domingo, 6 de setembro de 2020

Um Conto Sobre um Amor Guardado - parte 5

 

Parte 5


O casal de amigos que os esperavam na marina para o passeio no veleiro, estranhou quando ela chegou de bermuda jeans e boné, no lugar do que seria o socialmente adequado: a calça cigarrete e um chapéu de abas longas, Dolce & Gabbana ou uma viseira Lagerfeld.

— Querida, como você está… despojada! — Disse-lhe a amiga. 

O marido, então fez o que parecia uma piada:

— Meu Deus! Eu saí de casa com você assim, ou você se trocou no caminho, enquanto eu dirigia?

Os amigos riram. Ela forçou um sorriso. Não fora uma piada. Ela tinha
certeza, que somente agora, o marido a notara.

O passeio de veleiro transcorreu como todos os outros: champanhe, canapés e conversas sobre coisas. Sempre sobre “coisas”! Por alguns instantes ela se sentia tão invisível quanto o casal de garçons do veleiro, que iam, vinham, mantinham as taças sempre cheias e os pratos abastecidos, mas pareciam invisíveis. Não lhes era dirigida uma palavra, senão ordens.

Foi então, que quando a mulher com a bandeja na mão passou próximo a ela, uma onda um pouco mais intensa balançou o veleiro, e caíram alguns canapés da bandeja. Em um gesto reflexo, ela se abaixou para pegar.

— Querida, deixe que eles juntem! Venha. — Disse-lhe a amiga.

— Meu Deus, o que há com você?! — Foi a segunda vez, naquele dia, que o marido dirigiu-lhe a palavra.

— O que houve? Você não teve um bom final de semana, não é mesmo? Ah!, mas eu tenho certeza que algumas batatinhas da Dora, farão melhorar seu dia! Conte o que houve!

Ela pensou no passeio de veleiro no sábado e em como se sentiu deslocada. No domingo, havia saído para correr pela manhã (o que não fazia desde que era solteira), conseguiu correr menos de 3 minutos, e caminhou o quanto pode. Quando voltou, pouco antes do meio dia, o marido estava no escritório que tem em casa, verificando algumas cotações de empresas estrangeiras. E pediu-lhe um martini. Foi somente quando ela respondeu ofegante que ele tirou os olhos da tela e perguntou se ela havia saído.

— Ei, você está aí? — Perguntou Dora. Estou esperando a minha história!

Ela se deu conta de que havia perdido o tempo por alguns instantes. E sorriu quase sem querer, quando percebeu que Dora nunca falava sobre “coisas”… era sempre sobre “alguém”!

Então, contou a Dora sobre seu final de semana.

Dora ouvia e comentava… E ela conseguiu até mesmo rir de si própria. Ficou ali, conversando, deixando as horas passarem, e naquele instante, simplesmente não se importou de deixar o tempo passar, de estar em uma esquina no centro, de chegar tarde em casa… O tempo simplesmente ia passando. Viu o anoitecer da calçada, viu Dora atender a todos e sempre ter um sorriso e algo especial para dizer a cada um. 

Surpreendeu-se quando ouviu Dora:

— Bem, é hora de fechar! São dois ônibus até em casa.

Ela ficou na dúvida sobre o que deveria fazer, e, mais uma vez, Dora falou:

— Não se preocupe, querida. Nem pense em dar-me carona! Eu moro muito longe dos bairros chiques…

— Eu… — ela se sentiu envergonhada.

— … e tem um gatinho que estou de olho e é cobrador da minha linha. Não posso deixar você me atrapalhar!

Ela sorriu. Sentia-se por tudo grata à Dora, que parecia sempre saber o que dizer. Finalmente olhou o relógio e pensou em apressar o passo. O que ele diria? Ela nunca chegava tarde!

— Querida… — Dora falou-lhe de longe — Não se apresse. Jamais se apresse por quem não vai notar sua falta. 

Ela não disse nada. Mas lembrou o que Dora dizia sobre os conselhos que dava e pensou: “não vou precisar pagar por este conselho”. Então, foi caminhando lentamente até o carro.


