sexta-feira, 15 de novembro de 2024

O Marido, a Mimosa e a Ameaça


Foi o Tonelada quem chegou com a notícia de que havia acabado de prender o Marido.

Antes, tenho de esclarecer que “Marido" é o apelido do caboclo, não marido do Tonelada… O Marido, na verdade, era o companheiro da Mimosa.

Ele ganhou o apelido em um caso anterior que até acho que já contei, mas conto de novo. Antes, entretanto, aviso que é preciso saber uma das versões para quando a gente refere “amigo da onça”. Não conheces? Pois eu vou contar a que aprendi: “disk" (uma expressão daqui, muito usada no Marajó para referir algo que já ouvimos e não sabemos precisar nem a fonte, nem se o que se conta é verdadeiro); pois “disk” um caçador ia saindo com sua espingarda e um amigo perguntou:lhe”

— Vais caçar?

— Vou!

— O quê pretendes caçar?

— Porco do mato!

— E se aparecer uma onça? 

— Atiro nela!

— E se tua arma falhar?

— Eu corro!

— E se a onça correr?

— Atravesso o rio!

— E se a onça atravessar o rio?

— Subo em uma árvore!

— E se a onça subir na árvore?

Então já incomodado com as perguntas, o caçador pergunta ao amigo:

— Vem cá, tu és meu amigo, ou amigo da onça?

Pois dizem que daí que teria surgido a expressão “amigo da onça”, aquele que torce para o amigo se dar mal!

Então, "disk" o Marido, que antes era o “Fexecler”, casou e rápido descasou com uma morena das brabas! Entre os tapas e beijos, mexe e remexe na rede, tiveram um filho. Com o descasamento, mesmo sem nenhum acordo, toda semana a morena ia cobrar um dinheiro para a merenda do pequeno. O Fexecler até tentou ir no Navio da Ação Social, para fazer uma acordo na presença da Defensoria Pública, mas a morena nunca quis! Queria mesmo, é ir pegar a merenda como sempre fazia, e decidindo ela mesma, quanto seria o necessário! Nessa função, era fácil dar barraco, e o Fexecler acabava sempre pagando, e mesmo assim não saía sem levar uma esculhambação da morena. Então, teve o dia que o Fexecler pediu para a mãe dele entregar o dinheiro para a morena! Quando a morena chegou, a mãe do Fexecler foi para a ponta do trapiche que ligava a terra até a casa que ficava por cima de um gapó, e o Fexecler ficou na porta de casa. 

Quem disse que a morena pegou o dinheiro com a mãe do coitado? Pois ela empurrou a velha e foi atrás do Fexecler! O Fexecler fechou a porta, mas como não tinha tranca, a morena empurrou a porta e entrou! O Fexecler foi para a cozinha, atrás da casa, e a morena foi atrás. O Fexecler entrou na casinha afastada, que fazia vezes de banheiro, e a morena foi atrás. O Fexecler tentou ficar segurando a porta, mas a morena forçou tanto, que acabou entrando e o Fexecler não teve por onde escapar. Daí que empurrou a morena e ela caiu da ponte entre a casa e a latrina. Foi na delegacia e registrou queixa de violência doméstica. 

O caso logo se espalhou e o pessoal falava que era como a história do amigo da onça e logo o Fexecler ficou conhecido como o “Marido da Onça”. A morena, cujo nome nem se sabe, até hoje virou só “Onça” e o Fexecler, tendo virado “Marido da Onça”, com o tempo, acabou só “Marido”.

Quando o caso veio para mim, com pedido de medida protetiva que a Onça estava pedindo, eu dei a medida “ao contrário”: determinei que ela abrisse uma conta no banco postal, e a partir de então, arbitrei uma pensão mensal para o pequeno, e proibi a Onça de ir atrás do Marido.

Nunca mais havia ouvido falar dos dois até que o Tonelada chegou com essa notícia.

— Sob controle, “Merendíssimo"! 

O Tonelada, às vezes queria trazer pompa ao que falava, e cometia pequenos equívocos, mas considerando o tamanho do Tonelada, era prudente eu achar que não era de propósito.  Vai de “Merendíssimo” mesmo!

Pois o caso foi que a Mimosa havia ido prestar queixa de ameaça contra o Marido, na Delegacia. Chegando lá, ela foi atendida pelo Brédi Piti, o preso que cuida da delegacia na ausência do Delegado e quando o Fechadura, carcereiro, saía para diligências, fazendo as vezes de investigador. Daí, o jeito era o preso servir como carcereiro, mesmo! A mimosa chegou na delegacia nervosa e com uma lesão acima do olho, como quem levou uma pancada na “esquina" da testa.

