terça-feira, 31 de janeiro de 2017

crônica - Eu o Pilha e o São Jorge

Eu, o Pilha e o São Jorge*
(A quarta aventura do Pilha)

Originalmente  publicado no antigo blog
"Menna Comentários", precursor deste.
Data da postagem original: 29.04.2016.
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De tudo, tudo, não me lembro. Na verdade, acho que lembro pouca coisa. Não sei o que acontece com a cabeça da gente. Ou só na minha, sei lá. Às vezes, quando não me lembro muito bem de uma coisa e faço força, parece que minha cabeça me conta uma mentira que fico acreditando. E passo a contar como se fosse verdade. Então, não sei se o que lembro foi o que aconteceu, ou é minha cabeça que inventou pra não ficar em branco.
Eu lembro que eu e o Pilha ficamos até tarde lá em volta do estádio, porque era dia de jogo grande. Ele sempre dizia que a gente podia ganhar uma grana a mais com os jogos. A gente não é flanelinha. Os flanelinhas são sempre os adultos grandões. E dá muita briga nos dias de jogo grande entre os flanelinhas, porque eles nunca se entendem sobre quem cuida de qual carro. Mas o Pilha me levou e disse pra ficar ligado nos carros em que os flanelinhas estavam longe, ou ocupados pegando dinheiro de outro dono de carro, que a gente chega como se fosse o flanelinha e ganha uma grana. Ele disse que só três ou quatro carros que a gente conseguisse, daria mais que o dia todo na sinaleira, mas que a gente não podia vacilar, senão a gente ia apanhar muito dos flanelas!
“Mas a gente nem tem flanela, Pilha!”
“Me dá a camisa”. 
“O que?, eu não, pega a tua”.
“A minha não dá, é escura! A tua é branca e tá suja. Com a noite vai parecer a flanelinha amarela”.
Eu dei, né?! O Pilha sempre sabia das coisas. Eu tireI a camisa e dei pra ele. Ele colocou no ombro e ficou esperando. A gente tava meio agachado entre dois carros. Daí, quando os flanelinhas estavam longe e veio um homem e uma mulher para um carro perto, o Pilha disse:
“Vou te mostrar, fica cuidando se não vem um flanelinha, senão ele me mata”!
Como assim “ele te mata”, eu pensei, mas o Pilha já tinha levantado e ia pro lado do homem com minha camisa no ombro.
“Jogo bom, né, meu patrão? Óh, tá tudo certinho com o carro, não deixei ninguém chegar perto!"
E o cara falou uma coisa e deu um dinheiro pro Pilha. Ele voltou correndo e me mostrou:
“Vou só?! Te falei!”
5 pilas! O Pilha ganhou 5 pilas de uma vez só! A nota era roxa! Linda! 
Daí me empolguei. O Pilha fez mais uma vez e ganhou mais 5. Caramba: 10 pilas! 
"Tua vez”, ele falou. 
Fiquei nervoso. Ele me deu a camisa dele pra vestir. Falou que sem camisa o pessoal não gosta e não dá dinheiro. Pensam que a gente é vagabundo e não trabalha. Logo a gente, que trabalha o dia todo na sinaleira! Vesti a camisa do Pilha e botei a minha no ombro. Fiz igualzinho a ele!
Caramba, foi incrível! Ganhei 5 pilas no mole! Mas dava medo! Porque a gente sempre tinha que ficar cuidando se vinha o flanelinha! O Pilha falou que se pegassem a gente eles matavam a gente!
Pois daí em diante é que não me lembro bem. O Pilha tava pegando um dinheiro e eu vi o flanelinha gritar. Fiquei desesperado. O Flanelinha correu e eu gritei: “Pilha, corre!”. O Flanelinha me viu gritar e como eu tava mais perto veio pro meu lado, correndo. Saí correndo pro lado da avenida. Não vi direito. Ouvi um estouro. Daí, não lembro de muita coisa! Tem vez que me lembro e parece que eu tava voando. Foi tão lindo! Fiquei vendo tudo ali embaixo e eu passando por cima do carro. 
Mas não lembro direito. 
Lembro que parece que eu tava num sonho e via um monte de camas e um monte de gente vestindo branco e verde. Lembro sempre do Pilha sentado ali perto. Mas lembro e esqueço, como se eu acordasse e dormisse. Mas parecia que eu sempre ouvia a voz dele. Mas não lembro bem o que ele dizia.
Vinha uma moça e colocava agulha no meu braço. 
Dessa parte, nem lembro direito.
Até que quando acordei de verdade, o Pilha tava lá. Ele tava com um livro na mão e me contava uma história. Eu lembro de uma parte que ele contava:
“Daí, a guria de vermelho viu um lobo e falou: vou enganar esse lobo otário, e levar ele pra vovó cozinhar.”
Só dessa parte eu lembro. Porque quando acordei ele logo jogou o livro pro lado.
“Tu tá bem?”
“Arrã!”, eu falei. “Melhor que tu com esse olho roxo!” O Olho dele tava muito roxo! 
Minha perna doía muito. Perguntei o que aconteceu e ele falou: "tu foi atropelado e voou por cima de dois carros. Não sabe atravessar a rua?”
Daí me lembrei mais ou menos do flanelinha correndo atrás de mim. E lembrei que corri pra avenida. Então eu fui atropelado! “E o flanelinha que me perseguiu?”
“São Jorge te salvou! Ele lutou com o flanelinha e te salvou. São Jorge! São Jorge mata dragão, ia perder pra um flanelinha?"
Essa é uma parte que não sei se lembro ou minha cabeça tá inventando prá mim, porque não entendia o que o Pilha tava dizendo com São Jorge, dragão. Só sei uma coisa! Acho que é por causa desse tal São Jorge que o pilha escolheu que o dia de anIversário dele ia ser 23 de abril.
Demorou um pouco, e veio uma mulher de branco. Correu logo o Pilha dali:
“De novo aqui, moleque. Se manda, ou vou chamar a policia”.
Eu sei que o Pilha não tinha medo de policia! Mas ele saiu. Não gostava de ficar onde tinha gente mandando ele sair.
Depois que a mulher de branco saiu, a moça que tava na cama ao lado da minha falou: 
“Ele é o São Jorge”.
Não entendi.
“O que?”
"Eu cheguei no pronto socorro junto contigo. Vi a policia contar que ele tava brigando com o flanelinha que tava te batendo quando foi atropelado. Ele foi atendido no olho, mas liberaram ele no mesmo dia. Faz 4 dias que tu tá aqui, guri. E ele fica toda hora entrando, pega o livro e finge que lê, fica inventando história."
Não gostei de ouvi a mulher dizer que ele ficava fingindo que lê! Não gosto que falem do Pilha.
“Ele sabe lê”, eu falei.
A mulher não falou mais nada. 
… Mas eu também tinha visto que o Pilha tava segurando o livro de cabeça para baixo. Só que não vou deixar ninguém falar do meu amigo! Enquanto eu tiver por perto, vou sempre defender ele.

