sábado, 10 de fevereiro de 2018

UM CONTO DE FÉ - parte 4 - final

UM CONTO DE FÉ
Parte 4
Ele segurava na mão de Sil, que apertava forte a sua…
Quando ele perguntou a Sil, o que Sil estava fazendo antes de ele o ver, Sil não respondeu… Uma lágrima rolou pelo olho de Sil, em meio a um sorriso que fora fruto de muito esforço.
Ele olhou diretamente nos olhos azuis de Sil. E Sil sabia o que aquele olhar perguntava, mais do que as palavras poderiam perguntar. 
Sil, por muito tempo não escondeu sua indignação. Não entendia os porquês. Sentia simplesmente uma grande revolta consumir a si, de dentro pra fora. Sil não entendeu e não aceitou a doença. Queria que a mãe dele estivesse ali, que ela pudesse segurar a mão de seu companheiro. Sil sabia que ela diria as palavras certas e até mesmo o silêncio dela seria o certo. Mas a doença agiu nela de forma silenciosa, e roubou-a, como Sil dizia, de forma inesperada, deixando como legado a seu companheiro, o fardo de cuidar do pai, atacado antes que a mãe pela doença e, sem que houvesse explicação médica adequada, a doença recuou. Mas deixou o pai dele semi inválido, e, com a morte da mãe, coube ao companheiro de Sil cuidar do pai, porque desde muito tempo, sequer tinham notícias do irmão mais velho, desde a última vez em que se havia solto da prisão.
Foi um momento tenso de decisões. Eles haveriam de separar-se, ou ele teria de contar ao pai. E mesmo contando, talvez ainda assim, houvesse a separação. 
Foram dias de tensão para Sil. Mas sempre que Sil olhava pra ele, havia um sorriso e uma força nele, que Sil não sabia explicar. Ou, talvez, Sil já tivesse, há muito, atentado para a explicação, mas simplesmente não queria aceitar, porque não havia sentido. Era uma explicação que não se explicava.
Ao fim do velório da mãe, ele foi conversar com o pai. Normalmente, quando ele tinha que visitar o pai, ou ter conversas mais sérias, Sil deixava-o a um quarteirão de casa, e ia té um bar, onde o esperava, tomando algumas cervejas e lendo um livro. 
Seu pai estava sentado na cadeira de rodas, com olhar grave. Não havia derramado uma lágrima sequer. Manteve-se sério durante todo o velório e enterro. Ele sequer lembra de ter visto alguma vez, o pai chorar.
Sempre achou difícil sustentar o olhar de seu pai, que jamais deixava de olhar nos olhos de seu interlocutor. Muitas vezes tentou falar algo para o pai, e desistiu assim que o pai encarou-o. 
… foram anos de angústia… mas não pode mais adiar. E já não queria guardar essa culpa. Não culpa pelo que era, pelo que sentia. Não queria guardar a culpa de não haver falado para seu pai. 
Não sabia como dizer. Então, disse da única maneira que conseguiu:
— Pai, eu tenho um companheiro. Moramos juntos há anos. Mamãe gostava dele. O senhor conhece-o. Já o viu algumas vezes… A verdade, a minha verdade, é eu sou homossexual.
Não conseguiu mais sustentar o olhar. Baixou os olhos. Esperou a reação do pai.
… sim, foram anos de angústia imaginando aquele momento. 
Mil vezes, pensou em como seria. Imaginou mil reações diferentes. Quando ainda morava com os pais, esteve preparado até mesmo para ser expulso de casa. Esperou a bofetada. Castigos. Esperou até mesmo ser negado. 
… mas, definitivamente, ele não estava preparado para a intensidade da reação que recebeu:
Como não ouviu nenhuma explosão ou acesso de ira do pai, levantou os olhos.
Pela primeira vez em sua vida, viu uma lágrima no rosto do pai. Em seguida, aquele velho em uma cadeira de rodas, que para ele sempre fora a melhor representação de impassividade, abriu os braços. No mesmo instante, muitas lágrimas inundaram-lhe o rosto e ele precipitou-se aos braços do pai, como sempre desejou faze-lo desde a infância. Sentiu os braços do pai a envolver-lhe. E, pela primeira vez, ouviu seu pai dizer-lhe aquela palavra:
— Obrigado.
Sentiu o pai suspirar como quem se livra de um enorme peso.
— Esperei minha vida inteira, que você sentisse que poderia contar-me… obrigado, filho…
… 
Naquele dia, quando foi procurar por Sil, não o encontrou no bar…
Foram alguns meses tranquilos, em que os três conviveram em harmonia e seu pai até mesmo jogava xadrez com Sil.
O pai morrera, finalmente, quase um ano depois da mãe. Porém, ele e Sil, não tiveram muito tempo.
Agora, no mesmo hospital, estavam de mãos dadas. 
Ambos sabiam, que seria ali, naquele momento, naquele quarto, os últimos instantes juntos, as últimas palavras. Era uma despedida.
Ele segurava na mão de Sil, que apertava forte a sua…
Quando ele perguntou a Sil, o que Sil estava fazendo antes de ele o ver, Sil não respondeu… Uma lágrima rolou pelo olho de Sil, em meio a um sorriso que fora fruto de muito esforço.
Ele olhou diretamente nos olhos azuis de Sil. E Sil sabia o que aquele olhar perguntava, mais do que as palavras poderiam perguntar.
Sil queria contar-lhe muitas coisas… mas sabia que não havia tempo. Queria ter-lhe contado que naquele dia em que não estava no bar, entrou em uma igreja. Queria  também perguntar-lhe que milagre havia pedido anos atrás, na capela daquele mesmo hospital… 
Eram as últimas forças. Sil sabia que seriam as últimas palavras trocadas. Desde que descobriram a doença, ambos sabiam que chegaria aquele momento. Por muito tempo, pensou quais palavras seriam as certas para aquele instante último, da última troca de olhares, do último toque de mãos… 
Então, Sil apertou-lhe a mão muito mais forte. E disse, olhando nos olhos dele:
— Eu te aceito, Senhor Jesus, com todo meu coração, com toda a minha alma, como Senhor da minha vida, e da minha salvação…
Sil viu a lágrima rolar-lhe pelo rosto. Viu os olhos dele brilharem pela última vez. Viu-o expirar em paz.
Deus realizara em Sil, o milagre que havia sido pedido há muito tempo atrás.

