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quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Segundo Micro Conto de Amor /// Second Micro Tale of Love



Ela sorriu na primeira vez, há muitos anos, em que ele lhe deu uma rosa. 
E ele decidiu que amaria aquele sorriso para sempre. Então, sem que ela soubesse, aos quinze anos ele passou a cultivar um jardim, em segredo, para que pudesse sempre dar a ela as rosas mais lindas. 
E então, ela passou a juventude ganhando flores que, cuidadosamente, colocava em um copo com água, que lhe servia de vaso. Ele passou a conhecer as flores e sabia quando a rosa murcharia. E jamais ele deixou que faltasse uma flor bonita no copo que era um vaso de flores.
Então, um dia, ele foi arrancar uma rosa como todos os dias ele fazia… mas foi diferente: havia uma lágrima na rosa. 
… e ele não conseguiu arrancá-la. O copo ficaria sem flor.
Então que ele foi até a menina que ele fazia sorrir com flores. Pegou-a pela mão,  levou-a ao seu jardim e mostrou a rosa que não mais chorava e estava aberta e linda como nenhuma outra  que ele plantara ao longo daqueles anos de juventude.
… e a menina deu a ele o sorriso mais lindo que ele jamais vira em toda a sua vida.
E tempo depois, ela disse “sim" naquele jardim, que cultivaram juntos, por toda a vida, até o dia em que eles mesmos foram plantados…

(E chamaram isso de amor…!)
//


She smiled the first time, many years ago, when he gave her a rose.
And he decided that he would love that smile forever. Then, unbeknownst to her, at the age of fifteen he began to cultivate a garden, in secret, so that he could always give her the most beautiful roses.
And then, she spent her youth earning flowers that she carefully placed in a glass of water, which served as a vase. He came to know the flowers and knew when the rose would wither. And he never let a beautiful flower in the glass that was a vase of flowers.
Then one day he would pluck a rose like every day he did ... but it was different: there was a tear in the rose.
... and he could not pull it off. The glass would be without flower.
Then he went to the girl who made him smile with flowers. He took her by the hand, led her into his garden, and showed the rose that no longer cried, and it was open and beautiful like no other that he had planted in those years of youth.
... and the girl gave him the most beautiful smile he had ever seen in his life.
...
And some time later, she said "yes" in that garden, which they cultivated together, for a lifetime, until the day they were planted themselves ...
(And they called it love ...!)

Image and text by Luís Augusto Menna Barreto

segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Poesia de ver: … era amor! /// Poetry to see: ... it was love!


— Como você pode me achar linda ainda? Minhas pétalas estão secando… estou perdendo o viço…
— Eu conheço você desde sua juventude. Desde quando você não havia perdido uma pétala sequer. EU acompanhei toda sua vida. Por isso, eu acho você linda.
— Mas isso não é beleza!
— … tens razão! É maior que beleza. É amor!

///

— How can you find me beautiful yet? My petals are drying ... I'm losing my strength ...
— I’ve known you since your youth. Since when you had not lost a petal. I've followed your whole life. So I think you're beautiful.
— But that's not beauty!
— … you're right! It's bigger than beauty. It's love!

Imagem e texto por Luís Augusto Menna Barreto

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Poesia de ver: ... muro de fé!



... porque nem todos os muros separam...
Alguns unem e igualam pela fé!

Por Luís Augusto Menna Barreto 

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Poesia de ver: … flor de papel! /// Poetry to see: ... paper flower!



… parecia que havia muito trabalho… … e eu percebi que faltavam flores!
De repente com um pedaço de papel, meu dia ficou mais bonito!

... it seemed like there was a lot of work ... ... and I realized there were flowers missing!
Suddenly with a piece of paper, my day became more beautiful!



Por Luís Augusto Menna Barreto

O Mariposa a Marreta e a Pequena - parte dois (antes da parte um)

