Foi o Tonelada quem chegou com a notícia de que havia acabado de prender o Marido.
Antes, tenho de esclarecer que “Marido" é o apelido do caboclo, não marido do Tonelada… O Marido, na verdade, era o companheiro da Mimosa.
Ele ganhou o apelido em um caso anterior que até acho que já contei, mas conto de novo. Antes, entretanto, aviso que é preciso saber uma das versões para quando a gente refere “amigo da onça”. Não conheces? Pois eu vou contar a que aprendi: “disk" (uma expressão daqui, muito usada no Marajó para referir algo que já ouvimos e não sabemos precisar nem a fonte, nem se o que se conta é verdadeiro); pois “disk” um caçador ia saindo com sua espingarda e um amigo perguntou:lhe”
— Vais caçar?
— Vou!
— O quê pretendes caçar?
— Porco do mato!
— E se aparecer uma onça?
— Atiro nela!
— E se tua arma falhar?
— Eu corro!
— E se a onça correr?
— Atravesso o rio!
— E se a onça atravessar o rio?
— Subo em uma árvore!
— E se a onça subir na árvore?
Então já incomodado com as perguntas, o caçador pergunta ao amigo:
— Vem cá, tu és meu amigo, ou amigo da onça?
Pois dizem que daí que teria surgido a expressão “amigo da onça”, aquele que torce para o amigo se dar mal!
Então, "disk" o Marido, que antes era o “Fexecler”, casou e rápido descasou com uma morena das brabas! Entre os tapas e beijos, mexe e remexe na rede, tiveram um filho. Com o descasamento, mesmo sem nenhum acordo, toda semana a morena ia cobrar um dinheiro para a merenda do pequeno. O Fexecler até tentou ir no Navio da Ação Social, para fazer uma acordo na presença da Defensoria Pública, mas a morena nunca quis! Queria mesmo, é ir pegar a merenda como sempre fazia, e decidindo ela mesma, quanto seria o necessário! Nessa função, era fácil dar barraco, e o Fexecler acabava sempre pagando, e mesmo assim não saía sem levar uma esculhambação da morena. Então, teve o dia que o Fexecler pediu para a mãe dele entregar o dinheiro para a morena! Quando a morena chegou, a mãe do Fexecler foi para a ponta do trapiche que ligava a terra até a casa que ficava por cima de um gapó, e o Fexecler ficou na porta de casa.
Quem disse que a morena pegou o dinheiro com a mãe do coitado? Pois ela empurrou a velha e foi atrás do Fexecler! O Fexecler fechou a porta, mas como não tinha tranca, a morena empurrou a porta e entrou! O Fexecler foi para a cozinha, atrás da casa, e a morena foi atrás. O Fexecler entrou na casinha afastada, que fazia vezes de banheiro, e a morena foi atrás. O Fexecler tentou ficar segurando a porta, mas a morena forçou tanto, que acabou entrando e o Fexecler não teve por onde escapar. Daí que empurrou a morena e ela caiu da ponte entre a casa e a latrina. Foi na delegacia e registrou queixa de violência doméstica.
O caso logo se espalhou e o pessoal falava que era como a história do amigo da onça e logo o Fexecler ficou conhecido como o “Marido da Onça”. A morena, cujo nome nem se sabe, até hoje virou só “Onça” e o Fexecler, tendo virado “Marido da Onça”, com o tempo, acabou só “Marido”.
Quando o caso veio para mim, com pedido de medida protetiva que a Onça estava pedindo, eu dei a medida “ao contrário”: determinei que ela abrisse uma conta no banco postal, e a partir de então, arbitrei uma pensão mensal para o pequeno, e proibi a Onça de ir atrás do Marido.
Nunca mais havia ouvido falar dos dois até que o Tonelada chegou com essa notícia.
— Sob controle, “Merendíssimo"!
O Tonelada, às vezes queria trazer pompa ao que falava, e cometia pequenos equívocos, mas considerando o tamanho do Tonelada, era prudente eu achar que não era de propósito. Vai de “Merendíssimo” mesmo!
Pois o caso foi que a Mimosa havia ido prestar queixa de ameaça contra o Marido, na Delegacia. Chegando lá, ela foi atendida pelo Brédi Piti, o preso que cuida da delegacia na ausência do Delegado e quando o Fechadura, carcereiro, saía para diligências, fazendo as vezes de investigador. Daí, o jeito era o preso servir como carcereiro, mesmo! A mimosa chegou na delegacia nervosa e com uma lesão acima do olho, como quem levou uma pancada na “esquina" da testa.
