Anteriormente nos dois primeiros atos de “O Mercador”
"Mercador: (para o público) Ah… de joelhos e implorando! A gula é-me tão útil! (Voltando ao Acidentado 2) Imploras?
Acidentado 2: (aos pés do Mercador) Imploro. Estou faminto. Dê-me a fruta e eu te darei qualquer coisa!
(Fim do 1º ato.)
Mercador: Veja… o preço que ele pagou foi muito alto.
Acidentado 1: Mas… mas eu… (bocejos) eu preciso… (cai de joelhos) Eu te imploro!
(Efeito sonoro e de luz, ilustrando o triunfo - O Mercador sorri)
…
(Fim do 2º ato)
_______3º ato: avareza_______
(Abre a cortina, o Acidentado 1, tal qual o acidentado 2, pende em uma espécie de cabide, com uma placa de “vendo ou troco”. Novamente, em off, o barulho do atendimento do acidente… sirenes, confusão… as luzes por trás das coxias, sugerem luzes de giroscópio. O Mercador atento às vozes em off, e o Ajudante chega com uma prancheta. Mercador examina os dados)
Mercador: este não será tão simples. Mas eu adoro um bom adversário!
(Barulho de descargas elétricas de desfibrilador”)
Voice off 1: Vamos… vamos! Reaja!
(Mais descargas… param as descargas. Barulho de lona)
Voice off 1: (Decepcionado) Perdemos mais um…
(Entra a Acidentada 3. As vestes - a alma - rasgadas e sujas).
O Mercador: Ora, seja bem-vinda. Chegaste no melhor momento do ano!
Acidentada 3: (Olhando desconfiada. Entra e examina as almas penduradas). Quanto está?
O Mercador: Um pechincha: Vinte e cinco mil dólares, apenas um dólar por dia, com a garantia de que viverá até os 70 anos de idade. Veja: 70 anos x 365 dias, são vinte e cinco mil, quinhentos e cinquenta dias! Há um desconto de quinhentos e cinquenta. Um excelente desconto, mais de vinte por cento!
Acidentada 3: (Sempre séria, sem mudar a expressão). Não vale isso. Nem perto!
O Mercador: Mas veja, menos de um dolar por dia de vida! Uma pechincha! Não achará nada melhor que isso!
Acidentada 3: Tu não estás contando com o imponderável!
O Mercador: “Imponderável”?
Acidentada 3: Hospitais sem assepsia… isso se tiver a sorte de nascer em um hospital! O índice de mortalidade infantil é absurdo…
Mercador: Ora, mas posso providenciar para nasceres num hospital particular! Coloco-te em uma família em que os pais que terão plano de saúde! Terás a melhor equipe de maternidade, se escolheres uma dessas almas!
Acidentada 3: Ainda assim: muito suicídio infantil não divulgado, por bullyng. E os perigos para crianças: pervertidos, pais irresponsáveis com armas carregadas em casa, animais bravos, venenos guardados ao alcance das crianças. Morrendo antes dos 12 anos, seria muito prejuízo pagar uma alma ao preço de vida dos 70 anos!
Mercador: Vejamos… eu posso, então, fazer um preço especial: 18.000 dólares! 1 dólar por dia até 50 anos, e o que viver a mais, é brinde!
Acidentada 3: Não vale isso! Veja: está flácida (referindo-se à alma do ator gordo). Se resistir à infância, está sujeita a problemas cardíacos, diabetes, problemas ósseos… Não chegará aos 35!
Mercador: Ora, mas vejas esta outra: em forma. Sequer estava muito usada, era uma alma preguiçosa! Faço o mesmo preço: 18.000 dólares.
Acidentada 3: Não vale! Cada vez mais, o mundo está perigoso: guerras, desastres naturais… epidemias e pandemias…
(O Mercador não se contem e sorri)
Mercador: Obrigado… eu me esforço!
Acidentada 3: … enfim… viver é um risco muito grande. Nascemos para o sofrimento, não para realizações. Deveríamos receber, em vez de pagar por uma alma!
Mercador: (Fingindo pensar no assunto). Bem… Eu te farei uma irrecusável oferta, então: leve as duas almas, por 4.000 dólares! É o preço de uma alma, a um dólar por dia, até apenas os 12 anos! O que vier depois da infância, será brinde! E tu levas, ainda, uma alma de reserva!
Acidentada 3: (examinando as duas almas penduradas) Bem… ainda assim, acho que não vale. E ainda há mais um problema: tendo morrido, não estou com dinheiro! Preciso, aliás, voltar, para retomar o que é meu!