Por Luís Augusto Menna Barreto

  • Pilha é meu personagem mais caro… não falo de preço… falo de carinho… Já publiquei 5 aventuras do Pilha, e há uma sexta aventura inédita, ainda… mas alguns não o conhecem… por isso, decidi republicar. Perdoem-me os que já o conhecem… de qualquer forma, eu estou com saudade do Pilha…! Esta é a sua quarta aventura!



domingo, 29 de janeiro de 2017

Um Contículo de Ausência

Um Contículo de Ausência

Por muitas vezes ele caminhou na rua, como fazia agora, com as mãos nos bolsos a touca na cabeça, gola levantada e deixando o vento minuano atingir-lhe dando a impressão que era imune a facas afiadas...
... muitas vezes ele saiu ao vento depois de discutir e dizer, no meio da discussão que ela o sufocava querendo o tempo todo sua atenção... Vestia o casaco e a touca ! Ele gritava! Dizia que amar não era assim! 
"Eu só sei amar assim", ela dizia.
"Então tu não sabes amar!" e batia a porta!
E andava contra o vento.
Até que um dia ele chegou em casa, e não a viu. Não a escutou. ... ficou no silêncio. No vazio. Então, depois de um tempo, estava novamente na rua, no frio, no vento... descobrira que a ausência dela era tão volumosa, que ele mesmo já não cabia mais na casa…


Por Luís Augusto Menna Barreto


sábado, 28 de janeiro de 2017

poesia de ver: "... medidas!"

