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domingo, 30 de agosto de 2020

Um Conto Sobre um Amor Guardado - parte 4

 


Parte 4


Foram dias tristes que se seguiram. Todos os dias ela acordava com uma sensação de que algo lhe fora tirado… mas era algo que sequer chegou a ter. Não voltou ao supermercado onde o encontrou. Colocou o velho All Star rasgado no lixo, e, na antiga caixa, colocou o All Star novo e fechou-a, guardando além do tênis, os suspiros de quem sabia que a caixa ficaria no fundo do closet por muitos anos…

Entregara-se à rotina, sem questionamentos… decidiu que o tempo haveria de apagar aquele surto de sentimentos que vivera, e reacostuma-la a chegar em casa e falar frases automáticas com o marido, reacostuma-la a fingir o prazer quando em algumas noites ele chegava já excitado na cama, reacostuma-la com cardápios elegantes e pessoas servindo-lhe sem ousar dirigir-lhe a palavra.

Então, uma tarde, quando pediu a sua assistente para que lhe trouxesse uma garrafa de água Perrier, e fora atendida com um "sim senhora”, tentou perguntar:

— Quem eu sou pra você?

— Perdão…? Como?

— Quem eu sou? Se você tiver de descrever-me para seu namorado, o que você diria?

— Eu não tenho namorado.

— Para suas amigas. Quem você diria que eu sou?

— Minhas amigas conhecem-na. Eu não tenho amigas fora da empresa.

— Deixa pra lá. Obrigado.

— Sim senhora.

Permaneceu mais um tempo, olhando a cidade lá embaixo, através da parede de vidro da sua sala. Então, levantou-se no meio da tarde e disse à secretária que cancelasse seus compromissos. 

De repente. Sentiu necessidade de comer batatinhas.

— Olá querida. Quer as batatinhas da Dora?

— Aceito uma, por favor. Vou comer aqui. Eu… eu sou aquela que há umas duas semanas veio perguntar p…

— Eu não esqueço um rosto, querida. E pelo que vejo, você está mesmo precisando das batatinhas da Dora. 

Ela não conseguiu dizer nada. Pegou as batatinhas, e ficou torcendo para que aquela mulher falasse mais alguma coisa.

— Você fica melhor de jeans.

— O quê?

— Você está muito elegante nesta roupa de de vinte mil reais. Mas você fica melhor de jeans. 

Ela tentou sorrir. Queria desesperadamente conversar uma conversa simples, honesta, sem que lhe devessem obséquios, e sem que precisasse fingir tédio com marcas e valores. Agradeceu em seu coração, por aquela mulher simples puxar conversa quase como se entendesse o seu desespero por falar com alguém. 

— Eu confesso que me senti muito bem de jeans — sorriu. — Mas eu me sinto confortável também nesta roupa — e colocou a mão ao lado do rosto, como para contar um segredo — … mas acho que custou “apenas" quinze mil.

— Querida, esse corpo magro fica perfeito nesta sua roupa. Mas o seu coração está no jeans.

Ela não soube o que dizer… Então, vasculhou na bolsa, para ver se tinha algum dinheiro em vez de apenas cartões para pagar as batatinhas.

— Não se preocupe, querida. Hoje, os conselhos e as batatinhas são por conta da casa.

— Você cobra pelos conselhos também?

— Só quando não seguem. Não gosto de desperdiça-los, porque são muito bons!

— Vou lembrar disso! 

Ela sorriu e foi saindo. Mas quando estava há uns 5 metros, Ouviu de Dora:

— Ele está preocupado.

Ela congelou. Virou-se devagar. Sabia de quem Dora estava falando.

— O quê?

— Ele está preocupado. Disse que sua esposa anda triste. 

Naquela noite, enquanto o marido estava vendo canais de esportes, ela desejou não haver jogado fora o cointreau. 


Luís. Augusto Menna Barreto

27.7.2020

30 comentários:

  1. Muito bacana, sempre superando as expectativas, fiquei com um gostinho de quero mais. Estou escrevendo mentalmente o próximo capítulo. Bora ver se eu acerto algumas partes!

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    1. Batisti!!! Achei suuuuuper interessante teu comentário!!!! E fiquei curioso por tua linha para a história!!!! Bora ver se pensaremos o mesmo!!!!!!!

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  2. Mas a Dora sabe tudo, deu vontade de bater um papo com ela! 😁 . 👏👏

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    1. Ahhhhh ... cada vez mais Dora será importante à personagem.... bora comer umas batatinhas...?!

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  3. Além, claro, de comer as batatinhas. ❤️

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  4. Hunnnn!!!... Acho que a Dora é alguém muito especial. Além de vender as batatinhas - que dão água na boca- ainda se preocupa em conversar com os clientes,talvez até por entender a necessidade que as pessoas têm de conversar,tendo em vista esse mundo tão individualista.
    Vou aguardar com ansiedade o próximo conto.

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    1. A Dora parece ser dessas pessoas iluminadas, que acertam o que precisamos ouvir, sem que tenhamos necessidade de perguntar...
      ... tem dias, que tudo o que eu precisaria, seria ir comer batatinhas....!