— Égua, maninha! Tá doida? 
— Desculpe, senhor, é o preço do “5”.
— Ah!, que susto! Não, tu não entendeste, mana, eu quero só um desse pequeno aqui, ó! — E o Mariposa exibia, nervoso, o desenho do perfume que o Rascunho tinha feito pra ele.
— Senhor, acho que quem não entendeu foi o senhor. O preço é de um frasco só. O nome do perfume é Chanel n. 5.
Quando o Mariposa levou o Rascunho lá na casa dele pra desenhar o perfume da Pequena, o Rascunho anotou o nome “Chanel”, mas não o número, porque achou que o número fosse “número de lote”, ou algo assim. Afinal, onde já se viu, nome de perfume com número? Perfume que é perfume tinha nome bonito, como “Leite de Rosas”, “Alma de Flores”, “Seiva de Alfazema”, ou o preferido do Rascunho: “Cashmere Bouquet”, que tem que fazer biquinho pra falar.
O fato é que a Pequena adorava aquele perfume. E pra todo lado que andava, colocava o tal!
O Mariposa, que largou a Constante depois de mais de 30 anos de vida juntos pra ficar com a Pequena, descobriu logo duas coisas: a primeira, que o problema não era a Constante! Era ele, Mariposa, que não sabia se aquietar com uma mulher! Sim, porque da Pequena, aos 26 anos, nada se podia reclamar em termos de formosura e mesmo assim, logo o Mariposa já quis se engraçar com uma morena que saía de uma festa e passou na frente do açougue do retalho, onde o Mariposa ainda tava tomando uma por volta das 2 horas da madrugada. A segunda coisa que descobriu, foi que a Pequena não era como a Constante, que até sabia das escapadelas do Mariposa, mas, cofiando que o sono do porre chegaria antes de concretizar o enlace amoroso, foi sempre foi muito tolerante. Naquela altura da vida, pensava a Constante, o mais importante era que não faltasse na mesa o açaí e a farinha. Até que apareceu a Pequena pra virar a cabeça do Mariposa. Mas com a Pequena foi diferente já na primeira vez que o Mariposa deu um cheiro numa  outra morena! Assim que chegou em casa, a Pequena nem precisou chegar perto e já saiu com uma colher de pau pra cima do Mariposa.
O alarde foi tão grande que no outro dia, tava todo mundo no Fórum. O flagrante veio como violência doméstica, ou por “Maria da Penha” que é como o pessoal chama por aqui. O Brédi Piti, preso que sempre ajuda o delegado nos flagrantes tentou avisar que era lesão corporal e que a vítima era o Mariposa, mas pro delegado, briga de marido e mulher é sempre Maria da Penha.  E ainda tinha a ameaça, mas isso nem passou pela cabeça do Delegado. A Pequena jurou o Mariposa, com colher de pau em riste!
— Doutor, eu não fiz nada — Dizia-me o Mariposa, com cara de coitado.
— Tava com outra, doutor! Admite, safado! — Gritava a Pequena.
Por via das dúvidas, pedi pro Goela pegar a colher de pau que ainda tava com a Pequena! 
No fim das contas, eu entendi também que o Mariposa não havia batido na Pequena e sim o contrário. Mas eu não me aguentei e perguntei:
— Mas Pequena, como tu tens tanta certeza que o Mariposa esteve com outra?
— O cheiro, doutor. Veio com cheiro de outro perfume! 
O Mariposa logo entendeu. A Constante nunca cheirava ele, e quando ele chegava, a Constante já tava em largo sono na rede.
