobre e a guilhotina - contículo

O rei mais rico do reino mais pobre e a guilhotina - contículo

O rei mais rico do reino mais pobre olhou o espelho. Descobriu-se o mais pobre do reino mais rico, quando ao entrar no maior salão do menor castelo percebeu que era o menor salão do maior castelo… arregalando os olhos para o espelho, viu vazio o salão da maior festa para o menor povoado, e entendeu que vazia estava a menor festa do maior povoado. 
Ordenou, furioso, que lhe trouxessem a guilhotina, porque rei, rico ou pobre, não poderia tolerar tamanha desfeita! Decidiu que por desdenharem da festa, algum súdito perderia a cabeça!
Pelo espelho, viu seu ministro sair correndo para buscar a máquina cortadora de cabeças!
Chegando na porta do depósito real, havia um espelho. E dali, o ministro, cheio de pompa, ordenou ao chefe do depósito, que fizesse, rápido, a guilhotina chegar ao salão, porque o rei iria cortar a cabeça de algum súdito porque ninguém foi em sua festa.
O chefe do depósito apressou-se em pegar a guilhotina que estava guardada no fundo do depósito real, perto de um espelho. E dali, o chefe do depósito ordenou que o encarregado de ordens levasse a guilhotina ao rei.
O encarregado de ordens levou a guilhotina ao salão. Pelo espelho, viu o rei, e, então, reverenciando-o, determinou que o serviçal montasse a guilhotina, em frente ao espelho.
Montada, o rei, em grave tom, ordenou que trouxessem algum súdito e colocassem sua cabeça na guilhotina.
Com o súdito ajoelhado, próprio rei cortou a corda. Fez cair a lâmina. 
O corpo, ajoelhado, ficou inerte de um lado. A cabeça, separada, rolou para frente. 
O rei sorriu, como há muito não sorria.
Com sua ordem cumprida, sentiu-se, finalmente, um rei completo…
… ao ver sua própria cabeça sorridente, rolar até o espelho.


Por Luís Augusto Menna Barreto

domingo, 21 de janeiro de 2018

UM CONTO DE FÉ - parte 3

UM CONTO DE FÉ
Parte 3

Havia algo de ironia naquilo tudo. 
Há menos de dois anos, ele estava ajoelhado na capela daquele mesmo hospital. Os médicos haviam chamado os familiares para dizer que não havia mais o que fazer pelo pai, e ele lembra que enquanto a mãe ficara no quarto, ele fora para a capela rezar. Lembra que Sil o acompanhara, de forma silenciosa e descrente, mas o tempo todo ficara lá, esperando por ele. 
Foram quase dois anos intensos demais. Mas havia alguma ironia.
O pai, de algum modo que os médicos explicaram apenas como “passou a responder aos medicamentos” recuperou-se. Não para voltar ao que era. Reformou-se no exército, locomovia-se com dificuldade e mal andava alguns metros, sentia-se cansado e precisava repousar. Mas não morreu no hospital como previram. A mãe dele passou a ser incansável nos cuidados. Se antes dedicara a vida a cuidar dos filhos e criá-los, agora descobria-se em uma nova missão: cuidar do homem com quem dividiu sua vida.
Há quase dois anos, quando ele saiu da capela do hospital, junto com Sil, vira uma movimentação na porta do quarto onde o pai estava. Pensou que o havia perdido, sem  que tivesse tido a oportunidade de contar-lhe sobre si. Entrara na capela para rezar em busca de milagres e coragem. Então, a mãe apareceu na porta, virando a cabeça de um lado a outro, como que lhe procurando. E, quando ela o viu, ele percebeu o sorriso por entre a angústia do rosto da mãe, percebeu a lágrima que lhe descia lenta, sentiu o aperto de Sil na sua mão. E houve algo de diferente. Não pode ver, mas poderia jurar que a pele de sil estava arrepiada. Se a notícia fosse a pior, Sil entraria com ele. Mas, como ele ainda não havia contado, Sil apertou-lhe a mão e ele foi ao encontro da mãe. Sil olhou pra ele… depois para a capela, de onde acabaram de sair. Viu a cruz. O Cristo. E, por um momento, pareceu que Cristo realmente olhava para ele. 
O pai, em menos de dez dias, tivera alta. 
Mas em menos de um ano, chorara a perda da mãe. Não deu tempo, sequer, de pedir a Deus por sua saúde, como fizera pelo pai. A mãe fora dormir um dia, e simplesmente não acordara mais. 
Sil, que desde aquele dia em que o vira rezar e, saindo da capela, receberam a melhora do pai dele, acompanhava-o, em silêncio, nos momentos em que ele rezava. Não rezava com ele. Mas o acompanhava. Não blasfemava mais. Sil vira-o velar a mãe. E Observou que tanto quanto na doença do pai, quanto ao lado do derradeiro leito da mãe, embora a dor natural, havia nele uma calma que Sil não entendia. Uma tranquilidade. Por muitas vezes, Sil achava que ele deveria revoltar-se. Que deveria brigar com Deus. O pai estava doente. A mãe, que cuidava tanto do pai, jazia no caixão ao seu lado. E, ainda assim, Sil via nele algo que parecia tranquilidade. Uma paz.
Sil simplesmente não sabia mais o que pensar sobre isso. E não conseguia esquecer o dia em que saíram da capela, no hospital, e sentiu o arrepio que lhe percorreu o corpo todo.
Sil, lembrava-se da apreensão que sentira. Da angústia quando ele perdeu a mãe. Não pela dor de perdê-la. Era algo que Sil sabia ser muito mais egoísta: era o medo de perder a ele! O pai dele precisava de cuidados. E Sil ouviu-o dizer, segurando as mãos do pai, naquela oportunidade:
— Pai, eu vou cuidar de você. Vai ficar tudo bem.
E tanto Sil quanto ele, sabiam, que algo mudaria. 
Ou ele contaria ao pai… ou não poderiam continuar juntos.
Mas a ironia não fora aquela situação toda de alguns meses atrás, com a morte da mãe antes de o pai dele que havia sido condenado pelos médicos… 
A ironia era isto, neste momento. Era Sil estar ali… justamente ali. E o motivo pelo qual estava ali, enquanto ele, com tamanha fé, não estava…