Poesia de ver:  "... medidas!"

Originalmente  publicado no antigo blog
"Menna Comentários", precursor deste.
Data da postagem original: 30.04.2016.
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Fico tão triste de ver-te com poeira, plantinha…

Não é pela poeira que tens que ficar triste… ela é apenas a forma como meço tua ausência…



Imagem e texto por Luís Augusto Menna Barreto

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

crônica - Eu, o Pilha e o Uálquin

Eu, o Pilha e o Uálquin*
(A terceira aventura do Pilha)

Originalmente  publicado no antigo blog
"Menna Comentários", precursor deste.
Data da postagem original: 15.04.2016.
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Era um daqueles dias quentes. Não tem como ficar na sinaleira muito tempo nos dias muito quentes. O asfalto queima o pé da gente. 
Daí que eu e o Pilha combinamos de ir de novo no parquinho. Mas nem tinha dado tempo de ganhar o dinheiro do dia, ainda. A mãe sempre desconfiava se eu chegava sem os oito pilas. Dizia que em vez de trabalhar eu tinha ficado brincando e eu sempre apanhava. E eu tava com fome, também. Se fosse pegar pra comer, ia ter que ficar mais tempo ainda, e eu não tava aguentando mais tanto calor.
O Pilha, acho que já tinha ganhado mais de dez pilas. Ele sempre conseguia mais que eu. E eu ainda tinha que dar a moeda dele, porque aquela era a sinaleira dele e ele deixava eu ficar lá se eu desse uma moeda por dia.
Quando eu disse que ainda não tinha oito e que tava com fome, ele disse que dava um jeito. O Pilha sempre resolvia tudo! Ele disse pra eu dar a moeda da cota dele, eu dei e ele disse: “Já volto”. E saiu correndo dali.
Em seguida ele chegou com um pedaço de esponja meio escondido na mão. Rasgou no meio, ficou com a metade e me deu o outro. “Toma, vai passar tua fome”.
“E eu vou comer esponja, Pilha? Tá doido?”
“Não é pra comer, ‘inguinorante’. Fica cheirando que passa a fome! É melhor que comida.”
Fiquei meio desconfiado, mas como ele já tava cheirando, cheirei também. Tinha um cheiro parecido com tinta, mas achei bom. “Bora”, ele falou, e saiu correndo pro parquinho. Fui atrás, com a esponja na mão.
Chegamos e fomos direto pra nossa árvore e ficamos olhando, como sempre, as crianças nos brinquedos e na caixa de areia. O Ranho tava lá, com nariz escorrendo e toda hora lambendo, e a babá sentada, olhando o celular. E tinha outras crianças perto do Ranho. E várias babás junto com as do Ranho. As crianças estavam brincando, mas as babás nem se falavam. Cada uma tava com seu celular na mão. Não sei nem pra quê ainda chamam de telefone, porque nunca vejo nenhuma falando! Ficam só cutucando nele o tempo todo, sem tirar os olhos. Melhor, então, era comprar uma TV e deixar ali no parquinho. Será que elas cutucam a TV vendo a novela?
Junto com as crianças estava um garoto pouco maior do que eu e o Pilha. Ele andava quase arrastando uma perna, ia de um lado pra outro, sem nunca virar o pescoço. Era engraçado. Ele se virava inteiro. O Pilha chamou ele de Uálquin. Disse que era por causa de um filme de DVD. O Pilha já viu muito filme, porque domingo ele vai com o irmão mais velho vender DVD pirata no centro, e tem até uma TV que o irmão coloca na banca, passando filme. Lá que ele viu esse filme Uálquin Dédi e disse que o Uálquin anda como os do filme. As crianças todas ficavam atirando pedrinhas no Uálquim e daí ele se virava pra um lado e pra outro, sempre indo atrás de quem tinha atirado a pedrinha. Até o Ranho tava atirando as pedrinhas nesse dia.
E a babá do Uálquin? Tava lá, cutucando no celular!
Não sei o que deu no Pilha naquele dia. De repente ele desceu da árvore e foi pro lado das crianças, nos brinquedos. Eu fiquei na árvore, e até subi mais, pra olhar bem. A brincadeira parecia bem divertida, mas nunca deixavam a gente brincar. Sempre que nos viam com os garotos, alguma das cutucadoras de celular corria a gente de lá. Mas o Pilha é corajoso e foi lá brincar! 
Quando ele tava chegando, logo juntou uma pedrinha. Mas eu achei estranho, porque ele foi bem pertinho do Uálquin. ficou quase encostando nele. Daí, quando um garoto perto do Ranho atirou a pedrinha no Uálquin, o Pilha se meteu na frente e jogou a pedra de volta no garoto! Na mesma hora, esse garoto saiu correndo e chorando pro lado da babá! Claro que logo acabou a brincadeira, sem nem dar tempo do Pilha brincar direito. A babá levantou e correu o Pilha dali. E logo cada babá foi chamando a criança que cuidava e levando embora. O Pilha se mandou correndo pra nossa árvore!
“Ué, Pilha! 'Tu foi' lá acabar com a brincadeira? ‘Tu não sabe’ brincar mesmo! Entrou no time errado!” Eu disse quase rindo.
O Pilha não falou nada. Parece que nem tinha escutado eu falar. Ficou olhando o Uálquin ir embora quase arrastado pela mão da babá. 
Daí, aconteceu uma coisa que nunca acontecia: o Uálquin virou o pescoço pra trás e ficou olhando pra nossa árvore. E eu não sei direito, mas pareceu que ele sorriu.
… mas quando olhei pro Pilha tive certeza: no Pilha, era um sorriso.

