Parte 12 - epílogo
Ela estava, mais uma vez, escolhendo laranjas, quando ele chegou:
— Ah, você está aqui! Que bom. Eu preciso mesmo voltar para a corretora. Depois você pode dar um jeito de encontrar queijo Beaufort d’Ete?! Ficará perfeito com o salmão e o vinho que o Olavo trará para o jantar. Combinei com ele e a Marta às 9 da noite. Tudo bem para você, né?! Você anda saindo mais cedo? Bem, não importa, você tem feito um excelente trabalho nos últimos dias, sua cadeira está com excelentes rendimentos. Vou deixar este salmão aqui no seu carrinho. Vá direto para casa e mande a Vera preparar o jantar para ser servido às 10 da noite.
Ela apenas sorriu. Terminou de escolher as laranjas, deixou o salmão no carrinho, fez o resto das compras e dirigiu-se ao caixa. Passaria, ainda, para comprar batatinhas antes de ir para casa, mas não iria demorar-se. Queria que o jantar fosse perfeito.
…
Por volta de 21h15, a campainha.
Ela nem lembra quando foi a última vez que estivera ansiosa para receber alguém em sua casa. Ele se levantou, mas deixou que ela fosse receber os convidados.
Como nem lembra de já haver feito, assim que abriu a porta, em vez de um cordial cumprimento, ela logo abriu os braços e abraçou. Um abraço forte!
— Que bom que vocês vieram!
— Amigaaaaa! Eu não perderia esse jantar por nada! — Disse-lhe Bel, e foi logo entrando, e dando também um abraço em Marcos, enquanto ela cumprimentava a outra convidada:
— Dora, bem vinda! Entre!
Jantaram na pequena mesa para 4 pessoas, no apartamento que, aos poucos, ganhava elegantes detalhes de decoração, promovidos por ela, mas que Marcos, a cada detalhe, gostava mais. Porta retratos com recortes de revista em que ela aparecia, agora exibiam fotos recentes dos dois. Mas o quadro com antiga foto da escola, agora restaurada digitalmente, em que ela, Marcos e Bel apareciam, ocupava o lugar de destaque na parede da sala.
Quando ela trouxe o prato que havia preparado, Bel comentou:
— Amiga! Salmão! Adooooro!
— Foi sugestão de um conhecido que encontrei no supermercado. — ela disse. — Mas tenho as suas batatinhas, Dora, se vocês preferirem!
— Querida, se você servir batatinhas, eu juro que chamo um Uber agora mesmo!
…
Aquele seria o primeiro de vários jantares que se passariam sempre entre deliciosas risadas, naquele pequeno apartamento.
Da vida que até então havia vivido, ela tinha um bom dinheiro guardado, que lhes permitiria morar em bairros mais nobres, ou mesmo dar a ele o carro que escolhesse. Mas decidiu que deixaria o dinheiro guardado e somente o usaria aos poucos, apenas para pequenos detalhes de conforto para os dois, sem tirar a essência da vida que ele havia construído. De qualquer forma, estaria tranquila pra enfrentar qualquer imprevisto ou emergência. Ela o via feliz todos os dias com a vida que levava. E descobriu-se feliz ao lado dele, aprendendo a comparar preços, fazer contas para realizar planos, e saindo de bicicleta com ele aos finais de semana.
Montou um escritório virtual de aconselhamento financeiro para pequenas empresas, e Bel foi uma de suas primeiras clientes.
Haveriam de ter filhos! E ela pedia a Deus, para que os filhos tivessem a oportunidade de viver a vida que ela agora experimentava! E com todas as suas forças, agradeceu por ter tido - e haver entendido e aceitado - uma segunda chance.
…
Quando Olavo e Marta tocaram a campainha pela segunda vez, foi que o corretor deu-se conta de que ela não fora atender. Gritou por ela, e não obteve resposta. Então, gritou por Vera, a empregada, e também não obteve resposta. Por volta de 19 horas, depois de levar para ele uma cerveja e os canapés na sala de televisão, Vera havia saído, porque ninguém lhe dissera que haveria um jantar.
Irritado, ele foi receber o casal e não soube esconder o constrangimento, quando descobriu que a casa estava vazia, e nada havia sido preparado.
No dia seguinte, chegando na corretora pouco depois da metade da manhã, desceu até o andar da sala dela e perguntou aos gritos, onde ela estava. Descobriu, de uma hesitante secretária, que havia mais de 30 dias, que ela não trabalhava mais ali, e que havia posto um outro corretor em seu lugar, cuidando da sua carteira de clientes.
Depois de interrogar mais duas funcionárias, ele ouviu sobre Dora e que esta tal vendedora de batatinhas poderia saber alguma coisa.
…
— Você sabe onde ela está? — ele perguntou sem sequer dizer “bom dia”.
Dora intuiu que fosse “o corretor”, pelo terno impecável que usava, pelos sapatos maravilhosos mas, especialmente, pela maneira com que falou com ela.
— Querido, este é um carrinho de venda de batatinhas, não de informação. Eu converso com todos que comem minhas batatinhas!
— Deixe de bobagem! Diga-me logo!
— Sem batatinhas, sem conversa — disse com um sorriso divertido!
De algum jeito, Dora divertiu-se com aquele “cliente”. Ele acabou comprando batatinhas. Achou o preço absurdo! Mas Dora havia cobrado caro porque deu dois conselhos, e um deles, ela sabia que ele não seguiria:
— … primeiro, procure as respostas no seu guarda-roupas!
— O quê? Que bobagem! Você deve ser louca!
— … e o segundo conselho: depois, não procure mais.
Naquela noite, ele decidiu que esperaria acordado por ela, e teria uma conversa séria. As coisas não poderiam ficar como estão! Ela deveria avisar-lhe sobre as decisões na corretora! Esperou até 1h da manhã, e então adormeceu no sofá. No meio da madrugada acordou e decidiu que a acordaria mesmo àquela hora, para falar com ela. Mas não a encontrou na cama. Não a encontrou na casa. Então, lembrou-se do conselho da mulher das batatinhas, e, mesmo se sentindo tolo, foi até o closet e abriu as portas. Havia alguns vestidos de festa. Havia alguns sapatos caríssimos. Mas alguém havia tirado todo o resto de lá. E chamou-lhe especialmente atenção, que uma velha caixa de sapatos que ele sempre via quando ela abria as portas do closet, não estava mais lá.
…
(Cenas de 5 segundos cada, enquanto sobem os créditos da equipe técnica e aumenta a trilha sonora final):
1 - Ela e Bel comendo batatinhas na calçada e rindo enquanto Dora conta alguma história!
2 - Ela e Marcos andando de bicicleta em uma manhã de sol!
3 - Ela, Marcos, Bel e Dora rindo tomando cerveja em copos de vidro, em volta da mesa pequena no apartamento!
4 - Ela, grávida, posando para Marcos fazer fotos do álbum do bebê!
5 - Ela e Marcos montando o berço, enquanto Dora e Bel pintam as paredes do quarto do bebê!
6 - Ela, na cama do hospital, segurando o bebê, com Marcos de um lado e as madrinhas do bebê: Bel e Dora, de outro!
7 - Imagem fechando no carrinho da Dora, onde diz “Batatinhas da Dora”!
7 - Apagam as cenas, sobe a palavra FIM.
Luís Augusto Menna Barreto
12.10.2020