Foi daí que o Mariposa fez seu plano. Ele sabia que a Pequena tinha aquele vidro de perfume que ficava guardado no roupeiro e todo dia ela botava uma gota em cada lado do pescoço. Pois um dia ele pegou o vidro que tava quase vazio, e saiu atrás de outro igual. Mas não deu jeito de achar na cidade. O vidro parecia coisa fina, e ele resolveu que na primeira ida em Belém, compraria um perfume desses, acharia de novo aquela morena e ficaria com ela em troca do perfume. 
Mas pra Belém, não poderia levar o frasco, senão a Pequena iria desconfiar. Daí que levou o Rascunho, companheiro de bilhar e de bebida, que desenhava alguma coisa, pra copiar no papel o frasco do perfume da Pequena.
E foi então que depois de mais de dez horas no navio, desceu em Belém e quis logo resolver o problema do perfume! Mas quando a vendedora disse o valor ele quase caiu pra trás, e não entendia como que a Pequena podia ter um perfume daquele, demais caro. Mas mesmo assim, decidiu que levaria o perfume. Mais do que o valor, ele se sentia humilhado pela Pequena, porque com a Constante nunca passou por algo assim. De alguma forma, ele queria sentir-se vingado. Daí, que usou todo o dinheiro que havia levado pra Belém, ficou sem almoço, sem merenda, e fez fiar a passagem da volta… mas comprou o dito!
O plano era perfeito! Iria procurar a morena, dar o perfume e chegaria em casa com o cheiro da Pequena. Pra garantir, daria um amasso na pequena antes de sair de casa, pra depois dizer que o cheiro foi do abraço.
Tudo correu como o planejado… até chegar em casa! Ele deu um amasso na Pequena antes de sair, foi pro açougue do Retalho e ficou por lá jogando bilhar e tomando uma, até que viu a morena. Foi atrás e o resto foi fácil. Quando mostrou o perfume naquela caixa tão linda, ela se entregou às carícias do Mariposa, que nem mesmo quis se demorar, porque prazer mesmo ele teria ao chegar em casa e ver a Pequena desconfiada mas sem poder acusar de nada! Pelo cheiro, dessa vez ele não iria ser pego!
Mas quando! 
Mal ele entrou e a Pequena pegou a colher de pau!
— Égua, Pequena, ta doida? É o teu perfume! É o teu perfume! É o teu perfume —, gritava o infeliz. 
— Tu pensas que eu sou besta, Mariposa, seu excomungado! Vem aqui que vou te mostrar o meu cheiro, seu patife! — e toma-lhe colher de pau e agatanhada!
Foi que no desespero, ele gritou: 
— Eu te dou o perfume! Eu comprei um novo! Eu te dou!
A pequena hesitou:
— Cadê?
— Em 10 minutos eu trago!
— Tu não entra nessa casa sem o perfume, Mariposa!
Ele voltou com o perfume! E com outros arranhões também. A Pequena até sorriu, ao ver que ele deve ter apanhado também da outra para quem ele deu o perfume e teve que pegar de volta. 
Depois que ele chegou com o Chanel n. 5 quase cheio, foi que ele descobriu!
A Pequena tinha só o frasco! Do tempo que ela trabalhou de empregada na casa de uns “gringos” que vieram “de fora” tirar madeira do Marajó. Ela achou lindo o vidro do perfume da madame, e, quando acabou, catou o frasco vazio no lixo. Mas sempre encheu o frasco com “Alma de Flores”. 
Depois dessa vez ela jurou que mataria o Mariposa se ele aprontasse de novo. Daí que deram os entreveiros que eu contei na crônica anterior… Acontece que o Mariposa errou de novo: usou Leite de Rosas!


