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quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

bora cronicar - O Próximo

Bora Cronicar

O Próximo

Eu tive um professor numa escola técnica, que se chamava “Máximo”. E o mais curioso é que ele tinha baixa estatura. E ele mesmo tirava onde de si, apresentando-se: “Eu sou o Máximo”! 
Para quem não o conhecia, isso podia soar estranho. Para mim, criança, soava engraçado. E eu demorei um pouco a entender que era realmente o nome dele. Era um professor querido por todos. Ou ainda é! Espero que esteja vivo e bem, porque era realmente uma boa pessoa, dessas que a gente torce que nunca deixe de existir.
Conheço, também, um colega chamado Prócion! Excelente amigo e grande juiz. Estou falando em nomes, porque eu nunca conheci um “Próximo”. Com nome de “Próximo”. O mais perto de “Próximo" é mesmo meu colega Prócion! E eu sempre me diverti pensando que eu gostaria de conhecer ao menos um “Próximo”, para poder personificar o tal de “próximo”. Aquele que frequenta discursos de pessoas boas, discursos politicamente corretos, discursos que tendem a transformar-nos em uma  pessoa melhor. Você certamente já ouviu: “temos de ajudar o próximo”; “ama o próximo como a ti mesmo”… e eu sempre tive muita dificuldade de entender quem era o próximo!
Eu lembro que quando eu era criança e morava na Rua Santana, em Porto Alegre, perto de casa havia uma padaria que a mãe todos os dias ia comprar leite e pão. Naquele tempo, tempos de leite de saquinho, tinha de comprar todos os dias e o leite tinha validade de um dia para o outro. E era vendido em sacos plásticos de um litro. Daí, a gente chegava em casa, e colocava o saco numa espécie de “pote com alça”, um “porta leite de saquinho”. Anos depois, veio o “leite B” em garrafinhas bem mais caras e que duravam quase uma semana! E, tempos depois, veio o leite de caixinha, que temos hoje, que duram pra sempre, desde que não passe de seis meses. (E eu fico me perguntando, o que teria acontecido com o fabricante de “porta leite de saquinho”?)
Mas enfim, eu estava contando da padaria na Rua Santana! Às vezes a mãe me levava na padaria e, enquanto estávamos na fila, eu ouvia uma pessoa gritando: “próximo… próximo…”. Naquele tempo, eu entendia menos ainda esse negócio de próximo, e eu achava que o tal "próximo" era alguém. Até que quando a mãe estava na ponta da fila, gritavam “próximo" e a mãe ia. Eu ficava assustado, porque não era ela que estavam chamando. Tanto que a mãe quase nem falava nada, e já ia embora. Eu não entendia o que conversavam, mas eu achava que o moço do caixa explicava pra ela, que não era ela, a D. Zélia, que ele chamou, e sim o tal “próximo”.
Depois, fui crescendo mais um pouco e sempre escutando essas tais conversas sobre o “próximo”. Quando eu fui do grupo escoteiro, eu já tinha noção que “próximo" não era exatamente uma pessoa como eu achava na infância. Quando falavam que o escoteiro pratica uma boa ação por dia e está sempre pronto para ajudar o próximo, eu entendia… até chegar nessa última parte! Quem, afinal, é o “próximo”. Não, não uma pessoa com esse nome… mas ainda assim eu queria saber quem, entre os Joãos, Josés, Marias, Antônios e Ranolfos seria o meu próximo. 
Porque observando atentamente as filas, fui criando uma noção de que o “próximo" significava o “seguinte”, aquele que estava na ponta da fila era sempre o próximo. Próximo era como o campeão da fila, a pessoa que estava em primeiro lugar, aquela que todos os demais invejavam, aquela que todos queriam roubar o lugar: todos queriam ser “o próximo” naquela fila. 
Mas quando falavam em amar o próximo como a si mesmo e eu estava na fila, eu não entendia. Eu tinha que amar o cara que estava na ponta e o caixa o chamaria? É o cara da ponta da fila do check in no aeroporto que eu tenho que amar como a mim mesmo? E a história de ajudar o próximo? Eu tinha que ajudar todos os que estavam na ponta das filas? Todos os que tinham o bilhetinho com o número da senha, os que estavam “na vez”…? 
O que sei é que o tal do “próximo" sempre assombrou meus pensamentos. 
Daí, que outro dia eu estava na loja que fica em frente ao Fórum de Ananindeua, Pará, uma loja que se chama “Nei Variedades” e eu acho o nome muito apropriado. Não pelo “Nei”, mas pelo “Variedades”, porque tem de um tudo por ali: de brinquedos a grampeador de papel, de relógio de parede a echarpe, de bóia de piscina à panelas… tudo.
E para pagar, existe uma “ilha" com quatro caixas, no meio da loja. Normalmente, duas caixas estão atendendo e se formam duas filas, mas se as filas ficam grandes, abre mais um ou dois caixas. E não tem esse negócio de fila única. O sistema é antigo: uma fila para cada caixa e torça pra sua fila andar rápido! 
Pois eu estava na fila do caixa no “Nei Variedades” e estava distraído lendo um e-book no celular quando fui despertado por um quase grito: “Próximo!”. Eu estranhei! Os dois caixas que estavam atendendo estavam ocupados! “Ei, Próximo!” Fiquei nervoso, até! Meu Deus, ninguém se mexeu na fila! Será que mudou a forma com que se chama o primeiro da fila e não me avisaram? 
Dali há pouco ouvi o som peculiar de mãos batendo em costas em um abraço! 
Há, afinal, um “Próximo”! E ele trabalha no Nei Variedades! Alguém finalmente o reconheceu, chamou-o e abraçou-o! O mistério de toda a minha vida, foi resolvido! Descobri o Próximo! E ele trabalha no Nei Variedade!

