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segunda-feira, 20 de maio de 2019

bora cronicar - O Filho do Relege, o Mariposa e a Moto

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O Filho do Relege, o Mariposa e a Moto

Se havia uma coisa que eu jamais achei que julgaria, em Marajó City, era um acidente de trânsito!
Eu já contei, em uma crônica de três partes, que em Marajó City não havia carros. Foi a crônica "O Presidente, o Manobra e a Ambulância”. Pois é: havia o caminhão do lixo (um velho caminhão dos anos 70), algumas motos quase sucateadas, sem qualquer documentação regular que, pilotadas por pessoas sem habilitação e sem qualquer item de segurança, faziam serviços de moto táxi… e havia a ambulância!
O motorista da ambulância era o Manobra, que, como contei naquela oportunidade, era chegado numa cachacinha ou cerveja, e passava os dias no açougue do Retalho, tomando umas e jogando bilhar. Reza o conhecimento popular, que o manobra jamais havia levado algum doente do hospital ao trapiche ou vice-versa, porque como o navio encosta na cidade apenas pelo tempo de embarque e desembarque, já que ali era porto de passagem, o Manobra nunca conseguia fazer a ambulância funcionar a tempo do transporte, e, sendo o hospital a uns quinhentos metros do trapiche, acabavam transportando o doente em maca ou em um carrinho de mão dos carregadores da beira. 
Pelo que sei, uma das poucas vezes que a ambulância foi realmente útil, foi pra transportar o Presidente do Tribunal de Justiça do aeroporto (clandestino) até o fórum, quando este foi visitar a cidade. Mas, como muitas vezes o destino prega peças, aconteceu: o Mariposa (aquele mesmo que deixou a Constante pra ficar com a Pequena e depois teve de esconder-se no banheiro pra não levar marretada da Pequena), comprou uma moto em Belém. Uma Honda Bross, vermelha, com dois anos de uso, apenas. Veio lavada com pneus quase novos, uma beleza! Mariposa trouxe no navio que vinha de Belém pra Breves, e encostou perto das 3h da madrugada.
Nesse mesmo dia, o filho do Relege, vereador de muitos mandatos na cidade, tava caçando e, não se sabe em quê circunstâncias, apareceu com um tiro no tornozelo. Não ficou muito esclarecido se foi ele próprio que atirou no pé, ou se o tiro foi do Fobia, que tava caçando com ele. Mas, enfim, o Relege ficou louco e queria a todo custo levar o moleque para um hospital maior! O rapaz chegou no hospital, perto de 23 horas, trazido lá do Canaticú, um rio distante. Daí, que o navio que passava pra Belém, já tinha saído. Então, a solução era colocar o guri no navio que passaria na madrugada em direção a Breves para ser tratado no hospital regional de Breves. Foi aí que o Relege foi atrás do Manobra que, claro, tava no açougue do Retalho, tomando uma. 
O Relege já tinha, muitas vezes, tomado umas com o Manobra, e jogado bilhar a noite toda… mas quando o caso deu-se com seu rebento, quase saiu às vias de fato com o Manobra por estar bebendo nos horários de navio, que era quando o Manobra deveria estar de plantão! Foi então que, por volta de meia noite, o Manobra estava de “castigo" no banco de madeira na portaria do hospital e o Relege fez o motor da ambulância ficar ligado até o navio encostar!
Quando o navio apontou na curva do rio perto das 3 horas da madrugada, deu-se a natural muvuca: os padeiros pegaram os cestos com pão quentinho pra entrar no navio, o pessoal que ia embarcar foi pra beira do trapiche, quase se empurrando, os carregadores estavam, já, pendurando-se nas “escoras" (imensos troncos de madeira, onde amarram a corda de atracação do navio) pra pular dentro do navio antes mesmo de encostar, e conseguir algum freguês pra carregar malas. O Marra, “assessor” do Relege, que estava cuidando o navio chegar, foi correndo avisar e colocar o moleque na ambulância. O percurso não tem segredo. Uma linha reta do hospital municipal até o trapiche. 