Por Luís Augusto Menna Barreto

domingo, 16 de dezembro de 2018

Poesia de ver: … no caminho! // Poetry to see: ... in the way!




… porque não são só pedras… há flores espalhadas no caminho…!

... because they are not only stones ... there are flowers scattered along the way ...!

Por Luís Augusto Menna Barreto

domingo, 18 de novembro de 2018

O Escápula, o Martelo, o De Fundo e o Assalto


— Foi pelo desaforo, doutor.
Parecia que o Martelo ainda estava brabo!
O Escápula tava ali, sentado, sem dizer uma palavra, com o olho todo roxo e o lábio um pouco inchado. O Escápula tinha apanhado do Martelo. Bastante.
A mãe do Escápula estava lá. Furiosa. Já havia batido nele desde a delegacia. 
… batido no Escápula, não no Martelo!
Quando é o Tonelada, policial militar, que está cuidando da cadeia, na ausência do delegado e no almoço do Fechadura, ele normalmente não deixa ninguém entrar na cela pra falar com preso. Ou, se entra, ele simplesmente não deixa sair! 
Mas com a mãe do Escápula foi diferente. Quando ele viu a fúria da Das Dores, ficou amável na mesma hora, e foi logo abrindo a cela. O pobre Escápula chegou a tentar falar:
— Pô, Tonelad….
Sentiu o primeiro tapa na cabeça. E foi uma avalanche:
— Miserável! Foi pra isso que te criei, infeliz? Te falta alguma coisa em casa? Não tem sempre uma farinha e um açaí, seu escomungado? Queres matar tua mãe de desgosto? Tem "precisão" de pegar o que é dos outros…
E por aí, foi! O Tonelada chegou mesmo a pegar um banco e ficar olhando o pobre Escápula pegando tapa da mãe. 
Mas apanhar feio mesmo, ele apanhou do Martelo!
O Martelo eu conheci em Novo Progresso. Ele é pai do Prego, do Taxinha e de mais cinco filhos! Por coincidência, ele veio de Novo Progresso, no sudoeste do Pará, para o Marajó. Eu já sabia que o Martelo era brabo. E ele deixou o Escápula bem machucado.
Mas a audiência não era pra julgar o Martelo. O Martelo era a vítima! O réu era o Escápula!
Tivemos um pouco de trabalho para conter a Das Dores no fórum. Diz que* ela veio desde a delegacia, no trajeto de trezentos metros a pé, até o fórum, xingando e dando tapa na cabeça do Escápula.
Eu comecei:
— Sim, Escápula, me digas o que aconteceu! Eu tô vendo aqui que tu nunca tiveste problema com polícia, estudaste até a 4ª série**, trabalha fazendo bico de entrega na loja do Mariposa e faz carreto na beira. O que te deu de fazer isso?
— Não lembro, doutor, tava porre. Tava bebendo desde quinta, e só lembro de acordar na delegacia, com a mamãe me ralhando.
Eu tentei insistir um pouco, mas não adiantou. Ele não lembrava mesmo.
Então vou contar. A história foi a seguinte:
O Escápula começou a beber com o De Fundo, na casa dele e mais o Fila Bóia e o Cara de Cuspe. Começaram na noite da quinta, véspera do feriado de finados, que este ano foi na sexta-feira. Estava pra amanhecer o domingo, e acabou a bebida. O Escápula e o De Fundo, que ainda davam conta de caminhar, resolveram sair pra “arranjar" mais bebida. 
Foi então que viram o Martelo chegando de bicicleta em casa, com o Taxinha na garupa. Tiveram a infeliz idéia de assaltar o Martelo.
A empreitada já foi dando errado desde o início: o De Fundo já ficou caído porre no caminho. Não deu conta de chegar nem perto do Martelo. O Escápula, que nem notou isso, colocou a mão direita por baixo da camiseta e simulou que iria pegar uma arma. 
— Perdeu. Perdeu. Me dá a carteira.
O Martelo, óbvio, levou um susto e o Taxinha ficou apavorado. O primeiro ímpeto do Martelo foi reagir, porque viu que o Escápula tava porre. Mas pensou no Taxinha e resolveu entregar a carteira. 
Quando estava entregando, o Escápula viu que o Martelo tinha um celular na cintura e resolveu roubar o celular também. Enquanto pegava a carteira do Martelo com a mão esquerda (a direita estava simulando arma por baixo da camiseta)  falou:
— Perdeu o celular também. Bora.
O Martelo respirou fundo, pensou no Taxinha de novo e entregou o celular.
Mas daí que a coisa desandou: como o Escápula estava com a mão esquerda ocupada com a carteira do Martelo, foi pegar o celular com a direita…
Isso mesmo: o leso tirou a mão de baixo da camiseta e o Martelo viu que não havia arma. Olhou pro Taxinha e disse: 
— Vai pra dentro, moleque. Guarda a bicicleta e fala pra mamãe que tá tudo bem!
E a pisa começou!
Depois da pisa, o próprio Martelo ligou pro Tonelada, que recolheu o Escápula.
Já era segunda-feira, na audiência e o rosto do Escápula ainda estava bem machucado. Então, como o Martelo tava lá, resolvi conversar com ele:
— Olha, Martelo, não devias ter feito isso…
— Eu sei, doutor…
— … eu entendo que deves ter ficado nervoso, afinal estavas sendo assaltado na presença do teu filho e sei que isso pode traumatizar a cri…
— Foi pelo desaforo, doutor. — Ele me interrompeu.
— Hein? 
— Desaforo, doutor.
— Que desaforo, Martelo?
— Tava me tirando pra otário, doutor. Já fui assaltado antes. Nem fiquei muito brabo, porque foi tudo coisa de homem, doutor. O malandro tava com arma, me ameaçou mostrando o revolver e tudo. Daí tudo certo! Mas esse abestado me tirou pra otário, doutor! Quis me assaltar sem arma? Onde já se viu? Ao menos uma faca tivesse, doutor! Mas querer me assaltar sem arma é coisa de moleque! Me fez muita raiva!
Pois é: o problema não foi o assalto. Foi a falta de ao menos uma arma!
O De Fundo? Ah!, ninguém deu bola pra ele, nem o Tonelada. É comum ele ficar caído na rua depois de um porre. Ninguém nem mais estranha, na cidade. Daí o apelido: uma mistura de “defunto” com “no fundo de uma garrafa”.
Mas essa história, eu conto outro dia!


