terça-feira, 16 de novembro de 2021

bora cronicar - Nem Te Conto

 


Ah, se fosse verdadeira a frase do título… Mas não é! Estejas preparado, pois, quando ouvi-la!

O centroavante acaba de receber o cruzamento, e por conta daquela estranha precisão digna de cientistas da NASA, ataca a bola com a testa, num movimento de proposital impacto, de modo a que, com a força aplicada, muda a trajetória da bola que, antes paralela ao gol, agora descreve um ângulo quase reto, perpendicular, infinitamente mais rápida que qualquer raciocínio. Somente um movimento reflexo, desses que o cérebro parece ter guardado para uso em ocasiões especiais, em que não temos tempo de recorrer a qualquer lógica, a qualquer elaboração mental, pode salvar o gol iminente!

Pois é neste momento exato que tu a ouves! Tu não a viste chegar, afinal, as mulheres tem esta arte de chegar propositadamente sorrateiras (outro dia falo sobre a diferença de homens e mulheres chegando em casa). Pois assim, mais do que a presença dela, a frase pronunciada pega-te de surpresa, tal qual o centroavante antecipando-se ao zagueiro.

Tu estavas ali, tranquilo, sentado no sofá da tua casa, televisão ligada no jogo que nem é do teu time e, por isso, até melhor de ver; nenhum pensamento na cabeça, quem sabe com aquela latinha de cerveja ao lado, e ela chega com a frase da qual tu não escaparás:

— Nem te conto o que aconteceu!

A partir desta frase, o teu cérebro, já meio entorpecido pela cerveja e pela deliciosa ausência de pensamentos, dispara bilhões de choques elétricos: primeiro, chegam vibrações do ar, as tais ondas sonoras, captadas por nossa audição… É um momento de torpor, ainda, em que o cérebro recebe os sons, como se fossem refugiados, ainda sem nomes, ainda sem destinos, ainda sem maiores informações, para então coloca-los em fila, interroga-los, organiza-los e destina-los. Os sons são transformados em palavras que entendemos e organizados de maneira que tenham alguma lógica. A seguir, ainda no tempo em que a bola viaja da testa do centroavante em direção ao gol e o cérebro do goleiro também está disparando mil informações para que o corpo reaja, tu recebes do teu cérebro a frase no sentido literal, que é a primeira interpretação, com as primeiras informações que o cérebro dispõe naqueles microssegundos: “Nem te conto…”.

Enquanto a bola viaja micrômetros e teu cérebro vai processando novas informações das ondas de luz da tua visão periférica, tu chegas e ensaiar um sorriso diante da literalidade da informação: “nem te conto…”.

Algo dentro de ti responde ao cérebro: “ótimo! Já está bom! Nem me conte! Cancele quaisquer outras informações! Eu fico apenas com o ‘nem te conto’”…

Mas é tarde! A bola avança mais, suspensa no ar, ainda sem se render à força da gravidade, e teu cérebro, esse desobediente, envia mais informações: a entonação da voz dela, sugerindo que não foi uma frase isolada; a aproximação em uma trajetória que o cérebro prevê como destino a frente da televisão, postando-se no caminho entre teus olhos e a tela. E o pior: a definitiva informação de que a frase encaixa-se nos exatos padrões de outras tantas pronunciadas rigorosamente iguais ao longo dos anos: “Nem te conto o que aconteceu!”.

Então, agora já com todas as informações sobre a frase, já com o contato visual irremediavelmente estabelecido, teu cérebro entrega a correta interpretação da frase:

“Nem te conto o que aconteceu”: significa que ela vai sim, contar-te algo que seguramente não será mais importante do que um jogo de futebol que não é do teu time, ela vai dar-te detalhes sobre fatos que tão logo tu os receba, serão involuntariamente deletados, embora tu saibas que num breve futuro, tu serás inescrupulosamente sabatinado sobre o que ela “nem te contaria”, sem qualquer chance de acertares uma das respostas. “Nem te conto o que aconteceu”, é o prelúdio de uma novela para a qual não queres o ingresso. “Nem te conto”, significa, enfim, que ela contará TUDO, absolutamente TUDO o que não queres saber sobre a última fofoca acerca das pessoas que nem sabes quem são, e não será pelo microssegundo da bola viajando ao gol! Será pelo tempo do jogo inteiro, com direito à prorrogação e pênaltis. E tu estarás como que na Tribuna de Honra da fofoca, onde todo o foco do olhar dela será em ti, sem que possas nem comemorar o gol, nem xingar o juiz.