Luís Augusto Menna Barreto

* Pilha é meu personagem mais caro… não falo de preço… falo de carinho… Já publiquei 5 aventuras do Pilha… mas alguns não o conhecem… por isso, decidi republicar. Perdoem-me os que já o conhecem… de qualquer forma, eu estou com saudade do Pilha…! Esta é a sua terceira aventura!



segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

diálogos - "...buscar-te!"

Diálogos: “…buscar-te!” 

Originalmente  publicado no antigo blog
"Menna Comentários", precursor deste.
Data da postagem original: 02.05.2016.
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Ele se levantou de repente do tronco onde ambos estavam sentados e começou a caminhar pra frente, em direção ao rio alguns metros adiante.

Aonde você vai?”- Ela pareceu despertar de repente!

“Atravessar o rio e tentar descobrir o que prende teu olhar… Quero tentar encontrar-te”.

E se eu não estiver lá…?

“Então nada mudará… vou continuar sozinho… como agora…”



Por Luís Augusto Menna Barreto




sábado, 21 de janeiro de 2017

pensamentos perdidos - "... de repente!"

Pensamentos Perdidos: “… de repente!”

... de repente... 

Ela piscou os olhos... 

... de modo instintivo, como fazia sempre, tocou leve, com a ponta do dedo, ao lado do olho, por baixo da haste do óculos... sentiu a marca dos anos na pele... e veio aquele sorriso quase sem querer... 

De repente, ouviu a risada da filha... ... como aquele som justificava a vida, pensava... ouviu o barulho do cortador de grama, e viu-o suado, mas com semblante feliz... percebeu que não foram as viagens (tantas!) que fizeram por lugares tão diferentes; percebeu que não foram as festas de aniversário tão especiais, nem as comemorações dos aniversários de casamento, em que sempre era surpreendida de modo diferente... percebeu que ao longo dos anos, a felicidade havia sido construída nas pequenas coisas... na maneira como ele lhe servia o café em algumas manhãs de sábado... no jeito que ele lhe olhava quase escondido, quando ela o ia ver em uma partida de futebol... no abraço da filha, quando a deixava na escola...

De repente, olhava no espelho, e via um retrato da mãe sem ser ela e pensou que agora a entendia tão melhor... as queixas, as preocupações, as esperanças que lhe depositava...  lembrou o pai, cuja delicadeza contrastava tanto com a figura enorme, mas lhe era proporcional no tamanho...

De repente, parecia que olhava para trás e via que a vida valeu a pena... pensou na igreja, no silêncio, nos olhos dele, na lágrima da mãe... ainda estava com o dedo tocando suavemente ao lado do olho... piscou devagar, suspirou e sentiu que tudo valera a pena... que aquele “sim” que lhe parecia tão incerto, foi o melhor acerto...

De repente... ela piscou... e acordou do sonho de um instante... nem mesmo ouviu o Padre direito, nem ouviu qual era a pergunta mas naquele segundo, tinha a resposta: SIM. 

