Parte 2
Quando ele acordou, ele foi até a cozinha e lavou a louça. Sorriu ao ver a taça de drink vazia.
— Hoje, eu vou comprar mais cointreau, não se preocupe. — Falava por cima do ombro, em direção ao quarto… vazio.
Estava feliz. Planejara sair do trabalho e, novamente, passar no supermercado. O dinheiro que ganhava não era muito folgado, mas abria mão de várias coisas para poder ter sempre o cointreau, e as batatinhas compradas no carrinho da esquina, tão simples, mas que tinha certeza que era as que ela mais gostava.
Na parte nobre da cidade, ela acordou cedo, levantou-se quieta para não acordar o marido que dormia pesado ao seu lado. Quando foi vestir-se para o trabalho, por um instante puxou uma caixa de sapatos que mantinha no fundo do closet, mantinha sem saber porquê, talvez para lembrar-lhe quem havia sido, os caminhos trilhados, lembrar das escolhas que não fez, e que deixaram uma vida inteira não vivida. Não chegou a abrir a caixa, mas sabia que ali estava o velho tênis All Star, do tempo em que ainda estava na faculdade e sonhava com romances e viagens de mochila nas costas. Suspirou, e pegou o scarpin Yves Saint Lourent preto, comprado na Galleria Vittorio Emanuele II, Piazza del Duomo, em Milão, por € 850,00, que combinava com o tailleur escolhido para o dia de trabalho.
Naquele fim de tarde, depois de um dia em que se viu ansiosa sem aparente razão, e fazendo força para não pensar nos porquês, para não ter de encontrar razões para si mesma, ela decidiu ir, novamente, até o mesmo supermercado onde encontrara aquele estranho que lhe parecera familiar. Controlando para estar no supermercado mais ou menos no mesmo horário do dia anterior, ela ficou longe, mas observando discretamente, o corredor onde estavam as bebidas. Sem esperar muito, ela o avistou, pegando uma garrafa de cointreau, e depois, escolhendo laranjas. Assim que ele pesou as laranjas, viu-o pegar a carteira do bolso e fazer contas… viu-o retirar duas laranjas de dentro do saco, pesar novamente, olhar a etiqueta do valor e então se dirigir ao caixa. Decidiu que o seguiria. Estava intrigada demais.
Viu-o sair a pé do supermercado e então ela deixou seu carro no estacionamento e seguiu-o. A dois quarteirões dali, havia uma banca de revistas próximo à esquina, onde havia um carrinho vendendo alguma espécie de lanches. Tomou coragem e aproximou-se, fingindo ver as revistas da banca, quando ele parou no carrinho de comida da esquina. Uma senhora morena e com um grande sorriso cumprimentou-o como quem já o conhece de muito tempo. Ela fingiu interessar-se por uma revista e tentou ouvir o que diziam:
— O de sempre?
— Isso mesmo!
— Pra viagem?
— Sim, bem embaladinho, porque ainda tenho 40 minutos no ônibus.
— Você nunca come na viagem?
— Não! Só quando chego em casa! Ela adora essas batatinhas com o… Ei é o meu ônibus. Até amanhã!
— Até amanhã. Mande um abraço pra ela!
Ele saiu correndo e entrou no ônibus. Ela não o poderia acompanhar. Decidiu ir até o carrinho de lanches. Viu que eram batatas fritas na hora, em uma imensa panela com um óleo já amarelado. Parou bem próximo.
— Olá, querida! Quer as batatinhas da Dora?
Ela hesitou… em silêncio balançou a cabeça e saiu em direção ao estacionamento do supermercado.
…
Ao chegar em casa, ouviu o barulho da TV na ESPN, e viu o prato, já quase no fim, dos tomatinhos com boursin.
— Amor, já que você chegou, poderia pegar outra cerveja para mim? Não quero perder nenhum lance desse jogo. Combinei de irmos à casa do Olavo no final de semana. Ele quer que joguemos uma partida de tênis. Tudo bem pra você?