Por Luís Augusto Menna Barreto

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

O Mariposa, a Marreta e a Pequena




— A culpa… meio que é sua, doutor…
— Hein?
Ele meio que se assustou, e apertava ainda mais o velho boné nas mãos.
— É, doutor… o senhor me desculpe, sabe…?! … mas eu tentei ficar longe da Pequena.
— Como tentaste ficar longe, Mariposa? Tu estavas era preso! 
— Pois então, doutor…
— Então o quê, Mariposa? Mal saíste e já aprontaste de novo, foi te meter em confusão com a Pequena?!
— Mas por isso, doutor…
— Por isso o quê, Mariposa? Desse jeito, vou ter que decretar tua prisão de novo!
— Justamente, doutor…
Nesse momento, notei que o Goela balançava a cabeça como quem faz aquele som de “tsc tsc tsc” quando a gente ou se conforma com alguma coisa ou pensa “isso não tem jeito”.
O Mariposa, um comerciante até respeitado na cidade, chegou outro dia, todo agatanhado no pescoço, um lado do rosto, a camisa rasgada, e queria me mostrar até onde mais estava com marcas de unhas, mas eu disse que não era preciso. O Tonelada, policial que trouxe o Mariposa, disse que quando chegou na casa, tava tudo quebrado: TV no chão, geladeira virada, cadeiras quebradas.
— E a Pequena, Tonelada? — eu perguntei naquela ocasião.
— Ah, doutor, não gosto de falar… tava difícil. — respondeu o Tonelada, meio sem jeito.
— O que houve? Tava muito machucada?
— Não, doutor. Difícil foi conter a Pequena, que tava com uma marreta tentando quebrar a porta do banheiro onde o Mariposa tava trancado. A sorte é que ela não dava conta de levantar a marreta, doutor.
Quando ele disse isso, já pensei em soltar o Mariposa, mas ele logo foi falando:
— Bati na Pequena, doutor!
— O quê? Tu nunca foste disso, Mariposa! 
— Tava bebido, bati, doutor!
Ele não parecia bebido. 
— Mariposa, fala a verdade!
Ele não me olhava. Ficava com a cabeça baixa.
— Bati, doutor.
— E a Pequena? — Perguntei pro Tonelada.
O Mariposa arregalou os olhos, e olhou pro Tonelada.
Desculpa, doutor, não deu de trazer a Pequena. Ela me ameaçou com a marreta. Mas não deu conta, largou a marreta e saiu. Daí trouxe o Mariposa. Tive que arrombar a porta, porque ele não acreditou que a Pequena tinha saído.
Eu ia soltar o Mariposa. Mas antes que eu dissesse algo ele falou.
— Se eu me encontrar com a Pequena vai dar morte, doutor.
Olhei o Goela que discretamente balançou a cabeça em sinal afirmativo. 
Resolvi por mandar o Mariposa pra cadeia e o Tonelada entregou ele pro Fechadura, o carcereiro, que entregou o Mariposa pro Brédi Piti, o preso que cuida da carceragem enquanto o Fechadura toma uma e o Delegado tá viajando.
Dois dias depois, o promotor que havia substituído o anterior (o promotor Cava-Cova que cavou a própria) chegou na cidade e entendeu que nem era caso de denúncia. Pediu o arquivamento do expediente. Até porque, ninguém encontrou a Pequena. 
Então, soltei o Mariposa. E não demorou nem um dia, e ele estava ali de novo, algemado. A Pequena tinha ido parar no hospital. Daí que essa vez era grave. E o Mariposa dizendo que a culpa era minha!
Como não havia laudo, mandei o Goela correr no hospital que fica bem em frente da delegacia. Ele voltou rápido. Como não havia médico, o Goela nem falou com a técnica de enfermagem. Foi direto na fonte das notícias. Passou rápido no açougue do Retalho e soube detalhes com o Manobra, motorista da ambulância que tava lá jogando bilhar e tomando a segunda do dia, afinal, já era, quase 10 horas da manhã! 
O Mariposa tinha trocado a Constante, companheira de toda a vida, pela Pequena, com metade da idade. Mas a Pequena era braba. Bastou um dia o Mariposa chegar tarde, cheirando a Leite de Rosas, e a Pequena mostrou seu tamanho. Agatanhou todo o Mariposa e quebrou tudo na casa. Há quem diga que se o Tonelada não tivesse chegado, ou se a marreta fosse mais leve, ela tinha matado o Mariposa.
— Doutor… — ele continuou — se o senhor não tivesse me soltado tão cedo, doutor…
Hein? Pois é… o Mariposa estava me culpando, por te-lo soltado! 
— Eu também tenho culpa, doutor. Não devia ter deixado a Constante pela Pequena… e a Constante tava até indo me levar merenda na delegacia, doutor… não era pra ter me soltado.
— Mas agora tu vais preso mesmo, Mariposa! A Pequena foi parar no hospital, afinal de contas!
O Goela se aproximou. Cochichou no meu ouvido:
— Não deu conta da marreta, doutor.
— Hein? — (Foi um “hein" cochichado).
— Foi levantar a marreta pra bater no Mariposa e deixou cair no pé. Tá lá no hospital com o pé quebrado e jurando o Mariposa.

