A Festa, a Copa e o Sogro do Juiz
Originalmente publicado no antigo blog
"Menna Comentários", precursor deste.
Data da postagem original: 05.04.2016.
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“Mas Padre, não posso determinar simplesmente a proibição de bebida alcoólica na cidade”.
Era sexta-feira. A festa teria início na sexta mesmo e o auge seria na missa do domingo à noite. O arraial (parquinho itinerante) estava montado na praça em frente à Igreja.
“Doutor… é a festa da padroeira. Todos os anos tem alguma confusão. Vamos fazer uma festa diferente este ano, sem bebidas", dizia o Padre com sua voz mansa.
“Olhe, Padre, conte com meu apoio. Mas não posso fazer essa determinação.” Eu até achei que a conversa ia estender-se mais um pouco, porque, pelo que eu havia entendido, não concordei com o Padre. Mas ele sorriu, levantou-se e apertou minha mão:
“Obrigado doutor. Seu apoio já é muito importante.”
“Ãnnh…” … eu tentava entender, porque o Padre levantou com um sorriso maroto.
Mas foi isso, e ele foi embora. As audiências estavam já dez minutos atrasadas, porque eu conversei com o Padre.
Nessa ocasião, por coincidência, meu sogro havia saído, desde Porto Alegre até o Marajó, para visitar-me. Como não tinha lá muito o que se fazer em Curralinho, coloquei meu sogro, que é versado em direito, para organizar o arquivo do forum, que há muito precisava de organização (desde sempre, na verdade, porque nunca fora organizado)!
“Mas sem ar condicionado!!!” Ele me arregalou os olhos.
“Ãnnh…” … e me mandei pra sala de audiências!
A primeira audiência era um caso grave, de estupro de menor. À época do fato, uns três anos antes, a vítima ficara grávida aos 13 anos. O réu era o conhecido por “Furão”, mas nascera Jesuíno.
Naquela época a primeira coisa era o interrogatório. Antes de eu começar a perguntar, o “Furão” já foi falando:
“É verdade que o senhor proibiu de vender cerveja no fim de semana, doutor? Mas e a festa? E o jogo da seleção? É copa do mundo, doutor! Brasil x Gana!”
“Hein?” Dá pra imaginar? O sujeito estava sendo processado por estupro, poderia pegar uma pena de mais de dez anos de prisão, e a primeira preocupação era se poderia beber no final de semana? E outra: como ele ficou sabendo? Não fazia nem 15 minutos que o Padre saiu do fórum!
“… pois é doutor, o seu Nonô falou que o Padre disse que o senhor não quer saber de bebida durante a festa! Já até recolheu toda a cerveja”
Seu Nonô era o dono do bar e restaurante, e também do hotel, e ficava na lado da praça da Igreja. E também o seguinte: se era pra alguma notícia espalhar-se era só contar ao Seu Nonô. Pronto. Em meia hora, Curralinho inteira está sabendo.
Até a policia para resolver um ou outro caso, ia tomar uma cervejinha no Nonô, e era certo: saía com a informação!
Pois foi isso o sorriso do Padre: como eu disse que “apoiava”, ele foi logo dizer para o Nonô que o Juiz estaria apoiando que não vendesse bebida! Era mais fácil do que dizer na missa!
E eu caí na do Padre. Ele nem queria nada escrito, só queria ouvir de mim, para poder dizer sem estar mentindo (porque Padre não pode mentir, né?!).
Bom, mas nem falei sobre a bebida, porque me interessava interrogar o “Furão”. O que o Padre fez era relevante, mas mais grave era a situação do “Furão”.
“Ela que me convidou, doutor. Se nego fogo, no outro dia o Nonô ta dizendo que eu sou fresco!”.
Era uma confissão!
"E tu sabias que ela tinha 13 anos?”
“Não dava muito prá reparar, né doutor. Sabe como é… eu já tava meio porre”.
“E tu soubeste que ela ficou gravida?”
“Sim senhor”.
“E o filho é teu?”
“É, sim senhor! E os outros dois também, doutor. Já temos três filhos e o quarto vem aí. Já posso ir embora?”
“Ãnnh…”
Pois é. “Furão" casou com a pequena e viviam felizes e com três, quase quatro filhos em uma ilhazinha próximo à sede de Curralinho!
Terminada a audiência, eu fui dar uma espiada no meu sogro, na “salinha do arquivo”. Vou dizer uma coisa: ainda bem que ele estava de costas e acho que nem me viu! Pense numa pessoa suada! E tem o fato de que na ocasião ele estava… como vou dizer… discretamente acima do peso… uns 15 kg discretos acima. E fazia perto de 38 graus na sombra, em Curralinho!
Saí de fininho e voltei para a próxima audiência. Era um caso de furto. O “Pezinho" havia sido preso e condenado por arrombar um pequeno comércio na beira. O Pezinho era conhecido, porque não tinha um pé (origem do apelido). Andava por aí, todo manco, e com cara de coitado. Mas quando resolvia aprontar, pulava qualquer muro ou cerca e ainda corria quase mais que a polícia! Era sua audiência de condicional, para ver se seria posto em liberdade.