Mercador: Ora… mas, sem dinheiro, não posso deixar que leves! É meu negócio! Não tendo almas para negociar, não terei negócio para manter!
Acidentada 3: Mas eu preciso volta para recuperar minha fortuna!
Mercador: Eu entendo… mas lamentavelmente… (o Ajudante chega e fala no ouvido do Mercador)… Veja, acabo de receber a notícia que mais dois estão chegando! Se não tens o dinheiro, mesmo com todas as minhas ofertas, não poderei atende-lo!
Acidentada 3: (Em um arroubo de ansiedade) Eu troco a minha alma por estas duas!
Mercador: (pensativo) Não sei… veja… estão dois para chegar… se trocar as duas por uma… não poderei atende-los…
Acidentada 3: Eu te imploro! Preciso voltar pela minha fortuna! Eu te vendo minha alma, por estas duas!
Mercador: Imploras?
Acidentada 3: (Caindo de joelhos) Eu imploro! Minha alma, para poder voltar e recuperar minha fortuna!
(Efeito sonoro e de luzes. O Mercador ri alto. Vira-se para o público) As almas avarentas, sempre tem seu preço!
(Desce a cortina por breves instantes).
(Fim do segundo ato).
Por Luís Augusto Menna Barreto
28.3.2020
Demorei,mas vim... Só eu que enxergo semelhanças com a vida real? Uma frase me chamou atenção:"As almas avarentas têm preços altos"...Esses atos têm me levado a profundas reflexões em tempos difíceis que estamos vivendo...Continua poeta!! Precisamos de você aqui...Nós dá ânimo novo,faz-nos esquecer essa tragédia que nos assola...
ResponderExcluirTem mais surpresas por aí???
Obrigado demais, Michele!
ExcluirAcho que esse tema é meio “atemporal”
Os pecados parecem perdurarem no tempo...
Embora o texto seja talvez piegas, não deixa de ser de alguma forma atual...! Obrigado! Realmente obrigado!
Desculpas os erros de ortografia...Ando nervosa...
ResponderExcluirNão há do que se desculpar... todos estamos nervosos!!
ExcluirDói imaginar que as almas, como as pessoas, estão sempre a enfrentar os mercadores astutos, ávidos por lucro, negociando as fraquezas e incompletudes de nós mortais.
ResponderExcluirE nós, como escravos da nossa insegurança, medos, vaidade, às vezes nos submetemos ao que, à primeira vista, nos parece impossível realizar.
No caso, até o avarento ajoelhou-se diante do mercador...
O inimigo sempre está esperando o momento em que estamos mais vunerável...
Será isso mesmo, Poeta, do que você quis nos falar?
Um conto, com temática muito complexa. E por isso mesmo, fantástico.
Maria... é impressionante a literatura...
ExcluirÀs vezes, colocamos no papel a inspiração, sem saber onde nos levará...
Algumas vezes, penso que eu sou o primeiro leitor, e retiro interpretações que o eu escritor sequer pretendia...!
O grande barato é ver a titeriteira ser “apropriada” pelo leitor, e vê-la sendo conduzida a caminhos que nem conhecíamos...!
Obrigado demais por mostrar a mim, caminhos que eu não sabia que o texto conduziria!!!
Ops...vulnerável.
ResponderExcluirDesculpe, Poeta, estou errando demais.
Isso te torna tão mais real....!! Obrigado!!!!
ExcluirQuanto atraso...mas cá estou.
ResponderExcluir"...enfim...viver é um risco muito grande!" Uma tia muito querida, que já não está mais entre nós, dizia: "nesta vida, a gente vai escapando". Pelo jeito, não só ela pensava assim.
Obrigada, Poeta, por mais uma reflexão de peso.
Obrigado a ti, Armelinda, porvires visitar o blogue!!!!
ExcluirEu fico com um banquinho, sentado à sombra, esperando os amigos pra dar um abraço e jogar uma conversa fora..!!!’
Obrigado demais, por vires!!!!
Muito bonito isso, Poeta! Fico imaginando a cena!!! Sabia que dá até uma crônica?!!! "O Poeta que sabia ser amigo" Acho que o título ficou extenso...rsrsrs Gratidão sempre!!!!
ResponderExcluirTem jeito de uma crônica suave... Gostei... já estou pensando no assunto......!!!!!!
ExcluirQue bom!!!
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