domingo, 14 de janeiro de 2018

O Rei Mais Rico, do Reino Mais Pobre - contículo

O rei mais rico do reino mais pobre

O rei mais rico, do reino mais pobre, decidiu dar uma grande festa para o menor povoado.
O rei mais pobre, do reino mais rico, decidiu dar uma pequena festa, para o maior povoado.
O rei mais rico, do reino mais pobre, mandou preparar o maior salão, do menor dos castelos.
O rei mais pobre, do reino mais rico, mandou preparar o menor salão, do maior dos castelos.
O rei mais rico, do reino mais pobre, foi até o mais distante dos povoados mais próximos, e contratou o melhor músico, da orquestra dos surdos.
O rei mais pobre do reino mais rico, foi até o mais próximo dos povoados mais distantes, e contratou o melhor artista, do ateliê dos cegos.
O rei mais rico, do reino mais pobre, mandou o maior número de pescadores ao menor dos lagos, para que peixes fossem servidos na maior festa ao menor dos povoados.
O rei mais pobre, do reino mais rico, mandou o menor número de pescadores, ao maior dos lagos, para que peixes fossem servidos na menor festa ao maior dos povoados.
O rei mais rico, do reino mais pobre, mandou abater o maior número de reses, do menor dos campos, para servir na maior festa ao menor dos povoados.
O rei mais pobre, do reino mais rico, mandou abater o menor número de reses, do maior dos campos, para servir na menor festa ao maior dos povoados.
O rei mais rico, do reino mais pobre, querendo mostrar humildade, sem deixar de exibir a realeza, mandou que trouxessem a mais exuberante veste dos trajes mais modestos.
O rei mais pobre, do reino mais rico, querendo exibir sua realeza, sem deixar de mostrar humildade, mandou que trouxessem a veste mais modesta dos trajes mais exuberantes.
O rei mais rico, do reino mais pobre, mandou que o buscassem na maior entre as menores carruagens.
O rei mais pobre, do reino mais rico, mandou que o buscassem na menor entre as maiores carruagens.
O rei mais rico, do reino mais pobre, entrou no maior salão do menor castelo, na maior festa ao menor povoado, no mesmo instante em que o rei mais pobre, do reino mais rico, entrou no menor salão do maior castelo, na menor festa ao maior povoado. 
Não havia música no maior salão, do menor castelo.
Não havia arte no menor salão, do maior castelo.
Não havia peixes.
Não havia carnes.
Havia um só rei… … e o seu espelho.

Por Luís Augusto Menna Barreto

sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Poesia de ver: ... pertenço-te!

Poesia de ver: … pertenço-te!



Leva-me contigo. Vivo sozinha aqui no meio do mato!
— Se eu te levo, morrerás!
Abreviarás minha solidão. Antes a morte pra fazer-me companhia!