Por Luís Augusto Menna Barreto



domingo, 14 de outubro de 2018

Poesia de ver: … rio de gente, rio de fé! // Poetry to see: ... river of people, river of faith!


Antes era só uma rua...
Before it was just a street ...



agora é um rio...
now it's a river ...



um rio de gente...
a river of people ...



um rio de fé...
a river of faith...


"Esse rio é minha rua, minha e tua..."
"This river is my street, mine and your ..."

By Luís Augusto Menna Barreto

sábado, 15 de setembro de 2018

Eu, o Pilha e os Brinquedos de Deus - um contículo do Pilha


Eu não entendia direito. Desde que eu me conheço por gente, tudo que encontro pela rua, posso pegar. Daí, quando não quero mais, deixo na rua e outra pessoa pega. Ou fica ali, até sumir. Porque eu acho que “coisa” é como “gente”: quando fica jogada na rua, e ninguém se importa, vai sumindo até que morre...!
Um dia eu tinha chegado no parquinho antes do Pilha, e fui pra nossa árvore. E vi que o Ranho, um garoto que mora num prédio na frente do parquinho, tava brincando com alguns carrinhos, na areia. A mulher que sempre leva ele lá, tava sentada cutucando o celular, igual sempre faz. E o Ranho lá, sozinho. Daí, ele levantou e foi pegar biscoitos na bolsa que tava ao lado da cutucadora de celular. 
Ele deixou os carrinhos jogados na areia, e tinha um amarelo, que eu tava olhando há um tempão. Daí, como ele deixou na areia e saiu, eu fui até lá e comecei a brincar com o carrinho. 
Então, de repente, eu só senti a mão da cutucadora de celular no meu braço, pegando forte e mandando eu largar, me chamando de ladrãozinho.
Eu não entendi, eu não tava roubando nada! Fiquei assustado e comecei a gritar. Ela não me largava… daí, senti que alguém me puxou e nós dois caímos pra trás!
— Corre, mané!
Era o Pilha! Corremos pra nossa árvore! Eu fiquei muito assustado! Parece que eu ia vomitar meu coração, porque parecia que ele tava batendo no meu pescoço! Eu olhei pro Pilha e ele tava com um baita arranhão no braço! Aí ele foi naqueles galhos mais altos que eu tenho medo de subir! Ele olhou pra mim e disse:
— Por isso que eu gosto de brincar na árvore! Ela é um brinquedo feito por Deus! E nos brinquedos que Deus fez, ele nos deixa brincar!