Quanto à bola que o centroavante havia cabeceado em direção ao gol, e que tu ansiavas para ver o desfecho, saboreando tua cerveja?

— Nem te conto o que aconteceu…


Luís Augusto Menna Barreto

15.11.2021

13 comentários:

  1. Nem te conto sumano, acredito que viestes ao mundo para fazer imensa diferença na vida de muita gente. Obrigada por existir!!!

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    1. Égua, mana! Tomaste manga com leite?! 🤣😂
      Todos nós viemos fazer diferença. Somos únicos! Temos a chama Divina em nós! Apenas esquecemos disso a maioria do tempo…!!! Obrigado por vires visitar o blogue!!!!

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  2. Adorei!!!!!😂😂😂
    Simplesmente vejo passando o filme na hora...
    Isso foi filmado pela Ana, chegando com os olhos claros meio que arregalados e ansiosa para contar alguma novidade o que aliás deve ser uma constante neste momento em que ela está como síndica, dá até pra escutar a frase Dita no sotaque inconfundível 😂😂

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    1. Lola, Lola…. Adivinha quem me inspirou a escrever essa crônica….?
      … nem te conto!!! 🤣😂

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  3. Nem te conto que...
    ...ao ler, inicialmente, me veio a literatura, me lembrei de um escritor que, para mim, é uma grande referência, o Luis Fernando Veríssimo. Sabe a "dicção" da escrita do Veríssimo? Ah, me pareceu muito...Que maravilha, Menna!!! Depois, me veio a linguística. Nem te conto que, por aqui, já estudamos elementos negativos que nada negam... "nem te conto" é tranquilamente "um prepare-se para o que vou te contar"... ah, a lingua(gem) que força que tem essa entidade!!

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    1. Valéria… infelizmente, não tenho bagagem de conhecimento pra enfrentar alguns assuntos! Na linguística, na literatura, mesmo, sou um curioso e aventureiro: vou escrevendo, sem saber que possa estar passeando hora por uma vertente de linguagem, pra por outra… E sempre fico maravilhado, quando recebo comentários que tenham a propriedade dos teus!
      Eu lanço o texto, pela “graça”, pelo humor que vislumbro da brincadeira com as palavras… (Fiz isso com as crônicas “Posso Ser Sincera” e “O Que Ela Tem Que Eu Não Tenho”)… e haverei de fazer com uma que já escrevi (ainda inédita): “Nem Queira Saber”!
      Daí, que eu só posso agradecer-te DEMAIS por brindar a mim e aos amigos do blogue, quando tu nos mostra segredos que nem pensamos existirem, nessas linhas cunhadas com tanta distração…!
      Obrigado DEMAAAAAAAAAAAIS!!!!!!!!!!!!

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    2. Ah… quanto à comparação com Veríssimo… PelamordeDeus… mesmo não podendo apontar o lápis que ele escreva, é pra ficar com sorriso de orelha a orelha!!!!!!!!!
      Barbaridade!!!!!

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  4. Finalmente cheguei só agora que deu ... Ninguém nem venha com este "nem te conto " a cabeça pira e tentar adivinhar o povo enrola encontar mesmo que conte depôs em uma longa história as vezes. Eu não chego em casa sem fazer barulho não já chego gritando ajuda aqui, abre o portão aí, ou chego assobiando igual um menino!! 😅😅🤭
    Parabéns a mente pira mesmo,aravilha de crônica Menna!! 👏👏👏☺️

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    1. 😂🤣 quem dera se todas chegassem assim em casa!!!! Rsrsrsrs
      Nem te conto…. Adorei ver-te por aqui!!!!!!!!

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    2. Sempre chego assim, até os vizinhos já me conhece no corredor, se querem falar comigo abre logo a porta!! Pego ninguém em casa de surpresa, dá tempo até de esconder o chocolate se estiver comendo pra não dividir 😒🤨😏 😅 🤭🤭🤭

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  5. Respostas
    1. Pois então, “Nem Queira Saber” o que eu digo na próxima crônica!!!!!!

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