“Então, Pezinho? Como foi teu comportamento nesse tempo preso?”
“Doutor, o Seu Nonô disse que o senhor proibiu a venda de cerveja?”
“Hein?”.
“Seu Nonô…”
“Caramba, Pezinho! É tua audiência, tu nem sabes se vais ser solto e tu estás preocupado se vai ter cerveja prá vender? Tu nem sabes se vais estar solto à noite!” Falei já meio irritado! Pezinho estava preso. Preso! Chegou no navio da madrugada da colônia Penal. Foi direto pra cela da delegacia, e já sabia sobre a proibição? Nesse momento, eu estava para ser excomungado, porque eu queria matar o Padre e o Seu Nonô! Mas depois, pensando bem, seria até melhor pensarem que é mesmo uma proibição! Será trabalho a menos nos dias depois da festa, com menos casos de brigas, ameaças e, especialmente, menos “Maria da Penha”, que é quando os homens agridem as suas mulheres.
“Responde o que te perguntei, Pezinho”.
“Doutor, meu comportamento foi bom. Já pode me soltar, sim, doutor. Encontrei Jesus.”
Olha, vocês não sabem como essa conversa de preso encontrando Jesus pode me irritar! É impressionante. Dá a impressão, que Jesus tá preso! Porque todos os presos que entram, acabam encontrando Jesus. Só que eu acho que o crime de Jesus deve ter sido o pior, porque eles saem, e Jesus continua preso. Porque quando estão soltos, não encontram mais Jesus! Acho que Jesus permanece preso e eles vão sendo soltos! … tá certo que alguns ficam com tanta saudade de Jesus que acabam voltando prá cadeia, acho que para encontrá-lo.
Quando terminou essa audiência, já ia perto de 14 horas e eu tinha uns três ou quatro processos ainda, por despachar. O Brasil entraria em campo contra Gana, na copa da Alemanha, às 15h.
Era perto de 14h, quando meu sogro, quase irreconhecível, entrou na sala! Cansado. Cheio de poeira. Suado.
“Já vou. Te espero lá pra gente ver o jogo. Preciso de um banho!”
E precisava! E como!
E me demorei mais do que esperava e acabei chegando em casa por volta de 15h30. O Brasil Já havia feito o primeiro dos três gol que faria.
Quando abri a porta da sala, lá estava meu sogro, feliz, de banho tomado, debaixo do ventilador, vendo o jogo…
… e com uma cerveja na mão e umas outras 4 dentro de uma pequena caixa de isopor.
Eu me assustei!
“Mas onde o senhor conseguiu isso se eu não tinha bebida em casa?”
“Comprei”, ele me disse sem tirar o olho da TV.
“Mas como, se estava proibido? Se as pessoas virem o senhor comprando cerveja, ninguém vai respeitar mais o pedido de não comprar bebida, e eu vou ficar desmoralizado, porque tá todo mundo pensando que a ordem foi minha”!
“Ah, não se preocupa. Comprei com um camarada muito simpático. Ele não queria vender, e falei que era teu sogro, ele me vendeu essas latinhas. Mas ele me pareceu muito discreto, ninguém vai saber…”
Acho que comecei a ficar apavorado.
“… Seu Nonô, o nome dele!”
…
A festa da padroeira foi um espetáculo! Nunca se havia bebido tanto em uma festa da Igreja, antes, em Curralinho!
Por Luís Augusto Menna Barreto
Meu Deus qta confusão num só dia hein? E a preocupação era geral qto à proibição que não fora decretada rsrsrsrs. Muito bom imaginar /visualizar tudo isso. AMEI, perfeita crônica, parabéns mais uma vez. Bom dia poeta.
ResponderExcluirPelo menos, ele não deixou a conta pendurada.....!!!
ExcluirTambém vou postar palavras de outros tempos. Vou repetir o comentário de um Tal PEDRO BÓ. Lembras dele, meu cronista?
ResponderExcluirPois é! Lá vão:
Senhor autor, será que ser cronista de categoria é dádiva dos céus, especificamente, para os gaúchos?
Estou seriamente desconfiada(o) disso.
Ah, eu li esse comentário hoje pela manhã, quando estava colocando essa postagem!
ExcluirE lembro que eu falei que não posse sequer amarrar o sapato de Luís Fernando Veríssimo ou fechar a pulseira de Martha Medeiros, por exemplo....
... mas fico feliz de estar num rastro tão bom...!
Queria ter visto a tua cara quando ele disse quem tinha vendido as latinhas!
ResponderExcluirHahaha...
Imagina o Seu Valdô, sentado, faceiro, vendo o jogo e tomando uma, quando cheguei....!!
ExcluirSeu Valdomiro vai a Fortaleza, em novembro? Lá é que é um lugar bom de tomar uma cervejinha!!!
ResponderExcluirBora ver......!!!
ExcluirBela crônica!
ResponderExcluirParabéns!
😉
Báh.... pareceu análise de currículo! rsrsrsrsrsrsrsrsrs.....!!!!!!!!!
ExcluirMuito boa essa história, dei altas risadas aqui!
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