Por Luís Augusto Menna Barreto 

sexta-feira, 7 de setembro de 2018

A prisão do Rui Barbosa, do Merece e do Ruela

— … tu tens que ir lá, Goela, pelo amor de Deus! Só tu pode resolver isso, vai lá!
Era a Milagres chorando as pitangas para o Goela. O Merece, seu filho, havia sido preso… de novo! Por briga… de novo!
— Tá doida que eu vou lá, Milagres?! Tu já não pediste pro Ruela ir?
Ruela era o filho mais velho da Milagres. Merece, o mais novo. Entre os dois havia outros cinco!
Houve uma briga no campo de futebol, durante o campeonato da cidade… daí, o Merece, que sempre foi esquentado, foi um dos que puxou a briga. A PM fez o de sempre: como o efetivo total era de dois homens (50% do efetivo da cidade), ficaram só olhando. Viram quem começou e esperaram… quando os brigões começam a cansar, eles entraram com o cacetete na mão e pronto! O pessoal mais esperto saiu correndo. Eles foram direto em quem começou abriga e recolheram!
Daí que o Merece foi preso.
Quando chegou a notícia, à noitinha, para a Milagres, ela quase desmaiou, subiu a pressão, tiveram que abanar, dar água com açúcar, essas coisas… daí que a Milagres mandou o Ruela, filho mais velho, à noite mesmo, na delegacia, ver se fazia alguma coisa.
Quando o Ruela chegou lá, o delegado não estava. Estava só o Brédi-Piti (que é um preso que toma conta da delegacia quando tá respondendo algum processo) e o Tonelada, um dos policiais que prenderam o Merece. O carcereiro Fechadura tinha ido para o Canaticu*, numa diligência. Daí que o Tonelada resolveu ficar ali, esperando, porque não confia em preso cuidando de preso. 
Quando o Ruela chegou, pediu pra falar com o Merece, pra ver o que tinha acontecido. O Tonelada, foi estranhamente gentil:
— Ah, pois não, podes vir. — E foi entrando na carceragem, na ala das duas celas da delegacia, uma de frente para outra com um corredorzinho no meio. O Tonelada foi na frente, abriu a cela e o Merece tava lá, com o rosto inchado, deitado no papelão que é a “cama" daquela cela. O Ruela, vendo o irmão, foi entrando. Quando estava bem na porta, o Tonelada colocou a mão nas costas do Ruela, deu um empurrão nele e trancou a cela!
— Tá pensando que é colegial?, vindo buscar o irmãozinho que brigou? Vai ficar aí, pra aprender!
— Mas Tonelada, eu não fiz nada, abre aqui!
— Espera o delegado chegar!
O delegado só voltaria na quarta-feira, e era domingo, ainda!.
Quando chegou a notícia que o Ruela ficou preso com o Merece, a Milagres foi levada para o hospital. Chamaram até a ambulância, mas o tempo que o Manobra, motorista da ambulância, levou para achar a chave, já haviam levado a Milagres num “carro de mão” (daqueles que os carregadores da beira usam para fazer os fretes do navio até os comércios!
Pois foi lá no hospital que apareceu o Rui Barbosa. Rui Barbosa não era nome, era apelido. Filho do Mariposa, um homem abastado na cidade, o Rui Barbosa, nascido João Paulo de Deus, resolveu que iria estudar direito. E foi-se pra capital. Em Belém, cursa direito e fica durante todo o período letivo por lá, voltando pro Marajó nas férias. Na primeira vez que voltou, já veio com um livro embaixo do braço: “Oração aos Moços” de Riu Barbosa. E inventou de querer ler para os amigos. Na terceira linha o pessoal começou a bocejar e no meio da primeira página alguém gritou: “cala a boca, Rui Barbosa”. Pronto. Virou Rui Barbosa. Estava já no sexto semestre de direito. E era sobrinho da Milagres. Foi ver a tia no hospital e ela logo pediu para ele ver se fazia alguma coisa pelo Merece. Lá foi o Rui Barbosa. 
— Boa noite, Policial. 
— Tá de onda comigo, Rui? Te conheço desde moleque e tu sempre me chamaste de Tonelada. O que é que tu queres?
— Falar com meu cliente.
— Teu o quê? 
— Meu cliente, seu Policial! O cidadão que está com a liberdade cerceada por ato arbitrário encontrando-se ilegalmente segregado.
O Tonelada não entendeu coisa nenhuma: 
Tu estás querendo falar com o Merece?
— Isso, com o cidadão Virgílio Augusto de Deus Filho! (Era o nome do Merece).
O Brédi deu uma risadinha discreta. O Tonelada ficou gentil de novo!
— Pois não, doutor, por aqui!
