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domingo, 27 de setembro de 2020

Um Conto Sobre um Amor Guardado - parte 8

 


Parte  8


— Como assim? — Bel perguntou com espanto.

— Eu continuo casada. Só isso. Com o “corretor”…! — Ela sorriu ao pronunciar “o corretor” que era como como Bel referia-se ao marido. 

— Amiga! Então você está tendo um caso? Conta!

— Não… — Ela respondeu reticente!

— Hum… porque eu sinto que você tem muito para contar-me?!

— Eu… eu não estou tendo um caso. 

— E como você explica ele ter ido comprar um presente pra você? Aliás, uma blusa maravilhosa da minha nova coleção! Não esconda nada de mim! 

—Tudo bem, eu conto tudo… mas, antes, vamos começar com você me dizendo quem é exatamente o “ele” que você fala?

Longe daquele café onde as amigas retomavam o fio de uma amizade em suspenso por muitos anos, ele limpava a cozinha e cortava, com cuidado, um pedaço apodrecido da última laranja que estava guardada para fazer o drink de cointreau que ela gostava. 

A caixa com a blusa que ele sequer soube quanto custara, estava em cima da mesinha, à frente do sofá, onde ele colocava sempre o drink pra ela. “O amor deixa pistas”, dissera Dora. “Espero que ela ache as pistas… porque eu jamais perdi o rastro do amor”, pensava.

— Nossa! O que você coloca nessas batatinhas? Nunca comi nada tão delicioso!

— Elixir da sinceridade! Então, pare de querer enrolar.

— Eu não estou enrolando você, Dora…

— Ah, isso eu sei, meu bem! A mim, você nem conseguiria enrolar. Estou falando para parar de enrolar a si mesma! 

— Eu não sei o que fazer.

— Querida, se você não sabe o que fazer, é hora de fazer uma pergunta.

— Ah, Dora, eu tenho tantas perguntas.

— Não. Você tem a resposta. Mas não está fazendo a pergunta.

— Que pergunta?

— A única que importa, enquanto estamos vivos: “Você está feliz”?

Ela ficou sem palavras. E a batatinha que havia pego no pacote de papel ficou suspensa em sua mão. Sim, ela tinha a resposta. E compreendeu que sempre evitara fazer esta pergunta.

O silêncio foi novamente quebrado por Dora:

— Talvez, você devesse vestir jeans novamente. Amanhã é quarta-feira, dia em que ele faz compras.

Ao final da tarde seguinte, houve um pequeno e incomum prejuízo nas operações da carteira de ações gerida por ela. A secretária estranhou sua aparente indiferença em relação aos resultados do dia e estranhou, também, ve-la novamente de jeans. 

— … está ao telefone, na linha 2. Posso passar? — Perguntou-lhe a secretária, com algum nervosismo por conta da grosseria do outro lado da linha.

— Não.

— Perdão… "Não"? Mas é o Dr. Arthur, CEO da maior empresa da sua carteira! O que eu digo pra ele?

— Diga-lhe que fui comprar laranjas. — E ela saiu, deixando a secretária atônita. Era a primeira vez que ela parecia não se importar com o que poderia ser um início de crise no trabalho. Mas ela parecia leve.

— Senhor, perdoe, mas ela não pode atender, porque está saindo para comprar laranjas. — A secretária pareceu nem ouvir os insultos do outro lado da linha. Sorriu ao ve-la sair. E reparou como ela ficava bem vestindo jeans.


Luís Augusto Menna Barreto

23 de agosto de 2020

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Um Conto Sobre um Amor Guardado - Parte 7





Parte 7


As palavras de Dora sempre o animavam. Ele comeu as batatinhas no ônibus. Pensando nas pistas que o amor deixa, e onde encontra-las. 

Chegou em casa sem o mesmo ânimo de outros dias, e suspirou antes de abrir a porta, porque de alguma maneira, sabia que encontraria a casa vazia. Entrou. 

