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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

A Morte do Ateu - parte 3


Anteriormente em “A Morte do Ateu”
"— (…) Não há nada depois!
— E o que tu vês agora?”
(…)
— Se estiveres certo, tu estás no nada, e eu não sou.
— Não és o quê?
— Diga-me ateu: o que tu negavas?”

_______parte 3_______

— Eu nunca neguei nada! Foi sempre uma afirmação.
— O que afirmavas? 
— Que não haveria nada depois. Que essa história de “fé” era uma bobagem, uma invenção do homem, dos fracos, para conformar-se com a morte. 
— Afirmar a “não existência”, não é negar?
— Talvez… mas não importa!
— Por quê?
— Porque estou certo! 
— E comemoras por isso?
— Não deveria? Eu estava certo o tempo todo! 
— Se estás certo, o que há para comemorar? 
— Isto: que eu estava certo, não há nada depois!
— E como comemoras, se não há nada nem ninguém para comemorar? 
— Basta-me a satisfação que sinto por ter estado certo o tempo todo!
—  Mas, se sentes satisfação, não estavas certo.
— Deixa de ser ridículo! Estou certo. Não há nada aqui! Tu mesmo o disseste.
— Para ti, eu nem mesmo sou. Como poderia ter afirmado?
— Lá vens tu com essa conversa de “sou" novamente! O que dizes que não "és"?
— Afirmas o nada, mas sentes; nega-me, mas pensa-me. Dize-me tu, ateu: o que sou?

Luís Augusto Menna Barreto

26.2.2020


sábado, 22 de fevereiro de 2020

A Morte do Ateu - parte 2

_______parte 2_______


Anteriormente em “A Morte do Ateu”
"— (…) Não há nada depois!
— E o que tu vês agora?
(Fim da parte 1.)

— O que eu vejo agora? Eu não vejo nada, já disse!
— O que é o nada?
— O nada é o vazio!
— Tu vês algo, onde estás?
— Não. Mas eu não estaria aqui!
— Onde tu estarias?
— Em lugar nenhum, oras! 
— E que lugar pensas que é esse?
— Dize-me tu.
— Não posso dizer-te.
— Por que não?
— Porque eu não tenho respostas além das tuas.
— Como assim?
— Quem tu encontrarias depois da vida?
— Não há "depois da vida”! Eu não encontraria ninguém.
— Quem pensas que sou?
— tu… tu és…
— Se não sou quem, então o quê tu pensas que sou?
— Tu…
— E se tu estiveres certo?
— Certo no quê?
— Na tua descrença.
— Como assim?
— Se estiveres certo, tu estás no nada, e eu não sou.
— Não és o quê?
— Diga-me ateu: o que tu negavas?

Luís Augusto Menna Barreto

22.2.2020


domingo, 16 de fevereiro de 2020

A Morte do Ateu - parte 1

A Morte do Ateu
_______parte 1_______




— Quem és tu?
— Ninguém. Pra ti, eu sequer existo.
— Como assim, ninguém? Como assim não existes? Estou falando contigo!
— Tu me vês?
— ãh… não… mas…
— Tu ouves minha voz?
— Não… mas de alguma forma eu sei o que dizes… então, eu sei que estás aqui!
— Aqui onde? 
— Aqui, oras! Onde eu também estou!
— E onde estás? O que tu vês?
— Eu… eu… Eu não sei… é tudo branco sem ser branco, luminoso sem ser luz… não vejo nada. Absolutamente nada, nem ao menos um contorno sequer. Não me sinto sequer flutuando, mas não há nada sob meus pés. É como se eu estivesse cego, mas ao contrário, pois não há escuridão. Não consigo descrever. Que lugar é esse?
— Lugar nenhum! 
— Impossível! Eu estou aqui, não estou? Como pode ser lugar nenhum?
— Onde tu estarias?
— Como assim?
— Quando não houvesse mais vida?
— Que ridículo! Não estaria em lugar nenhum! Não há nada depois!
— E o que tu vês agora?

(... continua...)

Luís Augusto Menna Barreto
16.2.2020

domingo, 2 de fevereiro de 2020

Brechó de Almas - final (parte 4 de 4)