Eu não a levei. Abri um caminho. Trouxe pessoas. Dividi a beleza.
A flor continua lá… vai ver!

Por Luís Augusto Menna Barreto
(Flor nascida no mato, em Santo Antônio da Patrulha, RS… onde há  flores à beira do caminho  sem calçamento…   … e onde há flores no mato, perto da sanga!)

quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

O Quebra Salto, o Polegada e o Incorporado

O Quebra Salto, o Polegada e o Incorporado

Como eu disse, depois do caso do Fila Bóia e do Cara de Cuspe, com a morte do promotor Cava-Cova, tudo voltou ao normal: no final das festas, voltou a ter alguém querendo furar alguém… 
Pois foi daí que chegou no caso do júri do Quebra Salto: 
— … não foi o Quebra Salto quem ME furou… não foi ele…
O paletó estava desalinhado e quase pingando de suor! O advogado estava com os olhos pra cima, quase piscando, daquele jeito que meio que fica aparecendo os brancos dos olhos e as pupilas parecem querer subir pra testa pelo lado de dentro dentro.
Eu nunca gostei de júris! Quer dizer, como juiz, nunca gostei de júris, porque a função é basicamente administrativa. Como um “mestre de cerimônias”. Porque toda a ação de verdade, é desenvolvida pelo promotor e pelos advogados de defesa! Eu adorava júri quando era advogado! Porque sempre fui meio exibido, então, eu tinha 2 horas pra falar e toda a atenção era pra mim!
… mas como juiz…? Ufa… confesso que às vezes quase dá vontade de dormir.
Mas aquele júri, definitivamente foi diferente! 
Primeiro que não fazia muito da morte do Cava-Cova! Era recém o segundo júri. O primeiro foi o júri do Cara de Cuspe que foi absolvido, especialmente depois que os jurados souberam que ele tava pescando, antes do júri, com o Fila Bóia que era a vítima! E, agora, esse do Quebra Salto.
O Quebra Salto é um desses caboclos com um parafuso solto na cabeça! Um bom sujeito… até o segundo copo! O caboclo ia nas festas, sempre com um trocado reservado pra poder pagar duas latinhas para alguma morena. Se não conseguia, gastava o dinheiro todo com bebida pra ele mesmo e ia dançar sozinho. Daí, quando passava uma morena com salto, ele chutava bem no salto e quebrava o salto do sapato da menina que, normalmente caía. E ele fazia isso com uma imensa habilidade! Imagina: salão escuro, todo mundo dançando, uns encostados nos outros, o caboclo da um chute direto no salto, o salto quebra, a menina normalmente cai e ele some, misturado no pessoal dançando, que ninguém nem percebe o que aconteceu.
O problema é que o abestado do caboclo fica se gabando no dia seguinte, tomando uma cervejinha no açougue do Retalho!
Pois foi numa dessas que houve o entrevero! Tava o Quebra Salto se gabando, e levantou do fundo do açougue, o Polegada, completamente porre. Pegou um taco da mesa de bilhar e sem aviso quebrou o taco na cabeça do Quebra Salto. Meio tonto, o Quebra Salto levantou, defendeu com o braço mais duas ou três pauladas. O Retalho saiu de trás do balcão pra apartar (ou “desapartar”, como dizem aqui no Marajó), mas veio com a faca de açougueiro na mão. O Quebra Salto pegou a faca e deu uma furada nas costelas do Polegada, que a faca ficou fincada. 
— Deusulivre, o Quebra Salto matou o Polegada! — gritava o Retalho, enquanto o Quebra Salto pulou no rio e o Polegada cambaleava gritando: “Ele me matou! Ele me matou!”
O Manobra saiu ligeiro pra buscar a ambulância, mas o Retalho e o Descarrega colocaram o Polegada no carrinho de mão e chegaram no hospital antes do Manobra, que duas vezes saiu pro lado errado, demorando a dar-se conta, numa luta que seria até engraçada, consigo mesmo, pra tentar correr e segurar o copo de cerveja que não deixava cair da sua mão.
Naquela noite mesmo, o Polegada foi levado para o Navio que passa às 20 horas pra ser levado para um hospital na capital. Depois, não se teve mais notícia. Tem todo tipo de boato. Que morreu no hospital; que morreu no caminho; que os parentes buscaram o Polegada no hospital de Belém pra morrer em casa, no interior do Marajó… A única coisa certa é que não se viu mais o Polegada.