Luís Augusto Menna Barreto

8.8.2020

22 comentários:

  1. Cada capítulo uma nova surpresa, bora comer batatinhas da Dora e esperar os próximos capítulos

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Bora... vou pedir duas... uma pra comer ali, jogando conversa fora e sorrindo com a Dora.... outra pra levar, e comer pensando no que Dora diria, quando a angústia. Negasse perto...!

      Excluir
  2. Eu cheguei a pensar que a Dora tinha um mistério, mas não, como eu havia dito antes ela sabe tudo!! Ela é uma pessoa com muita intuição, uma pessoa simples, e como toda pessoa simples traz consigo a autenticidade e sabedoria. Só pessoas assim deveriam ter autorização para dar conselhos... hehehe. Que venham mais conselhos!! 👏👏

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. ... e eu adorei a regra da Dora: só paga se não for segui-los...!
      Que bom que ela tenha encontrado a Dora... parece que achou um jeito de conversa consigo mesma, de “ouvir-se” por meio da Dora...!!!

      Excluir
  3. Amei o conto nmero 5.
    Pena que a mulher continua invisível para o marido.Acho que ela vai seguir o conselho da Dora...
    E Dora também com sua paixão...sera platônica?
    Vamos esperar ansiosa a continuaçaçao.
    Bom feriado e até à noite!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Até que ponto aguentamos ser invisíveis...?
      Até que pondo a vida na qual nos acostumamos consegue sufocar o amor... amor próprio, amor de quem quer "voltar a viver"...?
      Bora ver onde até onde vai....!

      Excluir
  4. Como sempre, sensacional, Poeta! O ser invisível por vezes é bom, mas, no geral é ruim. Dora sabe disso e jamais deixa que alguém passe despercebido pelo seu espaço... Tem sempre uma palavra amiga, de conforto e sabedoria popular, daquelas com as quais as pessoas comuns estão acostumadas e se identificam. Quem sabe os seus conselhos não irão aos poucos contornar a pobre situação da sua nova cliente e amiga?!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Eu penso que essas duas haverão de construir uma bela amizade... com interessantes consequências na estória!!

      Excluir
  5. As batatinhas da Dora são como um bálsamo para quem vive "invisível" num mundo de aparência. A amizade com pessoas simples é uma oportunidade pra acordar pra vida.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Niceeeee!!!! Até a Dora sentiu tua falta!!
      De fato, para Dora, ninguém é invisível!!!!

      Excluir
  6. Sempre estamos invisível pra alguém nessa vida. Dora de olho no gatinho só assim vamos conhecendo a Dora também. Vai sem pressa minha filha , vamos esperar o próximo pra saber o que vem aí!!! 👏👏😍

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Ah!!!! Dora da seus pulos, também....!!!!!!!
      Vamos ver se haverá desdobramentos...!!!!

      Excluir
  7. Conversei com a Dora, e parece que ela já me conhece.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Acho que a Dora é assim... faz a gente sentir-se um velho conhecido... como é bom encontrar pessoas assim... bora comer batatinhas??

      Excluir
  8. A Dora é iluminada.. sábia...um ser lindo!!!! Ela sabe viver!!!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Ah, essa Dora... como é bom ter essas batatinhas pra comer e dissipar a tristeza...!!!

      Excluir
  9. Só hoje pude vir ver a Dora.
    E que bela ela é, no seu jeito descomplicado de fazer deduções. Realmente nada valerá a pena fazer por quem não enxerga o outro.
    Mas haverá um novo caminho para  a personagem. Disso, eu tenho grandes esperanças...
    Belíssimo capítulo, caro Poeta!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Maria, que bom que estás fazendo amizade com a Dora... Espero que também gostes das batatinhas...!!!
      Bora comer batatinhas no próximo capítulo???

      Excluir
  10. Dora maravilhosa ,já a quero como amiga!Como não amar a simplicidade? Espero que ela seja um anjo na vida da personagem e resgate a alegria de viver. E a vida é assim mesmo, muitas vezes estamos tão acostumados com a invisibilidade que não nos damos conta da premissa de que viemos ao mundo para ser felizes.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Essa é a regra: sermos felizes... e que seja, sempre, pelo amor!

      Excluir

Bem vindo! Comente, incentive o blogue!