... e se havia alguma dúvida, naquele instante em que sonhou tudo isso, foi o instante do milagre, o instante em que Deus se faz presente e toca na alma... nunca havia falado com tanta certeza, nunca fizera uma afirmação tão tranqüila... não importava a pergunta; a resposta ela a recebera no coração: SIM, ela respondeu... e tinha a certeza que a vida inteira daria certo…!

Por Luís Augusto Menna Barreto






quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

crônica - Eu, o Pilha e o Ranho*

Eu, o Pilha e o Ranho*
(A segunda aventura do Pilha)

Originalmente  publicado no antigo blog
"Menna Comentários", precursor deste.
Data da postagem original: 29.03.2016.
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Eu e o Pilha chamávamos ele de “Ranho”. A gente não sabia como era o nome dele. Parece que era “15", porque a babá dele sempre chamava ele de “Quinzinho”. Mas a gente chamava de “Ranho" porque ele vivia com o nariz escorrendo ranho.
A gente sempre via ele no parquinho, perto da caixa de areia e da gangorra. A babá sempre por perto, mas nem olhava direito pra ele, porque tava sempre olhando o celular, sentada. Quando ela terminava de ver o celular, dava um grito: “Quinzinho, vem, que tá na hora”. 
Eu e o Pilha íamos bastante no parquinho. Mas não nos brinquedos, porque sempre tinha um adulto pra fazer cara feia e acabavam tirando a gente dali. Então, a gente ficava sempre subindo nas árvores.  Eu conseguia ir no parquinho, sempre que a mãe pegava minhas duas irmãs pequenas e ia pro centro, sentar na frente daquela loja grande, pra ganhar um dinheiro. Como eu já tô grande (a mãe disse que eu já devo ter uns oito anos), tenho que ficar e ganhar o dinheiro na sinaleira. Tem gente que chama de farol ou sinal, mas eu gosto mesmo é de “sinaleira". 
A minha sinaleira é a mesma do Pilha. Foi ali que nós nos conhecemos. Quando cheguei, ele disse que a sinaleira era dele, mas eu podia ficar ali, se eu desse uma moeda pra ele todo o dia. E ele disse também que tinha que obedecer as regras dele, porque ele era mais velho. Ele disse que tem nove anos. E disse até o dia dele: era dia 23 de abril. Depois ele me contou que foi ele que escolheu esse dia, porque o dia de verdade ele não sabia. Por quê, 23 de abril ele ainda não me contou! Mas acho que nem ele sabe contar os dias pra saber o dia dele.
Ele me ensina muita coisa. Acho que ele sabe mais porque é mais velho. Ele me ensinou a andar de carro! Ele me disse prá atirar a pedra no vidro do shopping e logo vieram uns homens de Kombi que me levaram e eu andei de carro. Mas no outro dia eu já tava na rua de novo. A mãe levou um papel que parece que tinha meu nome e me soltaram. Nunca vi papel abrir porta. Pra mim, o que abre porta é chave, então, eu acho que aquele papel é a minha chave. Eu não sei o que tem nele porque não sei ler. Minha mãe também não sabe, mas ela disse que ali tem tudo meu. Que com aquele papel sou gente. Isso eu também não entendo, porque gente eu acho que já sou. Mas não é bom ficar contrariando a mãe, senão apanho.
Acho que o Pilha me ensina mais que ela. Ele me ensinou como conseguir ir no parquinho. Desde o primeiro dia na sinaleira, ele já foi me ensinando:
“Óh: o segredo é nunca dar tudo. quando consegue uns 8 pilas já tá bom. Daí, tu fica mais se quiser, mas nunca dá mais que 8 pilas. Porque aí, quando tu quiser sair mais cedo, ela não vai desconfiar.”
Eu achei o Pilha inteligente. E ia fazendo como ele dizia. Daí, a gente acabava sempre vindo pro parquinho, porque era rapidinho que a gente ganhava os 8 pilas. E a gente vinha direto para as nossas árvores. 
Da árvore, a gente sempre via o Ranho e ficava com muita pena dele. Ficava lá, só onde a babá deixava e nunca podia subir nas árvores. Às vezes a gente via que ele nos olhava com inveja. Mas fazer o quê? A babá vigiava o tempo todo e nem deixava ele sair da areia. Depois ela gritava: “Quinzinho, vem que tá na hora”. E lá ia o Ranho, pela mão, e já entrava naquele prédio cheio de grade. Coitado dele, viver trancado num lugar tão pequeno, preso lá pra cima. Às vezes a gente via ele espiando aqui pra baixo, por trás da grade da janela. Parecia bicho, vivendo trancado.
Acho que se fosse eu, ia ficar sempre triste.
Deus me livre viver como o Ranho.

