O Fila-Bóia, o Cara de Cuspe e o Júri - parte 2
Coisa difícil é não arregalar os olhos!
Alguém aí já parou pra pensar nisso? A gente tá ali, tranquilo, ou eventualmente concentrado em algo, daí vem alguém conta uma coisa inesperada, baixinho, bem no ouvido… e quero ver conseguir não arregalar os olhos. Na verdade, a gente nem pensa: vem a notícia e parece que no caminho do ouvido pro cérebro, ela passa pelos olhos e vai levantando pálpebras e sobrancelha, de um jeito tão ligeiro, que chega a enrugar a testa!
E outra coisa: por mais que seja um movimento relativamente pequeno e absolutamente silencioso, parece que tem um “imã de olhares”… porque é a gente arregalar os olhos, e alguém nota!
Pois quando a Dona Boneca veio quietinha no meu ouvido perguntar, sussurrando “Doutor… mas cadê o Cara de Cuspe?”, lá foi: olhos arregalados, testa enrugada, e aquele arrepio que antecede um palavrão.
Consegui segurar o “hein?”, mas não adiantou: parece até que meus olhos arregalados fizeram barulho! Quando vi que todos estavam olhando para meus olhos arregalados, fiquei arrependido de segurar o “hein?”, porque estava fazendo como que um “bolo" na minha garganta!
E, de repente, cheguei a desconfiar que, em vez de sussurrado, a Dona Boneca tivesse gritado no meu ouvido, porque o pessoal começou a se olhar no salão do júri, e aquele burburinho de gente falando com o vizinho ao lado, atrás, na frente, tomou conta do salão.
Os dois policiais se olharam, a advogada levantou os ombros, era um tal de um-olha-pro-outro-que-olha-pro-um, e balança a cabeça, e sobe os ombros…
O promotor estava branco. Suava bicas e com aquela cara de “não é possível… de novo?!” Foi levado pelo assessor e pelo Goela para o seu gabinete e a Dona Boneca já providenciou um copo de água com açúcar, que tudo cura!
Até existe situações em que é permitido fazer o júri sem o réu. Mas de jeito nenhum se pensava nisso naquele momento. Depois de toda a expectativa, depois do envolvimento de toda a cidade, ninguém cogitava em um júri sem o réu.
O efetivo da Polícia Militar saiu em busca, o Branco, carcereiro, acionou o delegado, que até liberou o Brédi-Piti, que tava preso, pra ajudar na busca pelo Cara de Cuspe. O burburinho no salão do júri estava impossível de conter. Mas com os minutos, que viraram "meias horas”, que virou hora, os ânimos no salão foram arrefecendo, e o salão começando a esvaziar, com as pessoas preferindo o vento que vinha do rio, concentrando-se na praça na frente do fórum.
Pois não levou nem meia hora pra começarem a surgir as mais variadas notícias da morte do Cara de Cuspe… ou “das mortes”:
“Ouvi dizer que se jogou na baía, com uma pedra no pescoço”, comentavam no bar do Seu Nonô.
“O Fagulha disse que viu ele indo pro mato, só de bermuda, sem sandália nem nada, dizendo que ia pegar a cobra grande à unha”, alguém falou na praça!
“… comeu pão com chumbinho”, alguém disse na porta do fórum!
“… pois eu falei com ele e ele disse que tinha se matado comendo manga com leite”, disse o Manobra, já com um copo na mão, no açougue do Retalho.
E por aí, iam os comentários.
Rebuliço deu mesmo, quando a mãe do Cara de Cuspe apareceu com uma sombrinha em punho e tom de ameaça, procurando pelo promotor!
“Cadê aquele excomungado que matou meu filho?… o que vai ser de mim sem meu Geodésio?! A culpa é desse promotor, que meu Geodésiozinho levou farelo, Cava-Cova do cão!”
A rádio da cidade (aquela com caixa de som nos postes, e que liga todo dia das 16h até 19h) estava transmitindo em jornada excepcional às 10 horas da manhã e, claro, contribuindo para aumentar a agitação.
Pois não deu muito mais tempo e atraca um “pô-pô-pô”* de onde sai um tranquilo Cara de Cuspe, com uma vara cheia de peixes! E tava formado novamente o rebuliço!