O Cointreau estava na mesma medida em que o havia deixado. As laranjas estavam na pequena cesta em cima da pia. Estava sem fome depois das batatinhas da Dora. Sentou-se no sofá, com o peito apertado e pensou: “é tudo tão vazio quando você não está comigo”. Pegou o controle remoto. Passou pelos canais de esportes. Seu time estava jogando. Mas não conseguiu assistir. Levantou-se, colocou o DVD de Shakespeare Apaixonado, e adormeceu antes da quinta cena…

Quando acordou, no dia seguinte, depois do banho, colocou uma das laranjas no lixo, porque começava a apodrecer. Ainda pensando nas palavras da Dora, sobre as pistas do amor, decidiu que usaria seu horário de almoço, no trabalho, para fazer caminhos diferentes…

Trabalhou ansioso pela manhã, e o tempo parecia não passar, entre os enormes rolos de tecido naquele depósito quente em que conferia o estoque. Assim que ouviu o sinal do intervalo de almoço, tirou o jaleco de trabalho apressou-se em direção àquele quarteirão de lojas chiques. Desde pequena, na escola, ela gostava de roupas chiques, que ele dificilmente poderia comprar. Falava de marcas que ele sequer entendia. Mas ele havia juntado dinheiro por um tempo, para comprar taças novas, talvez de cristal, para o cointreau dela. Achou que poderia usar o dinheiro para comprar alguma roupa chique. 

Consumido pela ansiedade, e completamente confuso em frente às vitrines, quase não acreditava nos preços. Algumas peças de roupa que ele achava tão simples eram metade do que ganhava por mês. Algumas, chegavam a custar mais que dois meses de seus salários.

Então, já quase desanimado, e fazendo às pressas, contas de quanto poderia pagar por mês, ouviu de dentro da loja:

— Você?!!!! Não acredito! É você mesmo?!

Foi com espanto, que ele reconheceu Bel, colega de escola, que não via há mais de vinte anos. Ela sorria contente, e veio de braços abertos! Abraçou-o com a saudade de velhos amigos, pegou sua mão e começou a leva-lo para dentro da loja.

— Eu… não sei se é bom eu entrar aí. Acho que esses preços não são pra mim! — Ele disse sorrindo divertido!

— Ah!, não vou deixar você sair daqui sem levar alguma coisa! Eu ajudo você. Venha. Conte-me tudo! O que você tem feito, por onde anda, o que fez esses anos todos e, principalmente: para quem, você estava olhando roupas! Eu vejo paixão nesses olhos! Conte-me!

Ele se atrasou no horário de almoço. Depois compensaria. Sabia que seria repreendido, mas também sabia que era um funcionário terceirizado muito bom, naquele imenso depósito da aduana.

Voltava apressado, com uma caixa linda, levando uma blusa branca de alças, que jamais teria dinheiro para comprar. Mas Bel fez questão que ele levasse, sem sequer deixa-lo propor como pagar. Sobretudo, depois que ela insistiu para ver a foto da mulher que claramente ocupava todo o coração dele:

— Bem… eu só tenho uma foto antiga…

— Mostra logo!

Ele, com cuidado, tirou do fundo da carteira, uma foto quase amarelada… e ela própria reconheceu-se, como uma das três pessoas da foto: era um recorte da foto da turma do 6º ano do colégio, em que estava ele, Bel, e ao lado de Bel, ela. A melhor amiga de Bel, nos tempos da escola.

— Nãããããããoooo… sério?!

Ele sorriu.

— Meu Deus, faz séééééculos que não falo com ela! Você tem de traze-la aqui!

Depois que ele saiu, Bel não aguentou de ansiedade, e, tomada por uma natural nostalgia, procurou o Instagram da antiga amiga, para falar de sua surpresa!


Luís Augusto Menna Barreto

15.8.2020


domingo, 13 de setembro de 2020

Um Conto Sobre um Amor Guardado - parte 6


Parte 6


— Como ela está? — perguntou-lhe Dora, já fechando o saco de batatinhas que ele sempre pedia para viagem.