Ter sido chamado de “doutor" arrepiou o Rui Barbosa que sentiu uma indescritível emoção! Entrou garboso pelo corredor da carceragem. Tonelada abriu a Cela. Colocou a mão nas costas do Rui Barbosa…
… isso! Exatamente. Estavam presos, agora, o Merece, o Ruela e o Rui Barbosa. E a Milagres chorando para o Goela.
— … mas tu não mandaste também o Rui Barbosa lá na delegacia, Milagres?
— Foi, Goela… E agora estão os três presos Por lá. Faz alguma coisa pelo amor de Deus!
— Vou fazer sim: vou é ficar longe da delegacia! Tu tá é doida de pensar que eu vou lá! Se o Tonelada já prendeu três, pra prender quatro é um instantinho!. 
Mas enfim… Milagres incomodou tanto o Goela, foi segurando a manga dele até o fórum, que o Goela disse:
— Tá, Milagres, vou fazer o seguinte: vou falar com o doutor. Ele que veja o que vai fazer!
A Milagres aparentemente se conformou com aquilo. Mas não foi embora. Foi pra praça e ficou no banco que fica de frente para a entrada do fórum. 
— Doutor…? — Foi abrindo a porta e já falando sem pedir licença. 
Eu estava lendo um processo. Nem levantei a cabeça, mas levantei os olhos por cima do óculos.
— Doutor, a Milagres vai fazer onda. 
— Hein?
— Seguinte, doutor: o Merece brigou na bola e o Tonelada prendeu, daí a Milagres disse pro Ruela ir buscar e o Tonelada Prendeu, daí a Milagres falou com o Rui Barbosa, e o Tonelada prendeu… ela vai vir aqui fazer onda.
Eu confesso que não entendi nada. Fiquei um instante olhando pro Goela.
— Diz que a Milagres tá vindo aí, doutor. Diz que tá sentada na praça esperando a Maria Sem Sossego pra ficar gritando “justiiiiiiiça" na frente do fórum, até o senhor fazer alguma coisa.
Ai, ai, ai… Eu lembro que o dia estava bem calmo no forum. Mal se ouvia as conversas da Tutela com a D. Boneca, na cozinha do fórum, não tinha nenhuma audiência para aquela manhã… enfim, era um dia tranquilo. Daí fiquei imaginando a Maria Sem Sossego gritando na frente do fórum, no sol, a manhã inteira, segurando um cartaz de alguém que deu um litro de açaí pra ela ficar gritando e fiquei com os cabelos da nuca arrepiado! Daí pensei que ter que aguentar duas gritando na frente do forum seria demais!
— Chama o delegado!
— Tá em Belém, doutor!
— Chama o Fechadura!
— Tá pro Canaticu!
— Chama o Tonelada!
— Doutor, o senhor me desculpe: o Tonelada prendeu o Merece; o Ruela foi lá, ele prendeu o Ruela;  o Rui foi lá, ele prendeu o Rui… vô nada, doutor! 
Ai, ai, ai….
Pensei na calma da manhã… imaginei a Maria Sem Sossego e a Milagres gritando na frente do fórum… 
— Bora! Mas tu vais comigo!
Resolvi levantar e ir até a delegacia que ficava uns trezentos metros de distância.
O Goela caminhou todo percurso ao meu lado, com a cabeça toda em pé, cumprimentando quase todos com gritos… mas quando chegamos no portão da delegacia, ele foi ficando pra trás, e não deu nem um pio.
Reconheci o Brédi Piti, que eu havia determinado a prisão por uma briga, varrendo a frente da delegacia. O Tonelada tava sentado, de olho no Brédi. Quando me viu, ficou em pé da maneira mais rápida que seus 120 quilos permitem!
— Doutor, ele está varrendo, mas estou de olho nele!
— Relaxa, Tonelada. Vim ver os outros. O…
— Merece, Ruela e Rui Barbosa! — O Goela falou por cima do meu ombro. Achei que o Tonelada fuzilou ele com os olhos.
— Tão presos, doutor!
— Eu sei, Tonelada. Quero falar com eles!
Foi então que o Tonelada mudou de atitude! Ficou gentil de repente:
— Ah, doutor, pois não, venha por aqui! — O Tonelada tirou a cadeira da frente e abriu passagem indicando onde era pra eu ir. 
O Brédi Piti arregalou os olhos. O Goela nem passou da porta da ala da carceragem!
Quando o Tonelada pegou a chave da cela, os três começaram a falar ao mesmo tempo.
— CALA A BOCA! — Assim, gritado. Até o silêncio ficou quieto!
O Tonelada abriu a porta, e eu fui entrando! Os olhos do Brédi Piti quase saltaram das órbitas. Nunca vi o Goela em silêncio por tanto tempo.
Aquele dia foi estranho! Por um momento, eu podia jurar que senti a mão do tonelada em minhas costas, quando eu estava na porta da cela! 
E nunca vi presos saírem da cadeia em tanto silêncio.

Por Luís Augusto Menna Barreto


*Canaticu é um rio do arquipélago do Marajó, que leva a comunidades distantes até 12 horas de viagem de barco, da sede do Município de Curralinho.