Rapidinho anunciaram na rádio que o finado Cara de Cuspe ressuscitou pra enfrentar o Cava-Cova na justiça. A mãe do Cara de Cuspe teve que ser atendida e levada pra unidade de saúde, ao ver o filho voltar dos mortos!
Por onde ia passando, tinha gente fazendo o sinal da cruz! Os policiais militares iam abrindo caminho no meio do povo e conduzindo o Cara de Cuspe para o salão do júri, do jeito que ele tava, com cheiro de peixe e tudo, pra não deixar escapar de novo:
“Saiam da frente! Ninguém toca no morto, que ele tem que ir pro júri”, iam gritando!
Os lugares rapidinho foram preenchidos novamente, toga recolocada, ventiladores ligados, gente nas janelas… tinha jurado que nem olhava para o Cara de Cuspe, convencido que era visagem, não parava de se benzer e achava que seria sacrilégio condenar um morto!
De qualquer forma, entrei de novo no salão, respirando aliviado. Conferi: o réu tava lá, de bermuda, camiseta, chinelo de dedo e cheirando a peixe!
Quando pensei em recomeçar, veio discretamente, a Dona Boneca, abaixou-se do meu lado e perguntou baixinho…
“Doutor…”
Frio na barriga.
“… onde está…”
Arregalei os olhos antes de terminar a pergunta.
“… o promotor?”
Não segurei:
“HEIN?!”
…
É… tem coisas que a gente não explica.
O promotor anterior fez jus ao apelido até o final: era o Cava Cova e, enquanto esteve lá, ninguém foi julgado no tribunal do júri. Pois aconteceu que cavou a sua própria cova. Infartou de toga, no seu gabinete, quando o assessor falou que "o Cara de Cuspe desmorreu pra ser julgado."
Depois daquele dia, não deu muito tempo e conseguimos realizar vários júris. Inclusive o do Cara de Cuspe, que foi absolvido, principalmente depois que a vítima, o Fila Bóia, deu o depoimento de que estava na pescaria junto com o Cara de Cuspe, e que a briga já tinha ficado pra trás.
Com a morte do promotor, o pessoal da cidade acreditou que terminou a maldição.
Daí, tudo voltou ao normal: começaram a se matar de novo!
Por Luís Augusto Menna Barreto
Isso até parece história inventada!!!
ResponderExcluirComo pode tantas coisas “estranhas” acontecer numa história só?
Se não conhecesse a seriedade do escritor diria que a imaginação criou asas.
Apesar do triste fim do promotor, excelente crônica!
Que venham mais!!!
Ah...... vai que teve uma ou outra “licença poética”.....??!!!
ExcluirEsse Menna, parece história de pescador, coitado do Promotor de Justiça, morreu por ter que encarar um júri... kkkkkkkkkkkk
ResponderExcluirOpa!!!!!!! “Pescador” era o Cara de Cuspe”.... como diria um apresentador de TV: “eu aumento, mas não invento”!!!! Rsrsrsrsrs
ExcluirBaita abraço, Rob!!!!
Realmente, superou toda minha expectativa...
ResponderExcluirEstou em cólicas...não consigo controlar tanto riso...
Como você consegue ser tão enfático ao colocar tanto humor em algo que parece tão dramático??!!! E a confusão só rende a cada minuto que passa, e a gente vai lendo e imaginando a cena e...meu Deus...é demais...!!!!
Olha, fica difícil dizer qual foi a melhor até hoje...mas, só sei dizer que: esta foi híper, mega, tri, maravilhosa, sensacional, excepcional, excelente...
Parabéns já é pouco pra te dizer!!!
Mesmo assim, um caminhão de PARABÉNS por este DOM tão lindo e por dividí-lo conosco, assim, sem nenhum apego!!!
...
Excluirto com um tempo, já, olhando aqui sem saber o que escrever!
Queria dizer obrigado, mas isso fica muito pequeno perto dessa tua generosidade tamanha ao comentares!!!
Eu fico indescritivelmente feliz!!
