Parte 8
— Como assim? — Bel perguntou com espanto.
— Eu continuo casada. Só isso. Com o “corretor”…! — Ela sorriu ao pronunciar “o corretor” que era como como Bel referia-se ao marido.
— Amiga! Então você está tendo um caso? Conta!
— Não… — Ela respondeu reticente!
— Hum… porque eu sinto que você tem muito para contar-me?!
— Eu… eu não estou tendo um caso.
— E como você explica ele ter ido comprar um presente pra você? Aliás, uma blusa maravilhosa da minha nova coleção! Não esconda nada de mim!
—Tudo bem, eu conto tudo… mas, antes, vamos começar com você me dizendo quem é exatamente o “ele” que você fala?
…
Longe daquele café onde as amigas retomavam o fio de uma amizade em suspenso por muitos anos, ele limpava a cozinha e cortava, com cuidado, um pedaço apodrecido da última laranja que estava guardada para fazer o drink de cointreau que ela gostava.
A caixa com a blusa que ele sequer soube quanto custara, estava em cima da mesinha, à frente do sofá, onde ele colocava sempre o drink pra ela. “O amor deixa pistas”, dissera Dora. “Espero que ela ache as pistas… porque eu jamais perdi o rastro do amor”, pensava.
…
— Nossa! O que você coloca nessas batatinhas? Nunca comi nada tão delicioso!
— Elixir da sinceridade! Então, pare de querer enrolar.
— Eu não estou enrolando você, Dora…
— Ah, isso eu sei, meu bem! A mim, você nem conseguiria enrolar. Estou falando para parar de enrolar a si mesma!
— Eu não sei o que fazer.
— Querida, se você não sabe o que fazer, é hora de fazer uma pergunta.
— Ah, Dora, eu tenho tantas perguntas.
— Não. Você tem a resposta. Mas não está fazendo a pergunta.
— Que pergunta?
— A única que importa, enquanto estamos vivos: “Você está feliz”?
Ela ficou sem palavras. E a batatinha que havia pego no pacote de papel ficou suspensa em sua mão. Sim, ela tinha a resposta. E compreendeu que sempre evitara fazer esta pergunta.
O silêncio foi novamente quebrado por Dora:
— Talvez, você devesse vestir jeans novamente. Amanhã é quarta-feira, dia em que ele faz compras.
…
Ao final da tarde seguinte, houve um pequeno e incomum prejuízo nas operações da carteira de ações gerida por ela. A secretária estranhou sua aparente indiferença em relação aos resultados do dia e estranhou, também, ve-la novamente de jeans.
— … está ao telefone, na linha 2. Posso passar? — Perguntou-lhe a secretária, com algum nervosismo por conta da grosseria do outro lado da linha.
— Não.
— Perdão… "Não"? Mas é o Dr. Arthur, CEO da maior empresa da sua carteira! O que eu digo pra ele?
— Diga-lhe que fui comprar laranjas. — E ela saiu, deixando a secretária atônita. Era a primeira vez que ela parecia não se importar com o que poderia ser um início de crise no trabalho. Mas ela parecia leve.
— Senhor, perdoe, mas ela não pode atender, porque está saindo para comprar laranjas. — A secretária pareceu nem ouvir os insultos do outro lado da linha. Sorriu ao ve-la sair. E reparou como ela ficava bem vestindo jeans.
Luís Augusto Menna Barreto
23 de agosto de 2020