— Não feche…

Dora olhou para ele. Então, abriu novamente o saco de papel com as batatinhas, e entendeu que ele queria conversar.

— … tem dias, que eu não a vejo.

Dora continuou em silêncio. Sabia que aquele era o momento de olhar para ele, acolhe-lo com o olhar, e esperar que ele falasse.

— Eu a tenho visto menos, desde…

— Desde…? 

— … desde que nos encontramos no supermercado. Desde aquele dia, tem dias que eu não a vejo. Tenho medo de perde-la, Dora.

Dora sorriu. Aquele sorriso acolhedor. Ao mesmo tempo, em que pareceu entender muitas coisas.

— Faça o caminho de volta!

— O quê?

— Querido, o amor deixa pistas. Às vezes, é preciso fazer o caminho de volta, seguindo as pistas. Se você acha que o amor está ficando distante, talvez seja hora de, em vez de ir adiante, voltar. O amor deixa pistas, siga-as. Redescubra o que faria ela se apaixonar antes. Volte pelo caminho, e reencontre as respostas.

Ele olhou para Dora e sabia o que ela diria naquele instante.

— Hoje, é por conta da casa. As batatinhas e o conselho…

E então, repetiram juntos:

— … mas só se você seguir!

Era comum demais, grifes e lojas de moda solicitarem “amizade" no Instagram dela. Tinha de mante-lo privado. Todos de alguma forma queriam “conquista-la” para terem boas avaliações. O mercado da moda era sua profissão. Como gostava de moda e de economia, especializou-se em ações de empresas e grifes de moda. Trabalhava na corretora do marido, mas dois andares abaixo e em horários diferentes. Nem lembrava quando fora a última vez que o encontrara na empresa. Estava olhando, distraída, os inúmeros pedidos de “solicitação de amizade” em sua conta, e um, em especial, chamou-lhe a atenção: @misscigarrete. Pelo que lembrava, esta grife não estava no mercado de ações. Era de uma dona que mantinha, a empresa, ainda, como uma sociedade limitada, e ainda tinha condições de ter todas as decisões sob seu controle. Por que esse nome era familiar…? Resolveu visitar a conta e sorriu: “mas claro! Bel!" A inseparável amiga da escola! Até a sexta série, eram inseparáveis. Depois, Bel trocou para uma escola mais sofisticada e, em seguida, quando todos começaram a ir para a faculdade, Bel foi para Milão, na Itália, enquanto ela ingressou na PUC, no curso de economia. “Meu Deus, como eu nunca havia ligado isso?”.

Aceitou imediatamente a solicitação em sua conta no Instagram e em seguida veio a mensagem privada:

“Pq vc n me visitou ainda? E como vc conseguiu esconder isso de mim? Achei que ainda era casada com o corretor! Estou passada, amiga! Ele? Nem acreditei! Vamos conversar qualquer dia desses?”

“Amiga, há quanto tempo…” Ela se deteve com os dois polegares em suspenso sobre o minúsculo teclado do iPhone. Ela não se separara, era casada com "o corretor". O que mais lhe intrigara, fora o “Ele? Nem acreditei!”. Deletou a mensagem que começara a digitar. Queria e não queria, ao mesmo tempo esclarecer aquilo, rever Bel depois de tantos e tantos anos, e conversar. Porém, algo dentro de si, tinha algum medo. “Ele? Nem acreditei!”. Ela queria poder sonhar por mais algum tempo com esse “Ele”… Queria vestir All Star e Jeans em um sonho onde passearia com “Ele" e comeriam batatinhas no carrinho da Dora.

"Dora"! De repente, sentiu necessidade de comer batatinhas.


Luís Augusto Menna Barreto

15.8.2020

domingo, 6 de setembro de 2020

Um Conto Sobre um Amor Guardado - parte 5

 

Parte 5


O casal de amigos que os esperavam na marina para o passeio no veleiro, estranhou quando ela chegou de bermuda jeans e boné, no lugar do que seria o socialmente adequado: a calça cigarrete e um chapéu de abas longas, Dolce & Gabbana ou uma viseira Lagerfeld.