Por Luís Augusto Menna Barreto


* Pilha é meu personagem mais caro… não falo de preço… falo de carinho… Já publiquei 5 aventuras do Pilha… mas alguns não o conhecem… por isso, decidi republicar. Perdoem-me os que já o conhecem… de qualquer forma, eu estou com saudade do Pilha…! Esta é a sua segunda aventura!




terça-feira, 17 de janeiro de 2017

poesia de ver - "...perfume teu!"

Poesia de Ver: "... perfume teu!"


Originalmente  publicado no antigo blog
"Menna Comentários", precursor deste.
Data da postagem original: 27.04.2016.
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Apertavas o lençol contra o peito:

“Flores desenhadas no pano exalam perfume assim?"

Ainda não…”, tu respondeste.

Só à noite descobri o que fazias, quando estavas longe, mas me cobriste com teu perfume…


Imagem e texto por Luís Augusto Menna Barreto



domingo, 15 de janeiro de 2017

pensamentos perdidos - "...lençóis!"

Pensamentos Perdidos - “…lençóis!”* 

Por causa dela, ele se perdeu do mundo... do tempo... de tudo... já nem lembra quando sua morte começou. Sabe, simplesmente, que de há muitos anos vem morrendo. E cultiva sua morte, regando-a e lhe tornando dia a dia mais robusta, através das lembranças dos dois, às quais jamais abdicara...
O belo sorriso da amada jamais desaparecera de suas lembranças... jamais fora capaz de guardar lembrança da tristeza ou de qualquer sofrimento dela. Lembrava-se de como era maravilhosamente igual, todos os dias, acordar-se com o “bom-dia” dela às sete da “madrugada”: ela já com os cabelos presos, café tomado, dentes escovados e apressada para o trabalho naquele escritório de “insensíveis” engenheiros, enquanto ele ainda se espreguiçava na cama. Haveria de encontrar o café sobre a mesa, o pão cortado, as geléias...
Ela era seu mais exato contraponto: tinha trabalho fixo, obedecia horários, fazia pós graduação - em que mesmo? - pagava o aluguel, tinha celular, agenda, vida social na qual ela insistia em colocá-lo, milhões de amigos... ele, porém, vivia do seu amor, deixando, despreocupadamente, passar dias após dias, e vivia da esperança de um dia vender uma das peças de teatro que escrevia, sem qualquer outra ocupação, que não a sua caneta e o amor pela moça. 
- Para vender é preciso terminar ao menos uma. - Dizia ela com seu jeito prático de encarar o mundo.
- O importante não é terminar, mas começar sempre. Depois de criar um personagem ele toma vida própria, e já não posso mais escrevê-lo. Tenho de senti-lo, tenho que esperar ele me dizer o que fazer. - Ele respondia.
- Mas eles nunca te dizem. Tu escreves, então, personagens mudos! - Riam. Ela o aceitava assim. E ninguém jamais entendera como os dois puderam ser tão felizes naqueles dias, sendo tão diferentes.
As pessoas achavam que o tabuleiro de xadrez sempre montado na sala era meu, só porque eu era o ‘avoado’ e nem acreditavam que ela jogasse tão bem. Ele se divertia com aquela lembrança. Era um dos poucos sorrisos que aquela sua lenta morte permitia. Até que um dia, ele brigou porque ela queria trocar a roupa de cama. Ele disse que não precisava, que não estava suja, ainda. Ele, enfim, disse que não! E não permitiu que ela trocasse a roupa de cama. 
Ela nunca mais voltou. Quando foi despejado, porque ninguém mais pagara o aluguel, foi correndo à cama e enrolou-se nos lençóis... os lençóis, hoje desbotados, rotos, que são sua mortalha durante seu lento morrer. Ele jamais escreveu novamente. Jamais fez outra coisa senão lembrar da moça sempre bela, aguardando a morte ficar tão volumosa que superasse sua vida. 
Depois de muitos anos, jamais ousou pensar - porque não teria uma segunda chance para viver novamente - em como poderia ter sido diferente a vida, se os lençóis da cama fossem trocados...