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Parte 4 de 4

— Esse barulho… eu já me acostumei com ele… É sempre a mesma coisa: o barulho da chave abrindo o portão. A batida brusca quando o portão tranca. Depois a voz com algum desespero e confusão… pedidos para destrancar, para voltar… e a resposta invariável: “hummm”. Agora é só esperar.. essa alma que acaba de entrar, ficará assustada, passará um bom tempo esperando os olhos acostumar-se à neblina, aguçará os ouvidos… ficará espiando-me até sentir-se segura… chegará perto devagar, e tentará começar uma conversa e perguntará:
"Ah!, que alívio encontrar outra alma aqui! Olá. Onde estou? Que lugar é esse?"
"É o Limbo."
"E o que eu faço aqui? Como funciona? Com quem tenho de falar para que me coloquem em um bom lugar?”
— É sempre assim. Então, eu explico sobre as duas portas, sobre a escolha da chave, sobre a mesa… e sobre o juiz. Eu já nem lembro há quanto tempo tenho feito isso.  Não sei se passaram alguns anos ou séculos. Ainda lembro a conversa com a alma condenada no dia que cheguei. Foi aquela alma que me explicou sobre a chave… sobre o juiz. Então, a alma condenada levantou-se decidida, e caminhou até a imensa e larga porta da condenação. Eu fiquei observando, de longe. Ela virou a chave, e assim que a porta foi aberta, ouvi a luta. Ouvi gritos horrendos. Vi a mão forte e decidida da alma puxando a porta por dentro para fecha-la e vi os horrores que o puxavam para dentro enquanto tentavam sair pela porta aberta! Eu corri para lá e comecei a empurrar a porta, para fecha-la. Ouvi os gritos de agonia da alma condenada, e mesmo eu empurrando com toda a minha força, a porta parecia cada vez mais abrir alguns centímetros. Então aconteceu: veio um clarão de luz. Gritos de agonia, e a porta finalmente cedeu. Eu a empurrei com toda a força, e então a porta fechou com um estrondo. O clarão diminuiu um pouco e eu vi o anjo, pairando acima, olhando para mim. Olhou alguns segundos… e li em seus olhos o que ele me dizia em tom severo:
"Cumpre teu destino.”
— Eu fui até a mesa do juiz. Com medo. Mas a mesa estava vazia. Não havia chaves. Não havia sequer cadeira. Procurei o anjo e não estava mais lá. Desde então, simplesmente espero. Passei a saber identificar os sons. Acostumei-me com os gritos de agonia que ultrapassam a porta da condenação. Aprendi a perceber os passos hesitantes das almas que chegam ao portão do limbo. Antes, eu corria até o portão, tentava falar com o porteiro, que sempre respondia a mesma coisa: “hummm”. Dividia meu desespero com as novas almas que chegavam. Depois de eu explicar sobre a chave, a mesa e o juiz, elas iam até lá. E sempre voltavam com uma chave. Então, eu ia correndo e nunca encontrava uma chave para mim. Nunca encontrava sequer a cadeira do juiz. Com o tempo, perdi a conta das almas que ingressaram. Perdi a conta de quantas vezes eu fui até a mesa. Quantas vezes tentei voltar pelo portão do limbo com as almas que pegavam esta chave. Mas era sempre “hummm”, sem eu ter chance de voltar. Perdi a conta de quantas almas eu confortei depois de pegarem a chave da porta da condenação, e de quantas vezes eu tive de empurrar para trancar a porta, para que nenhum dos horrores saísse. Acho que me conformei com este destino: ficar no limbo, simplesmente, e esperar.  Esperar almas como esta que agora chegou-me:
— Olá…? Onde eu estou? 
— No limbo.
— E quanto tempo terei de esperar aqui? Quando alguém virá buscar-me?
— Ninguém virá. Tu tens de ir até a mesa do juiz e pegar tua chave.
— Onde fica este juiz? Que chave?
— É só a mesa do juiz. O juiz, és tu. Terás de escolher a chave: da porta da condenação, aquela lá!; ou da porta do caminho de volta!
— Ora, que ridículo! Não vou dar ouvidos a ti, alma maltrapilha!
— O quê? Maltrapilha…? Eu não… … espere! Eu estou mesmo maltrapilha! O que houve com minha alma alva e intacta? 
— Do que tu estás falando, seu mendigo! Por que está sorrindo? Vamos, tire logo esse sorriso idiota do rosto e vá até lá buscar minha chave!
— Sim, farei isso!
— Hummm.
— Porteiro? O que tu fazes aqui? E este clarão? Anjo? Também estás aqui? Por que me olhas severo assim? Sentar-me? Acho que não estou limpo adequadamente para sentar-me na cadeira do juiz. E eu não posso julgar aquela alma intacta… não a conheço.
— Hummm.
— Julgar a mim? Escolher minha chave? Dessas duas em cima da mesa? Eu…
— Hummm.
— Certo. Não haverei de demorar-me, já que tanto tempo tive de pensar em mim mesmo, tanto conversei com almas melhores que as minhas, que até mesmo condenadas foram. Eu aceito meu destino. Pegarei a chave da porta da condenação. 
— Hummm.
— Eu não entendo. Não consigo levantar a chave. O que houve? Como? … esta outra? … eu… Eu a consigo levantar. A chave do portão de volta, eu consigo levantar! 
Bem aventurada alma que ficara rota… descobriu depois de morta, que a salvação viria pela caridade. E o anjo acolheu-a em sua luz, e acolhida, atravessou o portão de saída do Limbo.
Fim.
Luís Augusto Menna Barreto

1º.2.2020