— Querida, como você está… despojada! — Disse-lhe a amiga. 

O marido, então fez o que parecia uma piada:

— Meu Deus! Eu saí de casa com você assim, ou você se trocou no caminho, enquanto eu dirigia?

Os amigos riram. Ela forçou um sorriso. Não fora uma piada. Ela tinha
certeza, que somente agora, o marido a notara.

O passeio de veleiro transcorreu como todos os outros: champanhe, canapés e conversas sobre coisas. Sempre sobre “coisas”! Por alguns instantes ela se sentia tão invisível quanto o casal de garçons do veleiro, que iam, vinham, mantinham as taças sempre cheias e os pratos abastecidos, mas pareciam invisíveis. Não lhes era dirigida uma palavra, senão ordens.

Foi então, que quando a mulher com a bandeja na mão passou próximo a ela, uma onda um pouco mais intensa balançou o veleiro, e caíram alguns canapés da bandeja. Em um gesto reflexo, ela se abaixou para pegar.

— Querida, deixe que eles juntem! Venha. — Disse-lhe a amiga.

— Meu Deus, o que há com você?! — Foi a segunda vez, naquele dia, que o marido dirigiu-lhe a palavra.

— O que houve? Você não teve um bom final de semana, não é mesmo? Ah!, mas eu tenho certeza que algumas batatinhas da Dora, farão melhorar seu dia! Conte o que houve!

Ela pensou no passeio de veleiro no sábado e em como se sentiu deslocada. No domingo, havia saído para correr pela manhã (o que não fazia desde que era solteira), conseguiu correr menos de 3 minutos, e caminhou o quanto pode. Quando voltou, pouco antes do meio dia, o marido estava no escritório que tem em casa, verificando algumas cotações de empresas estrangeiras. E pediu-lhe um martini. Foi somente quando ela respondeu ofegante que ele tirou os olhos da tela e perguntou se ela havia saído.

— Ei, você está aí? — Perguntou Dora. Estou esperando a minha história!

Ela se deu conta de que havia perdido o tempo por alguns instantes. E sorriu quase sem querer, quando percebeu que Dora nunca falava sobre “coisas”… era sempre sobre “alguém”!

Então, contou a Dora sobre seu final de semana.

Dora ouvia e comentava… E ela conseguiu até mesmo rir de si própria. Ficou ali, conversando, deixando as horas passarem, e naquele instante, simplesmente não se importou de deixar o tempo passar, de estar em uma esquina no centro, de chegar tarde em casa… O tempo simplesmente ia passando. Viu o anoitecer da calçada, viu Dora atender a todos e sempre ter um sorriso e algo especial para dizer a cada um. 

Surpreendeu-se quando ouviu Dora:

— Bem, é hora de fechar! São dois ônibus até em casa.

Ela ficou na dúvida sobre o que deveria fazer, e, mais uma vez, Dora falou:

— Não se preocupe, querida. Nem pense em dar-me carona! Eu moro muito longe dos bairros chiques…

— Eu… — ela se sentiu envergonhada.

— … e tem um gatinho que estou de olho e é cobrador da minha linha. Não posso deixar você me atrapalhar!

Ela sorriu. Sentia-se por tudo grata à Dora, que parecia sempre saber o que dizer. Finalmente olhou o relógio e pensou em apressar o passo. O que ele diria? Ela nunca chegava tarde!

— Querida… — Dora falou-lhe de longe — Não se apresse. Jamais se apresse por quem não vai notar sua falta. 

Ela não disse nada. Mas lembrou o que Dora dizia sobre os conselhos que dava e pensou: “não vou precisar pagar por este conselho”. Então, foi caminhando lentamente até o carro.


Luís Augusto Menna Barreto

8.8.2020