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  5. Obs.O nome certo para a publicação é Salete Pimenta

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    1. Sem problemas!!!
      (Mas acho que o nome tu podes editar na tua conta do Google!!

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  6. Preciso encontrar a Dora, bater um papo e claro, saborear umas batatinhas...rsrs...

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    1. Bora.... vamos juntar uma turma e ir comer batatinhas com a Dora !!

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  7. Sumiu minha foto e meu sobrenome...aff...

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    1. 😱... cuidado... isso pode ser só o começo.... corre num espelho... vejas se ainda estás lá... 😁🤣😂🤣😂

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  8. Vim aqui finalmente pra ler... Dora 😍 Dora do céu agora que a coisa vai pegar na nossa mente! 🤔😊 Vou imaginar nada mais... Vou esperar os próximos capítulos.👏

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    1. Ah.... bora parar no carrinho de batatinhas da Dora pra ver se ela nos conta mais alguma coisa....!!!!!

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  9. "...mas o seu coração está no jeans."
    Foi demais.
    Foi fundo no coração da moça.
    E no meu.
    Coloque aí, pra mim, Dora, um saquinho bem cheinho de batatinhas.
    Não resisti.

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    1. Maria, Maria...!!!! Vem... vamos chegando devagarinho... as batatinhas são ótimas.... Bora ver se Dora tem conselhos pra nós, também!
      Acho que tu vais acabar freguesa...!!!!!!

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  10. Há uma nuvem meio de fixação em "grifes", em marcas. Não sei se isso é uma característica da personagem ou do narrador.

    Você sabe?!

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    1. Certamente do autor...!!! Rsrsrsrsrs!!!!
      ... a personagem parece querer fazer o caminho inverso!
      Ah! Gosto de escrever personagens que envolvem-se com moda....
      ... mas para ti, Ana Isabel, eu tenho um capítulo especial: para ti, dedico o capíluto 9 (que por uma idiossincrasia do autor, virá DEPOIS do 10)! Eu tenho algo em mim que diz que tu vais gostar....!

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    2. E eu, escritor do meu carinho, retorno aqui, para te dar um abraço do tamanho do Pará. Assim, pois, com 4 abraços numa só manhã, tirar uma lasquinha.

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    3. kkkkkkkkkkk
      Que delícia de lasquinha de Ana Isabel...

      O tamanho do Pará é uma boa referência pra medir um abraço.

      Então, limos o conto de um amor guardado... Ah... Que triste viver "no automático"... Precisa por um sal nessa batatinha... Vamos acompanhar. Vem coisa boa.

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    4. Sílvia!! Que bom ver a Ana, mas te ver por aqui é maravilhoso também!!!
      Bora comer batatinhas da Dora e ver o que ela tyem para contar-nos sobre estes personagens!

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    5. Gente, a história é incrível.,.cheia de mistérios que aguça a curiosidade...mas muito melhor que tudo isso é...encontrar vocês depois de tanto tempo! Vamos comer batatinhas da Dora?!!!

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  11. Sabe Lico, existem momentos em nossa vida, que comer as batatinhas da Dora é o suficiente para amainar o coração. Outras, é preciso ouvir a Dora, no auto de sua sabedoria, compreender a vastidão que nos devasta e diariamente. Sim, os fantasmas nos assombração muitas vezes.
    Quiseramos nós, mesmo que em alguns momentos de nossos dias, podermos sonhar o sonho do Marcos, que com suas memórias, aquece seu coração solitário.
    Tenho lido com alguns regularidade teu blog, e são drops de alegria diária. Sim. Já disse, tens o dom de conduzir uma prosa em palavras, que só alguns dotados desta capacidade, tem. Então, poder assistir (ler) a construção desta palavraria linda, é emocionante. Confesso que tenho alguns resistência em escrever (preguiça mesmo), mas deixei para comentar, apenas após algumas postagens. Não aguentei! Tamanha a vontade de continuar lendo, como um livro fosse, com muitas páginas, daquelas que não 'desgrudo' enquanto não termino. Claro, a pessoa é ansiosa mesmo...
    Sim, capítulos, drops, páginas, postagens diárias podem ser além de tudo, educativas, pois adestram seus leitores a participar do processo de criação do autor.
    Lindo ���� Lico!
    Por muitas postagens diárias deste Um conto sobre um amor guardado.
    Amando teu Blog ��!! Como disse, prático diariamente sem moderação.

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  12. Estou curiosa, mas eu acho que a Dora já sacou tudo!

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  13. Adorei Poeta! Sempre me perguntei de o motivo pelo qual temos tanta facilidade de conversar e de confidenciar com pessoas estranhas?! “Estranhas” será?! Na verdade são aquelas com as quais nos identificamos, sem maiores indagações, tal como ocorre em relação à Dora! Mulher simples, elegante, cativante, inteligente e perspicaz, vai sim, achar um conselho próprio e adequado à solução do problema da sua nova cliente e amiga! Além do mais, faz uma batatinha espetacular... Tudo de bom!

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    1. Ah!, Dra.... acho que é isso...
      No fim, “estranha” é a pessoa com a qual não conseguimos conversar...!
      Bora comer batatinhas da Dora!!!!

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