Por Luís Augusto Menna Barreto

*Um texto escrito há 25 anos, por um menino de 21…



sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

crônica - Eu e o Pilha

Crônica: Eu e o Pilha*

Originalmente  publicado no antigo blog
"Menna Comentários", precursor deste.
Data da postagem original: 6.03.2016.
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Eu nunca soube como era morar em uma casa. E hoje, nem consigo entender como a maioria das pessoas consegue ficar horas e horas e horas dentro de um lugar pequeno e fechado. Imagina em apartamento, então!
Eu lembro que o Pilha sempre falava: 
“Tá doido! Já pensou, uma casa em cima da outra? É gente que parece piolho, com o pé na cabeça um do outro. E chamam de ‘é-difício’! Fácil não deve ser não”.
Meu mundo foi sempre grande. Mesmo que eu não tenha ido muito longe dessa sinaleira. Porque é aqui que ganho minhas moedas.
Mas de tanto ir na janela do carro pedir, sempre quis andar de carro. Tinha vontade de ver como seria andar mais rápido do que gente. E foi o Pilha que me ensinou andar de carro. A gente tava perto do Shopping, eu tava falando da minha vontade e ele ensinou:
“Joga a pedra na porta!”.
“Será?”
“Joga a pedra na porta!”
Joguei. Foi barulho de vidro e gritaria. Não demorou muito. Não vi nem o guarda chegar, porque só me lembro de ter ficado muito tonto com o tapão que levei na orelha. Depois ele me chutou, falou tudo o que não presta pra mim e me levantou torcendo meu braço. 
Eu vi que o Pilha correu e ficou vendo do outro lado da avenida. Ele é meu amigo e tava torcendo por mim.
E deu certo.
Não demorou muito e veio uma Kombi com uns caras que me atiraram pra dentro sem nem perguntar meu nome.
Foi uma das coisas mais lindas que vi. Acontece uma mágica: quando a gente entra num carro, inverte tudo: a gente fica parado, e é o mundo que começa a andar rápido e passa pela gente, que se não presta atenção a gente nem vê! Eu vi o Pilha agarrado atrás da árvore e ele passou rápido com a árvore, que quase nem vi. 
Mas eu vi que o Pilha tava sorrindo. Porque amigo de verdade é assim: fica feliz quando consegue realizar um sonho pra gente. 
Tô devendo essa pro Pilha.

Por Luís Augusto Menna Barreto

 * Pilha é meu personagem mais caro… não falo de preço… falo de carinho… Já publiquei 5 aventuras do Pilha… mas alguns não o conhecem… por isso, decidi republicar. Perdoem-me os que já o conhecem… de qualquer forma, eu estou com saudade do Pilha…!


quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

poesia de ver - "... um teu amor!"

Poesia de Ver:



Se fores arrancar-me para presentear teu amor, não me coloques em um bouquet.
Entrega-me sozinha… … quero sentir-me única, nem que seja para um amor que não é meu…!

Imagem e texto por Luís Augusto Menna Barreto

(Das roseiras da minha mãe, em Santo Antônio da Patrulha, RS)


segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

poesia de ver (Crônica) - O Elevador e as Mensagens

Poesia de ver: (Crônica)

Pode parecer uma crônica… 
pode parecer uma histórinha…
mas meu pequeno João saiu correndo e foi procurar um lápis.
Minutos depois, pediu que sentássemos na sala e leu, nervoso,
com medo de nossa reação…
Disseram-me que foi uma boa historinha…
… para mim, ver meu pequeno João em pé lendo, ansioso…
… foi POESIA DE VER!