— Sim… — ela respondeu sem convicção. De repente, olhando sua geladeira, e o armário, sentiu vontade de ficar descalça e comer batatinhas… Tirou o sapato ali na cozinha mesmo. Mas não havia batatinhas. Pegou uma panela e perguntou-se onde Vera, a empregada guardaria o óleo de soja? Achou-o. Batatas. Teria batatas em casa…….?
— Amor?! A cerveja, por favor? Meu dia foi muito duro na corretora.
…
Naquela noite, em um outro apartamento, muito mais simples, longe do bairro nobre, bem mais tarde, ele dormia sentado no sofá, com o menu de Shakespeare Apaixonado na tela, e o leve zunido do antigo aparelho de DVD que terminara todos os créditos do filme e voltara ao menu. O saco de batatinhas estava vazio e a taça de vidro, com o drink de cointreau e laranjas, jazia com o canudinho pendente… Se é possível sorrir dormindo, aquilo era um sorriso…
…
Ela demorara a dormir. Não encontrou batatas. Mas decidiu que as comeria…
Luís Augusto Menna Barreto
26.7.2020
"Batatas...
ResponderExcluirDecidiu que as comeria..."
E por mais estudos que sejam feitos a respeito do amor, a razão jamais vai compreender os verdadeiros motivos que possui um coração.
Linda crônica, Poeta!
Maria, obrigado demais!
ExcluirEstou gostando demais de escrever este conto. Já tem 7 partes. E neste 2º capítulo, apresentei uma personagem secundária que vai crescer muito em importância...!
E, talvez, fiquemos todos com vontade de comer batatinhas!!
Muito bom, estou adorando, que bom que fica um gostinho de quero mais. Aguardando os próximos capítulos.
ResponderExcluirObrigado, Batisti... acho que haverá uma crescente na questão dramática oferecida! E a personagem secundária apresentada nesse capítulo, passará a ganhar um bom espaço e importância ao longo da história!!
ExcluirLindo de mais. Estou rolando a pagina pra encontrar a parte 3 , e não achei. Vou preparar um drink de cointreou com laranja e comer batatinhas.
ResponderExcluirBora!!!!!!
ExcluirAliás, sobre as batatinhas, a Dora terá uma boa influência na história a cada passo! Já escrevi até o capítulo 7... e estou gostando muito!!!
Bora preparar um Cointreau!!!!
Ela lembrando do tênis surrado, a liberdade dos que não se apegam. Muito boa.
ResponderExcluirObrigado, Polyana... esse tênis ainda terá mais significado adiante.......!!!!
ExcluirGente!!! Que lindo!!!Tua sutileza é maravilhosa...Amei...Que venha a parte 3...
ResponderExcluirObrigaaaaado Michele!!! Vira! Na próxima segunda!!!!
ExcluirAgora fiquei curiosa! Abraços!
ResponderExcluirOba!!! Se ficaste curiosa, então deu certo!
ExcluirBora para a parte 3, segunda-feira!
Lindo 😍 vamos aguardar os próximos capítulos!! 👏👏👏
ResponderExcluirLiiiiiuuuuu ...... tão tão tão obrigado! Eu fico tal feliz contigo sempre dando essa força imensa!!!! Obrigado demais!!!
ExcluirObrigada eu!! 😊🤗🤗
ExcluirSó por amanhã, ansiosa pela parte 3.
ResponderExcluirJá preparei a postagem.. amanhã (dia 24.8.2020), bem cedinho, estará no blogue!!
ExcluirOlha... acabei de constatar que lá no fundo... bem lá no fundo... tenho um coração romântico... pois estou muitíssima feliz de voltar a ler um conto teu nesse tema... o amor... Ahhhhh
ResponderExcluirAnsiosa (de fato) para os próximos passos desses personagens.
Abraço.
Acho que gostarás bastante da parte 3!!!
ExcluirUma personagem bem simpática, vai começar a conquistar os leitores.....
Sinceramente, acredito que, nas alucinações esquizoides, é possível haver AMOR, sim.
ResponderExcluirMeu escritor amigo, retornei para te dar um abraço de quebrar os ossos e matar a saudade.
ResponderExcluirGosto dessa riqueza de detalhes em seus contos....muitas vezes me vejo neles. Obrigado por tanta delicadeza. Gostoso de ler e sentir!
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