A “plataforma" ou “rampa de embarque” no navio é uma tábua de uns 50 cm de largura que o pessoal arrasta do trapiche até o navio. Daí, quem entra e quem sai, vai-se equilibrando em um vão de quase dois metros, tendo o rio 3 metros abaixo. 
Retirar a moto de dentro do navio nem sempre é uma tarefa fácil. Especialmente, se a maré tá baixa, porque daí, a “rampa" fica muito inclinada. Por sorte, a “agua estava grande” e a expectativa era da moto sair sem dificuldade.
Embrólio deu-se porque bem na hora da parte mais delicada do processo de retirada da moto, em que conseguem colocar a moto sobre a “plataforma”, a maca com o filho do Relege estava pra entrar. Numa ponta a moto, na outra, a maca! O Mariposa gritando de dentro do navio, que levaria mais tempo a moto descer da plataforma novamente, do que chegar ao trapiche! O Relege, gritando do trapiche pra tirar a moto que paciente tem preferência! 
— Égua, Mariposa, volta com essa moto, porque paciente com urgência tem preferência!
— Deixa a moto passar que é mais rápido! Desde quando chumbinho do pé de abestado é urgência? 
Meia maca na tábua, meia moto na tábua, o enfermeiro equilibrando pra não deixar a maca cair, os dois carregadores equilibrando a moto, Mariposa quase empurrando do navio pro trapiche, Relege quase empurrando do trapiche pro navio!
“uuuuuuóóóóóóóóóóóóóóóóó”… Era o primeiro apito do navio. No terceiro, o navio zarpa. O canhão, marujo experiente, já estava desfazendo os nós da atracação e soou a sineta que avisa ao operador de máquinas para movimentar o motor! 
A água começou a mexer forte por baixo do trapiche e até a rampa arrastou no chão com o navio movendo-se centímetros. A gritaria aumentou! O pessoal da moto conseguiu colocar as duas rodas da moto na tábua. O Relege não se deu por vencido: empurrou seu pessoal e agora o enfermeiro da frente da maca já estava com a roda da moto entre os joelhos. 
“uuuuuuóóóóóóóóóóóóóóóóó”… segundo apito. Mais um e o navio sairia. Faltava apenas uma amarra e o Canhão levaria menos de um minuto pra desfazer.
A essa altura, o trapiche estava uma confusão. Todos gritavam. 
— Tira essa desgraça daí, lesado! — gritava o Relege!
— Lesado é esse teu filho abestado, que atira no pé! Sai da frente, imundícia!
E o pessoal que começou a aglomerar gritava junto e, claro, torcendo para alguém ou alguma coisa cair na água!
A qualquer momento soaria o último ap….
“uuuuuuóóóóóóóóóóóóóóóóó”. O Comandante não quis nem saber. Amarra desfeita, o Canhão jogou pra dentro o cabo! Todos na expectativa. Nervos à flor da pele! Gritaria…
Vou resumir: barulho de algo caindo na água. A prancha (a plataforma, a tábua) que com o movimento escorregou pelo trapiche, ainda presa ao navio, e caiu! Todo mundo correu achando que foi o filho do Relege ou a moto. Teve gente que se atirou na água pra tentar ajudar!
Mas a verdade é que no desespero, o Mariposa e os carregadores conseguiram puxar a moto pra dentro do navio, novamente. E ele foi parar em Breves, depois de mais 4 horas de viagem, e teve de esperar até à noite para o navio fazer o caminho de volta!
Quanto ao filho do Relege, ele mesmo deu um pulo da maca e saiu saltitando feito saci no trapiche, antes da prancha cair! Depois, foi de carrinho de mão de volta para o hospital municipal. A ambulância ainda estava ali na frente do trapiche… mas o Manobra já estava no açougue do Retalho com um copo na mão!
Hein? O acidente de trânsito que eu falei na primeira linha? Ah!, é… mas vou contar outro dia!
Por Luís Augusto Menna Barreto

20.5.2019

13 comentários:

  1. Meu Deus do céu, que confusão bruta, só no Marajó mesmo; ninguém quer ceder kkkkkkkkkkk Mais ainda bem que no final tudo acabou bem. Ah, mas e o acidente de trânsito? Vamos aguardar. Adorei a crônica, em se tratando de Marajó City, é diversão garantida.