— O que houve Mimosa?
— Cadê o delegado, Brédi?
— Tá pra Belém, vem pra semana, só.
— Cadê o Fechadura?
— Saiu pra estrada.
— Então tu tens que ir lá resolver, Brédi!
— Não posso, Mimosa. Se eu saio da Delegacia, levo farelo. Pego ralho do delegado e o Tonelada me dá logo uma pisa.
— Égua, Brédi, o que eu faço?
— Me fala o que houve, pequena? Quem te fez isso?
— O Marido me ameaçou, Brédi. Tu tens que ir lá resolver.
— Ah, Mimosa, dá teus pulos, que não tem visagem que me faça sair dessa delegacia!
A Mimosa foi então procurar o Tonelada lá para o açougue do Retalho, onde todo mundo passa para fazer uma fezinha no jogo do bicho, jogar um bilhar e tomar uma cerveja… às vezes até se compra carne por lá!
A Mimosa só achou o Fiapo, de folga, e o Manobra tomando uma. Mas quis o destino que o Tonelada fosse na delegacia, dar uma olhada no Brédi, e ficou sabendo do ocorrido. Não teve dúvidas e foi atrás do Marido, encontrando o pobre, quando ia sair pra mariscar. Sem muita conversa, pegou pelo “cangote”, jogou numa cela, olhando feio para o Brédi:
— Quero que tu me deixe ele sair, Brédi! Só te digo isso: quero que tu me deixe ele sair…
O Brédi entendeu a ameaça e por nada o Marido iria conseguir sair daquela cela!
Foi quando o Tonelada entrou no Forum para relatar-me da prisão do Marido, que a Mimosa viu e correu lá, onde soube que o Marido havia sido preso.
Quando entendi toda a situação, resolvi ouvir a Mimosa, ainda que sem o rigor de um interrogatório formal, afinal, não havia nem mesmo uma ocorrência registrada!
— O que houve, Mimosa?
— O Marido me ameaçou doutor!
Estranhei. O Marido não era disso, sempre pacato, discreto, sem notícias de confusão, diferente de muito nó cego, que a gente fica sabendo de alguma história toda semana.
— E tu ficaste com medo, Mimosa? — Por definição, o temor de sofrer um mal, é elemento do crime de ameaça! Se a ameaça não tem potencial de causar temor na vítima, não há crime.
— Muito doutor!
— Certo, e tu queres alguma medida protetiva? Queres que eu determine o afastamento do Marido do lar?
— Não, doutor, quero o contrário!
— Hein?
— O contrário, doutor, quero que o senhor proíba ele de sair de casa um tempo.
— Mas ele não te ameaçou, Mimosa?
— Ameaçou, doutor. Faz dias que eu to me atrapalhando no almoço, e acabo queimando o arroz, ou deixando muito cru o frango… ele ameaçou me deixar e ir pra vizinha que sabe cozinhar, doutor!
— Hein?
— Ele me ameaçou de me trocar por aquela uma, doutor!
— Foi ISSO, Mimosa?
— Foi, doutor!
— E esse machucado na testa? Não foi o Marido, então?
— Não, doutor… esse é que eu fui lá dizer pra ela não arrastar a asa pro Marido, e acabei pegando uma panelada.
…
Pois é… coisas do Marajó.
Luís Augusto Menna Barreto
12 de novembro de 2024
Já conheço algumas dessas personagens, em outros textos do MENNA BARRETO.
ResponderExcluirMas em todos os seus textos, ele nos apresenta outras mais.
Entretanto, quero ressaltar é o estilo aprimorado do escritor em literalizar o vocábulos bem populares da região do MARAJÓ.
Enfim, nasce em mim uma vontade enorme de voltar a BREVES, uma das cidades do MARAJÓ, juntamente com os amigos que. em certo tempo, lá estive. Um deles foi o autor desta maravilhosa crônica.
Gostaria imensamente de lançar, por lá, uns romances que andei escrevendo e ainda escrevo.
Barbaridade... (ou, égua, mana! Bora lá)!
ExcluirVamos ajeitar isso! Vou falar com umas pessoas do Marajó e ver essa possibilidade, quem sabe o lançamento com algum evento junto...? Tipo uma feira do livro, ou um dia / final de semana de palestras...?
Vou falar co alguns dos amigos que tenho lá e alguns dos próceres da cidade!
Bora lá!
Moral da história? No Marajó, até ameaça vira tempero para histórias de amor com sabor de humor.
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