Luís Augusto Menna Barreto

14.2.2019

18 comentários:

  1. Hahahahahahaha

    Adoro esse cotidiano que tanto nos anima. Cenas "simples".
    Simplesmente fértil de sentido.
    Contaste muito bem!

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    1. Eeeeeeeeessa que era a ideia do “bora cronicar”!! Exatamente essa: trazer o cotidiano pro blogue!
      Bora cronicar!!! Obrigado, Silvia!

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  2. Ah, que delícia num mundo tão denso e triste, ainda sacudido por tantas tragédias ,ler uma coisa tão doce e divertida!! Simplesmente amei! Obrigada poeta!

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    1. Obrigado eu!!!!!
      A idéia é essa: trazer um cotidiano leve, pra acompanhar o café!!
      Um milhão de obrigados!! Voltes sempre!!

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  3. Espetacular!!!amanheci rindo litros com essa cronica, divertidissima, fico imaginando a cena quando criança chamavam o proximo e quando adulto achaste na nei o proximo rsrs,as manhãs se tornaram mais alegres.Aplausos honrosos ao senhor sempre!!! #boracronicarcommenna

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    1. Aplausos a ti e a todos os amigos que visitam o blogue e estimulam literatura...!!!
      É tão bom sentir esse carinho!!!
      Obrigado!!!!

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  4. Maravilhoso participar desse cotidiano, que é seu , mas é NOSSO tbm . Bonitinho seu questionamento infantil, quem é esse próximo? E no final acabou encontrando um Próximo de verdade, é, ele existe, e bem próximo de você rsrsrs #boracronicar

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    1. Como disse um amigo pelo Twitter: se na Nei Variedades tem de tudo, tem que ter um “Próximo” também!

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    2. Essa NEI VARIEDADES é completa mesmo né? Rsrsrs muito bom poeta

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  5. Sabe!! Esse cantinho aqui funciona como uma terapia pra mim...De verdade!! Depois de uma manhã cansativa,chegar em casa e ler esses 'causos' do cotidiano do Menna é de uma leveza!!! Adorei a história do "próximo"...E já ansiosa para amanhã... Abraços!!

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    1. Ah... serve pra nós dois... porque pra mim, terapia é receber toda essa gentileza....!!!!!
      Sempre bem vinda, MICHELLE!!!

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  6. Pois é....cada nome que colocam nas crianças!Crescemos com tantas dúvidas e mesmo com os fatos tão evidentes,não percebemos!
    Ser criança e mesmo crescendo com pequenos dilemas ou para outros enormes,encontrar as respostas é uma benção!
    Meu próximo pode ser o último da fila, a ordem não importa!
    O que importa é identifica-las!
    Amei como usou o teu Próximo para mostrar o meu!
    Beijo com carinho!

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    1. E eu amo essa experiência maravilhosa que é conversar, jogar conversa fora, reunir os amigos pra cronicar!!
      Obrigado, Ana, por sempre vires aqui deixar um oi...!!!!!!! Eu fico feliz demais!!!

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  7. Kkkkk viajei até a época antes do saquinho de leite com esta crônica Menna, lembra do litro de vidro antes do saquinho? Deixavam pao e o litro "de vidro" em uma caixinha embutida na parede ao lado do portão. E ninguém mexia!!! Adorei a crônica! 😊👏🏼👏🏼👏🏼

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    1. Ah!, eu lembro... na minha rua, algumas casas recebiam o leite em garrafas de litro, que ficavam na porta da casa (as casas não eram cercadas por grades) e ninguém mexia...! Era um tempo maravilhoso...!!!!
      Obrigado amiga Sônia!!!

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  8. Ao próximo tudo aquilo de bom que desejo pra mim. Servindo serei servido e na visão do amor que o amanhã nos traga as primícias da vida eterna.

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