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    1. Ah!, o maravilhoso mundo do Marajo!!!!!
      Sempre fico cheio de saudades...!!!
      Esse episódio foi realmente muito divertido (para quem não estava na maca e não tinha que tirar a Moto do navio!!

      E nem deu tempo de contar sobre o acidente de trânsito!!! Mas ainda conto....

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  2. Eu me divirto a cada crônica do Marajó com estes apelidos, confusões e comportamentos kkkkkk. O acidente avenao quedeve ter sido tão grave que vocês até esqueceu de contar. Melhor assim, em breve teremos outra crônica.
    Adorei a crônica! 👏👏👏👏👏

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    1. No fim das contas, levei muito tempo contando a saída da moto do navio e ficaria muito grande se eu contasse... daí vou faee outra parte pra contar esse evento!!!!! Mas posso garantir: foi muito divertido (para os NÃO envolvidos)!!!!🤣😅

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  3. Eu adoro!

    Este, de fato, é o melhor cronista que eu conheço. Não tenho dúvida.

    XXXXXXXXXX

    Ô Meritíssimo,

    que tal você fazer uma Lista Referencial com os nomes das suas personagens, nas Crônicas do Marajó?

    Esses nomes são simplesmente fantástico.

    Abração carinhoso!

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    1. Oi, escritora!!!!!!!!
      Eu estou justamente fazendo este projeto em paralelo.... comecei um trabalho de organizar as crônicas por ordem cronológica dos acontecimentos, e ao mesmo tempo, estou catalogando os personagens.... daí, estou traçando elos entre umas e outras... e a ideia é que, no fim, possam ser lidas como uma novela só, em que cada crônica representará um capítulo!!!!

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  4. Quanta confusão, Poeta!
    E os apelidos são fantásticos! Cada crônica, novos apelidos. Marajó é uma bênção!!!! 😊😊
    Aguardando a próxima!!!
    👏👏👏👏👏

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    1. Acho que é impossível passar pelo Marajó sem receber um apelido!!!
      Houve casos em que nos processos não havia o nome, apenas o apelido e todos sabiam quem era! E em outros, havia nome sem a informação do apelido, e ninguém sabia quem era!!!!

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  5. Adorooooooo essas histórias de interior... o povo na sua simplicidade em solucionar ou não as suas pendêngas.
    Não há nada mais prazeroso do que uma reunião com amigos ou em família e cada um contando seus causos. Pra mim esse é o verdadeiro tesouro que acumulamos no decorrer da vida e que podemos contar e recontar sempre e novamente rindo e provocando mais alegria. Adorei a crônica.

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    1. O Marajó, acima de tudo, é um interior peculiar...
      Uma grande "twitter-amiga" que tenho, Maria Zélia, já me disse que o Marajó é minha Macondo (numa exageradamente gentil comparação com a cidade de Gabriel Garcia Marquez em Cem Anos de Solidão e outros). Mas acho que é isso mesmo, no fundo. Guardadas as proporções e sem me aventurar à excelência de Garcia Marquez, sim: Marajó City é minha Macondo!

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  6. Adoro as crônicas de Marajó City... Você jura que vai dar bronca no final e acaba dando tudo certo... Hahaha

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    1. Nesse caso, o Mariposa "ganhou" uma viajem de mais 4 horas até a próxima parada do navio e uma espera de 12 horas até o navio sair novamente de volta para mais 4 horas... rsrsrsrsrs... e o filho do Relege, quase ficou curado na marra, dando até pulo pra não cair da prancha!!!!
      Obrigado, Michele!

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