Páginas

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

bora cronicar - Parece Que Foi Ontem

Bora Cronicar

Parece Que Foi Ontem

Uma vez eu escrevi um conto chamado “O Teatro” (que foi adaptado para o teatro, com roteiro meu, e será encenado nos dias 14 e 15 de março pela Companhia Paraense de Potoqueiros, no Teatro Margarida Schivasappa, no Centur, em Belém, Pará) e, no começo do primeiro capítulo, o protagonista que não tem um nome (nos contos eu costumo não dar nome a alguns dos personagens principais) começa dizendo que tem coisas que parece que foi ontem que aconteceram.
E é assim que gostaria de começar essa crônica, por mais que eu me repita… mas tem coisas que marcam tanto a gente, que de alguma forma ficaram tão dentro de nós, que parece que foram ontem. Vejam só:
É uma ciência… e, modéstia à parte, eu sempre fui bom nisso. Eu lembro de cada detalhe de como funciona: primeiro, a gente passa a fieira na parte de cima, faz a volta no cabo minúsculo na parte de cima e desce a fieira na vertical, passando pela parte mais larga e acompanhando toda a lateral de madeira até a ponta feita de prego, porque bom é com ponta de prego! Então, circula a ponta de prego com a fieira e começa a enrolar bem apertado de baixo pra cima, da parte mais fina até a parte larga, de modo que praticamente seis quintos do corpo de madeira fica enrolado pela fieira, mas enrolado bem apertado, porque o segredo tá em não deixar nenhuma folga, dando voltas com a fieira até ficar um pedaço bem pequeno de fieira solta. Esse pedaço pequeno, a gente segura com minguinho e o seu vizinho (os dedos mínimo e anelar). Daí, segura ele de cabeça pra baixo e coloca o fura-bolo (indicador) na ponta do prego, e o mata-piolho (polegar) no cabo… concentração… daí atira com força, num ângulo de pouco mais de 45º… sem deixar a fieira escapar dos dedos… ele se vai desenrolando da fieira em um milésimo de segundo, e a dica é que antes da fieira se desprender totalmente, a gente dá um último puxão, que é bem no instante em que ele faz o movimento de ficar com a ponta de prego pra baixo! Fica aquele momento tenso… ele quase raspa o corpo no chão, girando em um círculo grande… depois menor… menor… vai ficando mais vertical… e então, em um segundo, está ali, girando com a velocidade do mundo, da pressa da imaginação de criança… girando retinho no chão quase sem vibrar para lado nenhum, como se estivesse parado e fincado no chão. E é nesse momento, em que a gente coloca as “costas" da mão no chão, abre os dedos fura-bolo e pai-de-todos (médio) vai aproximando por baixo a mão, até que a ponta de prego girando como se fosse uma broca em uma furadeira está quase tocando nossa mão onde as falanges unem-se com a palma e, num movimento rápido, brusco, de “tesoura”, fechamos os dedos e vem o momento da apoteose: o pião gira bem na palma da nossa mão e nós a vamos erguendo para mostrar a todos os olhos curiosos em meio às interjeições de “óóóóhh”. O sorriso é inevitável e saboreamos o momento em que dominamos o pião, e o exibimos literalmente na palma de nossa mão, ainda girando sem qualquer vibração ou indicação de que perderá a rotação. 
Para finalizar o espetáculo, trazemos a mão espalmada onde o pião gira, para a linha de nossa cintura e, num movimento quase inesperado para os incautos, lançamos o pião, ainda girando, para o ar, de modo que ele sobe acima de nossa mão, mais ou menos na altura do queixo, e aterrissa no solo, ainda impávido, ainda altivo, ainda girando.
Então, depois de o pião portar-se exatamente como pretendíamos, nós não o permitimos que tenha um final indigno, e, antes que perca a força, em um movimento rápido e preciso, nós o pegamos de uma vez só, ainda girando, de modo a que descanse ao abrigo de nossa mão, até que, convencido por quem viu o espetáculo, nós o repitamos explicando como se faz.
Sim, no conto “O Teatro”, o protagonista inicia dizendo: "tem coisas que parece que foi ontem”; e em seguida, ele diz: “outras, foram mesmo”.
Eu joguei esse pião no domingo, antes de ontem, frente aos olhos curiosos e maravilhados do meu pequeno João! Ouvi sua expressão de “óóóóhh”. O domingo que combinei com ele de passarmos desplugados e desconectados. Brincamos de pião, peteca, espadas… fomos mocinhos e bandidos com coloridas armas de plástico na mão, disparamos tiros de espoletas, atiramos flechas de espumas e suamos, como há muito não fazíamos… a risada do João fica ainda mais clara e maravilhosa longe do celular, iPad, videogame…
Eu sei que a tecnologia é inevitável. Mas foi um dia absolutamente maravilhoso.
Repeti brincadeiras da infância, repeti brincadeiras que fazia com o João quando ele mal caminhava… brincadeiras que ainda tenho dentro de mim. 
É, tem coisas, que parece que foram ontem… outras, foram MESMO!