Por Luís Augusto Menna Barreto





18 comentários:

  1. Um desfecho meio triste, mas é como sempre acontece na vida, a vinda da implacável morte. Mas o que já estava claro para os dois personagens, de certa forma foram felizes, até obtiveram a aceitação do pai durão. Um conto descrevendo a vida e suas mazelas. Muito bom poeta, parabéns.

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    1. Obrigado, guria... minha intenção era manter o foco no que parecia óbvio... mas revelar que o milagre era pedido nunca fora a cura da vida... era algo muito maior: a SALVAÇÃO da alma de quem ele amava!

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    2. A cura da alma, já que a do físico não seria possível , não?

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    3. Acho que mais altruísta que isso: a cura de Sil, que ficaria... a salvação de Sil, que ele amava e era (ou pensava ser) agnóstico!

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    4. Os relacionamentos são finitos na vivência e infinitos nos sentimentos construídos nos laços entrelaçados das figuras do tempo do qual não temos poder.

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    5. Exato... e o tempo de Deus, só Deus o revela!

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  2. Que conto lindo!! Emocionante!! Que desfecho...foi em paz, com a alma curada!!

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    1. Amem!!!!
      Suuuuuuper obrigado Camila e Murilo!!!!!!!!!!
      Fico tri feliz mesmo!!!!!!

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  3. Foi lindo, ver a aceitação tão emocionada do pai a esse filho, que tinha tanto medo que a reação dele fosse negativa.
    Muito bom desfecho, Poeta!!!!
    É isso mesmo... devemos aceitar as pessoas como são!!!

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    1. O grande barato, o segredo, é o respeito... ou dizendo de outra forma, o segredo é simples: amar o próximo como a ti mesmo e a Deus sobre todas as coisas!!

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  4. É verdade, Poeta!!!
    O amor vence todos os preconceitos... todas as barreiras. E é isto que tanto falta neste nosso mundo. Se amássemos e respeitássemos mais o próximo... haveriam muito menos consultórios de Psicólogos e Psiquiatras, lotados.

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    1. ... ah... e podes ter certeza que haveria mais abraços e menos lágrimas!!

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  5. Que mundinho esse da nossa realidade, hein, meu escritor?!
    Tão pequeno... Tão pobre...
    A ponto de a orientação sexual de uma pessoa, por ser homoafetiva, ter a necessidade de tornar-se um segredo a ser REVELADO. É como se as pessoas que têm o sentimento da sexualidade voltado para pessoas do mesmo sexo amassem de forma diferente. Como se elas tivessem um outro tipo de amor.

    E na verdade, todos, até os homofóbicos mais homofóbicos, sabem que amor é amor. Sabem que ninguém nunca fez opção para a orientação da sua sexualidade. Sabem que ninguém é heterossexual porque assim quis; bem como é homossexual porque assim preferiu.

    Pela crença no DEUS em que tenho FÉ, ouso dizer, sem medo algum, que a homofobia é um PECADO ENORME pela falta da caridade. Onde ou em quem não está a CARIDADE, DEUS aí não está.

    Mas mesmo assim, em nome de um "deus" muita gente discrimina e condena tantas pessoas que homoafetivamente se interagem e se AMAM.

    Que "deus" é esse?????!!!!

    Por certo, não é esse o DEUS no qual tenho FÉ. Esse não é o DEUS CRISTÃO, pois o DEUS que se fez homem aqui na terra, com o nome de JESUS, é PURA MISERICÓRDIA, PURA CARIDADE, PURA INCLUSÃO.

    XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX

    Perdão amigos! Não me contive e escrevi demais.
    Perdão,meu querido amigo Luís!
    Um abraço!

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    1. Mas aí é que tá: o "segredo", enfim, não era a homossexualidade... porque isso tava óbvio desde o início... o segredo era o MILAGRE... era a CONVERSÃO!
      O "segredo" do personagem, era segredo apenas para si, tanto assim, que até o pai já sabia e esperou, com paciência, pelo filho sentir-se à vontade para falar-lhe...
      ... o segredo do CONTO era a CONVERSÃO... pela fé dele, Sil converteu-se...
      O segredo era o MILAGRE que havia sido pedido desde o primeiro capítulo...!
      O barato todo era esse... revelar que a FÉ converte!

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    2. É, eu sei.Eu entendi.

      Mas o que me deu vontade de falar foi sobre a PREPOTÊNCIA de algumas pessoas heterossexuais. Ou... pretensamente heterossexuais.

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  6. Pelo amor a Deus o ser humano transcende quaisquer limites materiais. O fim foi bem humano, mas pra mim de extrema felicidade!

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    1. Mas barbaridade...!!! Fico imensamente satisfeito! A ideia era essa.... apresentar um milagre de um jeito assim: humano!!!!!

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