Páginas

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

CONTO DELLA - Decisões - parte 2

Conto Della
____________
Decisões - parte 2

Há alguns anos atrás ela ficaria nervosa. 
Não pelo que estava fazendo. Era seu trabalho. E desde o primeiro dia, sentiu-se segura. Sabia o que tinha de fazer. Sabia como tinha de fazer.
Ela já perdera as contas de quantos clientes teve. Alguns, claro, marcaram-na mais que outros. Na maioria políticos. Muitos artistas. Alguns “novos ricos”… mas todos com o mesmo desejo: aparentar serem seguros e saber como se portar fazendo parecer natural. Não aceitava clientes mulheres. Não sabia direito porquê. Intuição. E de há muito aprendera a confiar na intuição.
Dificilmente aceitava clientes que já não tinham um mínimo de noção. Fazia alguns testes discretos durante as entrevistas. Lembra de uma vez que nem mesmo chegou a conversar. Quando o cliente chegou, foi sentar-se e arrastou a cadeira em vez de levanta-la discretamente. Aquilo lhe doeu nos ouvidos e ela disse que iria ao toilette… A gota d`água foi quando ela falou isso e ele sequer se levantou. Ela imaginava, agora, com um sorriso, o quanto ele deve ter esperado até perceber que ela não voltaria?!
Outro cliente, ela recusou com uma desculpa, simplesmente porque o cliente chegou com um paletó escuro sobre uma camisa também escura, mas com a gola e os punhos brancos. Outro, que não a conhecia, ela nem mesmo cumprimentou, e talvez até hoje ele nem saiba que foi ela quem passou por ele, quando ele chegou no restaurante, com o paletó um número acima (imperceptível para muitos, mas chocante para ela) e com a gravata presa por um prendedor que a deixava enrugada. 
Mas desta vez… o cliente seria diferente. E ela ainda nem sabe ao certo porque o aceitou.
Ele havia mudado muito. Ela também. Não era mais a menina insegura que fora. Ele não era mais o “amor pra sempre” de sua vida, como ambos falavam anos atrás. Ele estava mudado.
Entrou em passos firmes, cumprimentou-a com um aceno de cabeça e sentou-se. Não cometeu o erro que muitos cometem de querer beijar a sua mão, ou (muito pior!) de querer apertar-lhe a mão. 
"— Jamais a quem está à mesa! Nem para mulheres, nem para homens, nem para ninguém! — Ela lembrava como se fosse hoje, da primeira lição que dera, com um pequeno frio na barriga, ao seu primeiro cliente, hoje senador. Talvez fosse “mania de político” querer estender a mão a todos, mas ainda com a mão do então prefeito estendida no ar, antes de ela lhe dizer sequer bom dia, ela lhe disse: “Jamais a quem está à mesa”. "
Mas ele era diferente dos políticos. E ela tinha certeza que ele aprendera muito com os anos.
Ela sorriu quando ele pegara, entre três, o garfo mais próximo do prato ao servir-se de salada.
Era uma armadilha que ela sempre preparava. Porque todo mundo já havia visto no filme “Uma Linda Mulher”, que a disposição dos talheres à mesa era “de fora pra dentro” e, então, deve-se usar primeiro o garfo mais distante do prato. Mas isso para refeições com entrada, carnes e a salada em terceiro lugar. Embora não fosse o mais elegante (e ela evidentemente o sabia), ela normalmente pedia a salada para esperar o cliente, e fazia-o de propósito, esperando quase que invariavelmente, os clientes pegarem o garfo para peixes, que normalmente é o mais distante do prato, e usarem com uma falsa segurança para comer a salada. 
Ela não notou nenhuma hesitação nele. Sem tirar os olhos dela, ele pegou o garfo de saladas, colado ao prato, em um gesto natural em que ela não notou absolutamente nenhuma hesitação que o traísse.
E decidiu, enfim, que sim: aceitaria como cliente, o homem que um dia fora seu noivo!

(continua…)


Por Luís Augusto Menna Barreto

12 comentários:

  1. Estou curiosa para entender e descobrir qual é o verdadeiro ofício Della, tenho minhas suspeitas, mas prefiro aguardar os acontecimentos....Parabéns poeta, vc sempre nos deixa envolvidos e ansiosos pelo desenrolar do conto!!!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Super obrigado, Tel!!!!!!!
      Quarta-feira, a parte 3!!!!!!!!!!
      Espero que continuem gostando!!!!

      Excluir
  2. Essa danada é chique por demais. Não seria uma professora de etiqueta (nem sei se é assim que se pode referir)? Mas, tá super interessante o conto.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Mil obrigados... Essa personagem demandou pesquisa e li alguns livros antes, para poder compor a personagem...
      Quanto a professora de etiqueta, sim, está certo dizer assim. Quanto à personagem... acho que é um pouco mais que uma professora de etiqueta... algo mais complexo, que envolvem mais aspectos...!!
      Vamos ver o que nos reserva os próximos capítulos...!
      Parte 3 na quarta!

      Excluir
  3. Ansiosa já pelo próximo capítulo...Tô amando!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Guria, fico imensamente feliz em saber!!!
      A parte 3 já está escrita e farei a publicação no blog na quarta-feira!!!
      Suuuuper obrigado!!

      Excluir
  4. Que mulher fina na etiqueta!!!
    Parabéns, Poeta, pela construção minuciosa dessa personagem!!!
    Ela é realmente, impressionante!!!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Mil obrigados... demandou alguma pesquisa.... e continuo na construção dela... e dele também.... espero conseguir manter o interesse nas próximas partes...!!!

      Excluir
  5. Femme élégante!!! Interessante!!! Parabéns Poeta!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Espero que a personagem continue interessante!!! Super obrigado, Maria!!!!
      Quarta, a parte 3!!!

      Excluir
  6. Bom dia, ela deve ser uma "mestre em regras de etiqueta", orienta e ensina. Uma espécie de "Clô" personagem de Beatriz Segall na novela "Anjo Mal"

    ResponderExcluir

Bem vindo! Comente, incentive o blogue!