Luís Augusto Menna Barreto

26.2.2019

14 comentários:

  1. Linda crônica.... Maravilhosa descrição de como se joga o pinhão meu pai tinha um desees de madeira tentou em encinar meninas só quer saber de bonecas. Hoje em dia como disse a tecnologia afastou as crianças de brincadeira legais como: pular corda, Ono um entre outras.Que ótimo esse dia, foi maravilhoso pra você e seu pequeno João por mais dias assim na vida de vocês,isso ele vai lembrar no futuro e contar histórias a seus netos, linda crônica!! 👏

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Super obrigado! Foi um dia especial... suor, sorrisos, risadas... combinamos mais dias assim!

      Excluir
  2. Linda crônica!!
    Essa descrição de como jogar pião nao tem nem como não aprender( mas eu sei é jogo com meus alunos quando temos um tempinho) e eles adoram!!! Eu estava pensando aqui como e necessária a gente vez ou outra desplugar- se desses aparelhos eletrônicos e dá uma volta nas brincadeiras do passado...O fõlego não permite muito mas adoro desconectar-me também para algumas atividades que as vezes ficam esquecidas...É maravilhoso!!! Não tem preço...Aposto que essas brincadeiras tuas e do João ficarão sempre vivas nas suas lembranças posteriormente,COMO SE FOSSE ONTEM!!
    Adorei!!!!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Foi maravilhoso! Um dia que repetiremos... mas ESSE DIA, ESSE domingo, eu sei que daqui há anos, vou lembrar e pensar: “parece que foi ontem”!

      Excluir
  3. Linda experiência. Inspiradora mesmo... Deu nessa beleza de cronica... Parabéns!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Foi incrível desconectar... estranho no começo... mas depois, foi libertador!!! Como eu disse, não se trata de ir contra a inevitabilidade da tecnologia... mas de dar um tempo pra nós mesmos resgatarmos nossa própria criança!

      Excluir
  4. Amigo sou desta geração, como era legal. Pião,pipas,petecas,firo,futebol,banhos de igarapé, festas nas casas dos amigos e ping pong. Tempo de peladas na rua e festas de Carnaval e Juninas. Linda crônica amigo. Saudades sem dependência tudo no seu devido tempo.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Exato...!!! Saudade, daquela saudade boa de saber que vivemos tudo isso...! De fato, cada coisa a seu tempo... mas também há tempo pra relembrar e reviver!!!!!
      O fígado, amigão, pelo comentário!!!

      Excluir
  5. Como é bom relembrar fatos que aconteceram e que parece que foi ontem, melhor ainda é repetir as brincadeiras, como você e o João fizeram, isso faz um bem ao psicológico, fisicamente tbm. Eu admirava esse malabarismo com o pião, um verdadeiro espetáculo. Uma delícia reviver coisas de um tempo tão bom.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Foi um dia mágico.... o passado na palma da minha mão enquanto o pião girava... e eu ia junto com ele....! Foi um domingo maravilhoso!!!

      Excluir
  6. Muita linda essa crônica!! Aproveite cada momento com seu filho curta cada fase de sua vida, o tempo passa muito rápido, um dia sem avisar ele vai crescer, ficar adulto e o senhor vai se orgulhar muito dele, da semente que plantou, vai olhar e ver que tudo que fez compensou! Aplausos honrosos ao senhor sempre!!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Ah..... eu já me orgulho....! Ela é a melhor parte de mim mesmo, sem ser eu!

      Excluir
  7. Feliz em relembrar da infância, da rua onde eu morava que meninos e meninas brincavam sem preconceitos, dividiam brincadeiras como pião, bola de gude, amarelinha, pula corda...só de bonecas e casinha os meninos não brincavam conosco, mas todas as outras de correr, de esconder, de triângulo,de ioiô, etc...ah como era bom brincar na rua com as crianças sem medo da violência que hoje temos nas cidades. Linda sua crônica e mais linda sua relação com seu filho, tantos pais que não compartilham brincadeiras com seus filhos, que nunca tem tempo para fazer nada descontraído com os filhos.Parabéns pelo pai que vc é...

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Ah!, Tel, fiquei realmente emocionado... Foi um dia absolutamente incrível, e, desconectados, nós nos conectamos muito mais...
      Mil obrigados por compartilhares tuas brincadeiras da infância conosco... há muito o que explorar sobre esse tema...!!!!!!!

      Excluir

Bem vindo! Comente, incentive o blogue!