O Promotor denunciou o Quebra Salto por homicídio consumado, mas acabou indo a júri por tentativa de homicídio, porque ninguém conseguiu achar o corpo do Polegada, nem saber onde tava sepultado.
O Promotor era um guri novo, recém saído dos cueiros, como a gente fala lá no Rio Grande! Esperneou demais quando decidi que não seria homicídio consumado. Mas não recorreu, porque era promotor substituto e queria fazer o júri antes de ser transferido. Já o Quebra Salto foi logo preso e depois eu o soltei com a condição de que não frequentasse mais nenhuma festa e que não tomasse qualquer bebida alcoólica. Pois o Quebra Salto, sem poder mais beber nem ir em festas, acabou entrando em uma igreja evangélica, e disse-se convertido! Voltou a ser Eleotério Raimundo.
A igreja, tratando o Eleotério, ex-Quebra Salto como um exemplo, cootizou-se e contratou um advogado da capital, dispensando a advogada da prefeitura que fazia as vezes de Defensora Pública. O advogado, um gordinho baixo, com cara de poucos amigos, transformou-se no júri! Não… não é uma figura de linguagem: o advogado transformou-se mesmo! 
Pensa: o ato houve no açougue do Retalho, de dia, com testemunhas! O próprio Retalho e o Descarrega levaram o Polegada. O Manobra também viu… quer dizer: o Manobra tava presente, mas considerando que nem mesmo conseguiu achar o caminho do hospital, acho que não deve ter visto muita coisa. 
Eu fiquei imaginando: o advogado vai dizer que foi legitima defesa. Pois não é que o Dr. Pinguim surpreendeu?! (Já ganhou o apelido logo na chegada, porque parecia o “Pinguim" do primeiro filme do Batman, interpretado pelo Danny DeVito)! Pois é: depois que o promotor fez toda a sua acusação, o Dr. Pinguim foi devagarinho até o centro do salão e, quando foi falar… começou a contorcer todo!
Vendo aquilo:
— Hein? (escapou!).
O Goela deu um passo pra trás. Olhei logo pra D. Boneca e ela, que estava pertinho de mim, colocou a mão no meu ombro, como que pra evitar qualquer atitude minha, abaixou-se no meu ouvido e disse: 
— Ta encostando um caboclo!
Pois foi aí que eu quase não acreditei, quando ouvi:
— … não foi o Quebra Salto quem ME furou… não foi ele…
Ou não tava entendendo direito, ou o Dr. Pinguim havia “incorporado" o Polegada pra convencer aos jurados que o Quebra Salto era inocente!
Bem, posso dizer que foi algo realmente inusitado! O resultado é que o Eleotério, ex Quebra Salto foi absolvido! Pois o Dr. Pinguim (ou o Polegada, sei lá!) conseguiu convencer que o Eleotério era inocente! 
O promotor, esperneou, gritou e reclamou, dizendo que aquilo era nulo, porque, se era o Polegada incorporado, não poderia falar depois do promotor, e que ele mesmo, promotor, tinha direito de interrogar a vítima incorporada! 
Enfim, foi um rebuliço! Mas o caso é que valeu o júri, o promotor foi designado para substituir em outra cidade e o promotor que veio não esteve a fim de recorrer. 
… 
O corpo do Polegada? Sim, foi achado! Vivinho da silva, depois que a benzedeira pra onde a família dele levou quando o pegaram no hospital de Belém, deu ele por curado. O Dr. Pinguim virou o advogado oficial da igreja, e voltou outras vezes no Marajó, para outros casos! Ganhou a fama de defensor de causas impossíveis e, quando perguntado como pode incorporar o Polegada se ele não tinha morrido, ele respondeu que foi quando o Polegada tava desvivido e a alma passeado, sem saber se voltava pro corpo ou ia pro beleléu. O Polegada não podia desmentir, porque tava tão porre no dia, que disse que não lembrava de nada.
… 
O Eleotério? Ah, voltou a ser o Quebra Salto, quando foi expulso da igreja… é que durante os cultos, aconteceu de várias mulheres caírem, com o salto quebrado!