Acho um barato escrever as aventuras do Marajó... ... queria que todos pudessem ter a maravilhosa experiência que tive, de viver por lá um tempo, participar da vida, conhecer as gentes e aprender a respeitar a cultura local...!!
Um baita abraço....!!!!!!!!
E super obrigado!!!!!
Amigão, valeu esperar a segunda parte. Realmente você merece Parabéns. Texto que tem um cenário espetacular. Parece novela de rádio do tempo da minha vó. Só de ficar imaginando os personagens, faz de cada um de nós leitores parceiros da trama. Adorei.
ResponderExcluirA ideia, amigão, é colocá-los no salão do júri, na praça, na beira do rio... a intenção, é fazê-los personagens....!!!!!
ExcluirSuper obrigado!!!!!
O promotor não morreu. Ou melhor, morreu para se transformar em um "encantado" e entrar como personagem na crônica deste escritor. Este foi o sentido da vida, ou quem sabe, da morte desse sujeito-personagem-coadjuvante deste texto mennabarreteano.
ResponderExcluirParabéns!!! Porque assim, pois, senhor cronista, tu deste outro salto de estilo. Visitaste, com o que agora nos narra, o universo do realismo fantástico.
Pena eu não poder escrever mais...
Mas escreveste mais que suficiente pra deixar-me envaidecido!!!!!
ExcluirQue não se revire do paraíso dos escritores o inigualável Garcia Marquez, ícone maior do realismo fantástico....!!!
Quem sabe, com todas as proporções guardadas, o Marajó seja minha Macondo!!!!
Um imenso abraço!!!!!
Lendo vou criando a cena na minha mente... e rindo rindo rindo. Parabéns De, valeu esperar a segunda parte.
ResponderExcluirAhhh!!!!! Valeu a pena pra mim.... pra ti.... pro Cara de Cuspe..... ... mas coitado do promotor!!!!😆😆😆
ExcluirMe diverti muuuuito com as especulações sobre a "morte"do acusado, que seria julgado, chegou a dizer que tinha morrido com manga com leite rsrsrs e quem acabou indo pro beleléu foi o promotor. Show essa crônica, parabéns poeta.
ResponderExcluirMil obrigados, Eunice!!!!
ExcluirFico sempre esperando teu comentário, e fico sempre feliz se consigo levar-te um sorriso!!!!
Mil obrigados!!!!!
Maravilha!!! Só alguém com tanta sensibilidade e criatividade para nos presentear com esses personagens!!! Muito obrigada!! Parabéns!!
ResponderExcluirAh....obrigado, Maria... mas o presente é o Marajó quem nos da, com suas gentes tão especiais, sua cultura tão rica, seu jeito tão delicioso de levar a vida!!!
ExcluirUm imenso abraço!!!!!
Não aguento rindo aqui com sua estória "Saiam da frente! Ninguém toca no morto, que ele tem que ir pro júri”, iam gritando! Adoro ler o que escreve!
ResponderExcluirAdoro traduzir o Marajó...!!! Porque a ilha não saiu de mim... .... e espero que nunca saia... porque haverá sempre uma história para lembrar e contar!!!!
ExcluirSílvia e Eunice, ATENÇÃO...a Patrícia Batista parabenizou o Poeta chamando-o de: "De"! Será que tem alguma relação com o apelido dele no Marajó??!!! "heim"?!!
ResponderExcluirrsrsrsrsrsrs..... acho que ela quis, gentilmente, colocar "Dr." (título que nem tenho, sou um bacharel, e talhado a facão, como a gente diz no Rio Grande) e deve ter apertado enganado!!
ExcluirSerá Armelinda? Se não for, mas acho que ela sabe do secretíssimo apelido do poeta rsrsrs
ExcluirAcho que não..... esse segredo tá bem guardado no Marajó (eu espero!!! rsrsrsrs)
ExcluirLinda, Eunice e Dr. Menna...
ExcluirConcordo que deve ter sido uma falha deste "corretor" digital...
Mas seria uma boa especulação ... Se eu não tivesse feitos uns contatos lá com o pessoal do Arquipélago e descoberto o "secretíssimo apelido"...
Mas, por enorme respeito, vai morrer comigo este segredo.
Eu juro!
Ah! Parabéns mais uma vez!!!!