— O que houve Mimosa?

— Cadê o delegado, Brédi? 

— Tá pra Belém, vem pra semana, só.

— Cadê o Fechadura? 

— Saiu pra estrada. 

— Então tu tens que ir lá resolver, Brédi!

— Não posso, Mimosa. Se eu saio da Delegacia, levo farelo. Pego ralho do delegado e o Tonelada me dá logo uma pisa.

— Égua, Brédi, o que eu faço? 

— Me fala o que houve, pequena? Quem te fez isso?

— O Marido me ameaçou, Brédi. Tu tens que ir lá resolver.

— Ah, Mimosa, dá teus pulos, que não tem visagem que me faça sair dessa delegacia!

A Mimosa foi então procurar o Tonelada lá para o açougue do Retalho, onde todo mundo passa para fazer uma fezinha no jogo do bicho, jogar um bilhar e tomar uma cerveja… às vezes até se compra carne por lá! 

A Mimosa só achou o Fiapo, de folga, e o Manobra tomando uma. Mas quis o destino que o Tonelada fosse na delegacia, dar uma olhada no Brédi, e ficou sabendo do ocorrido. Não teve dúvidas e foi atrás do Marido, encontrando o pobre, quando ia sair pra mariscar. Sem muita conversa, pegou pelo “cangote”, jogou numa cela, olhando feio para o Brédi:

— Quero que tu me deixe ele sair, Brédi! Só te digo isso: quero que tu me deixe ele sair…

O Brédi entendeu a ameaça e por nada o Marido iria conseguir sair daquela cela!

Foi quando o Tonelada entrou no Forum para relatar-me da prisão do Marido, que a Mimosa viu e correu lá, onde soube que o Marido havia sido preso.

Quando entendi toda a situação, resolvi ouvir a Mimosa, ainda que sem o rigor de um interrogatório formal, afinal, não havia nem mesmo uma ocorrência registrada!

— O que houve, Mimosa?

— O Marido me ameaçou doutor!

Estranhei. O Marido não era disso, sempre pacato, discreto, sem notícias de confusão, diferente de muito nó cego, que a gente fica sabendo de alguma história toda semana.

— E tu ficaste com medo, Mimosa? — Por definição, o temor de sofrer um mal, é elemento do crime de ameaça! Se a ameaça não tem potencial de causar temor na vítima, não há crime.

— Muito doutor! 

— Certo, e tu queres alguma medida protetiva? Queres que eu determine o afastamento do Marido do lar? 

— Não, doutor, quero o contrário! 

— Hein?

— O contrário, doutor, quero que o senhor proíba ele de sair de casa um tempo. 

— Mas ele não te ameaçou, Mimosa?

— Ameaçou, doutor. Faz dias que eu to me atrapalhando no almoço, e acabo queimando o arroz, ou deixando muito cru o frango… ele ameaçou me deixar e ir pra vizinha que sabe cozinhar, doutor!

— Hein?

— Ele me ameaçou de me trocar por aquela uma, doutor!

— Foi ISSO, Mimosa?

— Foi, doutor!

— E esse machucado na testa? Não foi o Marido, então?

— Não, doutor… esse é que eu fui lá dizer pra ela não arrastar a asa pro Marido, e acabei pegando uma panelada.

Pois é… coisas do Marajó. 


Luís Augusto Menna Barreto

12 de novembro de 2024


4 comentários:

  1. Já conheço algumas dessas personagens, em outros textos do MENNA BARRETO.

    Mas em todos os seus textos, ele nos apresenta outras mais.

    Entretanto, quero ressaltar é o estilo aprimorado do escritor em literalizar o vocábulos bem populares da região do MARAJÓ.

    Enfim, nasce em mim uma vontade enorme de voltar a BREVES, uma das cidades do MARAJÓ, juntamente com os amigos que. em certo tempo, lá estive. Um deles foi o autor desta maravilhosa crônica.

    Gostaria imensamente de lançar, por lá, uns romances que andei escrevendo e ainda escrevo.

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    Respostas
    1. Barbaridade... (ou, égua, mana! Bora lá)!
      Vamos ajeitar isso! Vou falar com umas pessoas do Marajó e ver essa possibilidade, quem sabe o lançamento com algum evento junto...? Tipo uma feira do livro, ou um dia / final de semana de palestras...?
      Vou falar co alguns dos amigos que tenho lá e alguns dos próceres da cidade!
      Bora lá!

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  2. Moral da história? No Marajó, até ameaça vira tempero para histórias de amor com sabor de humor.

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