Por Luís Augusto Menna Barreto

domingo, 7 de janeiro de 2018

Pensamentos perdidos - ... vem tomar um café!

Pensamentos perdidos - … vem tomar um café!

Nesse exato momento, descubro que são quase 7h30… Eu sei, porque, como tu, ouço o sino da igreja da beira tocando, fazendo a segunda chamada. E nós sabemos que o Padre que reza a missa das 8h aos domingos pela manhã, sempre toca o sino uns minutos antes… Diferente do padre da missa das 20h, que sempre atrasa uns minutinhos… 
É com um sorriso gratuito no rosto, que lembro os inevitáveis apelidos dos dois: “Padre Já Toquei” e “Padre Vou Tocar”…
Quando o Padre Já Toquei fez a primeira chamada das três, uns minutinhos antes das 7h, eu já estava acordando, junto com o sol, que nessa época fica sempre escondido atrás das nuvens. Mas, aqui no Marajó, a gente estranharia se essa época de festas Natalinas e festa de Reis, não fosse assim, nublado e com chuvas… Diferente do resto do país, é inverno na Amazônia! Depois de onze anos na ilha, já ouvi tanto dizer que "no verão, todo dia chove e no inverno, chove o dia todo"… Não é mais assim, porque no verão, passam dias sem chover. Só no inverno ainda é como antes, em que chove o dia todo.
Mas agora não está chovendo, está um nublado gostoso que quase dá pra imaginar com seria o frio, se não fosse pelo abafado que faz a gente quase suar essa hora da manhã. Volto da padaria da beira, com o pão ainda quente e, por isso, tenho de trazer a sacola aberta. Cheguei quando o padeiro estava tirando uma fornada nova de pães e o pão tá daquele jeito que quase queima os dedos. Caminhando devagar de volta pra casa,  no meu lado direito o rio parece realmente adormecido… vejo um mururé, dono da rua de água (“Esse rio é minha rua / minha e tua mururé / piso no peito da lua / deito no chão da maré…). O mururé está parado. Nem desce nem sobe por esse rio que de tão grande, tem maré. Quem disse que rio nunca volta, é porque nunca veio à Amazônia, onde tem dias que o rio faz o caminho de volta, tão grande é a influência do oceano, aqui no Marajó. Tem dias que o mururé acompanha minha caminhada. Outros dias, passa por mim, apressado, no rio. Hoje, está parado, fazendo o pô-pô-pô desviar pra não prender a hélice e o ribeirinho ter que remar até o outro lado. 
Desviando do rio, e entrando no caminho de casa, eu, já da curva, sinto o cheiro do café… Eu havia moído os grãos, no velho moinho de madeira, aqueles com manivela, pouco antes de ir comprar o pão, e coloquei a cafeteira no fogo (aquelas que colocamos a água embaixo, depois o café moído, e levamos diretamente ao fogo para passar o café com a água em ebulição). Aconteceu o que eu esperava: o cheiro espalhou-se pela casa, e, como eu disse, da curva já dava pra sentir o aroma delicioso, que impregna, mais que o cheiro, um sorriso no nosso rosto.
Subo o alpendre, deixo a porta aberta e ouço o ronco da cafeteira, avisando que o café acaba de ir todo para o bule. 
A mesa, eu coloquei no alpendre mesmo, pra esperar tu chegares. Eu fatiei o pão e tenho além da manteiga (aquela bem dura, que a gente tem que raspar com faca quente) uma chimia de uva. Coloco as xícaras na mesa. As flores, dessa vez, não arranquei. Estavam tão bonitas que estavam a cumprimentar-me na volta, que as deixei para dizer-te bom dia, quando dobrares a curva e avistares a casa.
Eu mal preparo a mesa e te vejo, com um sorriso, dobrando a curva. Aceno de longe, e recebo teu aceno de volta!
Vem… eu tava esperando por ti…
O que tu trazes nesse pacote? 
O que tu me contas?


Por Luís Augusto Menna Barreto… e todos mais que vieram para o café e continuarem essa história…




sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Poesia de ver: "... motivo!"

Poesia de ver: … motivo!




— Todos os dias cruzas a ponte, cheira-me, e vais embora… Por que não me levas contigo?
Porque eu não teria mais motivos para cruzar a ponte…!

Imagem e texto por Luís Augusto Menna Barreto
(Ponte ao final da rua Plínio Flores de Jesus, em Santo Antônio da Patrulha, RS… onde há  flores à beira do caminho  sem calçamento…  

— O que te faz cruzar tuas pontes?)

segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

Diálogo: "... colore-me!"

Diálogo: … colore-me!



— Não dá pra ver se havia sol…
Ah!, tem sim, na foto. Um sol lindo no céu!
Nem dá pra ver o rio direito…
É o rio mais lindo que eu já vi! Parece amarelo com os raios do sol, enquanto ele corre tranquilo.
Ela riu:
A foto é em preto e branco!
Ele sorriu de volta:
Desde aquele dia em que você pegou a minha mão para ir até o rio, só sei enxergar a vida com cores vivas!


Por Luís Augusto Menna Barreto