Quero ler tudo isso no livro... Cadê?!?
Até !
Olha outra falha...
ExcluirQuem descobre...
Rsrsrs...
Tempos modernos.
Barbaridade..... vai que o apelido caia em domínio público..??!!!!😬😆😂
ExcluirQuanto a livro........ Bora ver........!
ExcluirQue isso... Não se preocupe... Já até esqueci o segredo!
ExcluirBoca de Siri (conhecem essa expressão ?)
Fui.
Bom...Silvia... se é para o bem e felicidade do Poeta, então está esquecido esse negócio de "apelido", pronto...!!! rsrsrs
ExcluirVim aqui!!! Bateu saudades!!!!
ResponderExcluirAh..... que seja bendito o sentimento da saudade....
ExcluirComo é bom receber-te por aqui, novamente...!! Terás sempre espaço aqui, serás sempre bem-vinda...
A velha turma ainda anda por aqui...!!!
Olha !!! Michele!!!
ExcluirEba!
Como é bom ter reencontros...!!!
ExcluirSaudades, Michele!!!
ResponderExcluirSinto, sempre falta de todos, quando nao aparecem.... é como se eu arrumasse a casa, colocasse a cadeira na calçada, com a porta aberta.... e o sol descesse fazendo a sombra da noite entrar na casa vazia......!
ExcluirQue poético isso...
ResponderExcluirAté lembrou aquelas cenas do interior...
ResponderExcluirTalvez as coisas da escritora Ana Isabel.
Talvez...
Como Malva sentava, à espera, quem sabe.....?!
ExcluirIsso... Poderia ser...
ResponderExcluirVamos sentar, à espera, quem sabe Ana vem...
Até !
É verdade... a Ana anda muito sumida!!!
ResponderExcluirJá estou com saudades daqueles nossos encontros na calçada, felizes da vida comendo algodão doce, amendoim, pipoca e tudo de gostoso que aparecesse...!!!
Por um acaso, não tem nenhuma festa pra írmos todos, e revivermos esses lindos momentos?!!!!
Ouvi rumores..... rumores, apenas, de um evento chegando na cidade... diferente do circo... mas um e evento.....!
ExcluirEba!!!!
ExcluirTomara que seja logo...!!
Já estou ansiosa... (RS)
ResponderExcluirSerá que vai ser na praça?
Pelas ruas...
Será que vai ter música ?
Vamos usar acessórios ?
Vai ser com outras pessoas?
Vai ter poesia?
Canção ?
Interpretação ?
Procissão ?
Ah!
Tomara !!
Que seja rumores de coisas boas...
Até !
Seria um piquenique?!
ResponderExcluirOuvi dizer!!!
Poderemos fazer piquenique esperando o espetáculo..... parece que muito breve (um ou dois dias) chegará um carro anunciando!!!!
ExcluirPiquenique...
ResponderExcluirEspetáculo !!!
Se for à noite, vai ser legal!!
Vamos esperar, então!
Tem à noite, mas tem matinês...!!!
ExcluirMeu Deus... não sei onde está minha cesta de piquenique..!!
ResponderExcluirJá vou começar a procurá-la, vai que tudo se confirme e então estarei preparada!!
Bora todos prepararmos para rever a turma!!!
ExcluirComo dizem por aqui, o cava-cova “levou o farelo” . E segue a vida, seguem os júris, seguem as aventuras do gaúcho mais marajoara que eu conheço. Abraços
ResponderExcluirMas que barbaridade...!
ExcluirE não é que meu coração ficou marajoara mesmo...? Impossível viver a ilha, sem fazer parte dela...!
... e acho que foi apenas lá, que descobri que não somos uma ilha...!
Kkkkk.....dr, já está matando promotor? ?? Rsrsr ... dr, cl tenho certeza que a mãe do cara de cuspe é do Mapuá.... rsrs... Muito bom....
ResponderExcluirFlávio!!!! Passou batido esse comentário!!!!
ExcluirAgora que vi!!!!
Não matei não... o que passou foi que quase morri junto!! Mas “desmorri”!!!!!!
Ah..... certamente a mãe dele era de lá... acho até que a pescaria do “desfinado” foi pro Mapuá!!!!