O Elevador e as Mensagens

O Joe tava no supermercado trabalhando quando a mulher começou mandar mensagens e não parava, daí ele respondeu. Ela dizia: vem pra casa rápido. Ele disse pra ela: “tá, ja vou. Só vou na casa do Mateus. 
Então ele chegou no prédio do Mateus, tinha um elevador e uma escada. Ele só andava de escada, mas então ele resolveu ir de elevador, mas tinha uma aviso que não é permitido mandar mensagens nem receber. Daí ela mandou uma mensagem que dizia: “se você não chegar até a meia noite, vou pedir o divórcio.”
Ele estava chegando em casa e faltava um minuto para a meia noite. Ele chegou. Ela disse: “vamos relaxar vendo TV.” 
E o que aconteceu?
Faltou luz!

Por João Mallman Menna Barreto




sábado, 7 de janeiro de 2017

crônica - O Cândido Sem Apelido, as Mensagens e o Carro

O Cândido Sem Apelido, as Mensagens e o Carro

Eu ainda não havia acostumado:
“Condomínio do Edifício Princes Park e Cândido Araújo de Almeida, passar para a audiência."
Notaram? Isso mesmo! Não eram apelidos. Os nomes simplesmente não me diziam nada! Quando entraram, o representante do condomínio e seu advogado (ambos de paletó e gravata) e o requerido com seu advogado (este último de gravata), passaram pelo meirinho e o meirinho não disse nada. Foi como numa linha de montagem, como numa engrenagem. Impessoal. Distante. 
Eu ainda não estava de paletó e gravata. Continuava como na ilha: calça e camisa polo. Quase suspirei ao não ver o Goela gritando apelidos que sempre diziam algo sobre quem era chamado. Fiquei olhando para o meirinho que abriu passagem para as partes e advogados, abrindo a porta e fechando sem nenhum comentário. O Goela sempre tinha algo a dizer, seja falando, seja com os olhares e gestos. A escrevente que haveria de digitar a audiência olhava pra mim com alguma curiosidade, como se estivesse intuindo que eu estava esperando algo que não acontecia… tive a impressão que ela, de alguma forma, ainda teria boas histórias para contar e serem contadas. 
As partes e advogados estavam-se acomodando em torno da mesa de audiências e o meu telefone tocou. Vi o número. Minha esposa. Fiz o que qualquer juiz faria em uma situação destas: 
“Com licença um minuto, é muito importante, telefonema da Corregedoria!” E saí um instante. 
“Tens que decidir qual o carro tu vais querer”.
“Hein?”
“Carro, estou vendo pra ti. Não podes ficar indo trabalhar de ônibus. Tens que resolver isso! Qual vais querer para eu começar a pesquisar pra ti?”
“Não pensei nisso ainda” (mentira, já tinha pensado, sim!). Doblo! Queria um carro grande para colocar todas as bagunças do meu filho dentro e podermos sair com bicicletas, amiguinhos dele, sorvetes, pipocas e tudo que quisermos! “Vou entrar em audiência, depois vemos isso. Penso e te digo”!
Voltei para a sala de audiências:
“Perdoem”, eu me limitei a falar.
“Ora doutor, que é isso. Não se pode deixar de atender à Corregedoria, nós compreendemos”. Isso foi o que o advogado do condomínio disse. Mas o olhar dizia; “tem uma placa bem na porta dizendo que é para desligar o celular! Só porque é juiz, acha que pode tudo.”
Peguei o processo: era um caso relativamente simples de entender: o requerido (Cândido, sem apelido) estava devendo mais de dois anos de condomínio! Pode ter algo mais simples? O sujeito reside em um prédio, existem despesas óbvias e todos os proprietários tem de pagar em rateio. Simples assim!
“Eu não devo doutor!” Era o Cândido sem apelido! Eu confesso que fiquei curioso! No processo parecia tudo tão bem demonstrado. Mas antes que o Cândido sem apelido falasse mais, o advogado do condomínio interveio: 
“Doutor, data venia, não é o momento oportuno para a manifestação do requerido, a não ser que já tenha havido o saneamento do processo e Vossa Excelência esteja tomando o depoimento pessoal da parte!”
(Aqui eu colocaria um “emouticon" de olhinhos arregalados!) Evidente que eu conheço o procedimento. O problema é que eu ainda estava com aquela “mania" do Marajó, de querer resolver os problemas, em vez de querer seguir ritos! Mas vá lá…
Meu celular apitou. Apito curto. Mensagem de texto. Eu havia esquecido de colocar no silencioso! Fiz o que a etiqueta recomenda: disfarcei, olhando para os advogados e discretamente coloquei no silencioso. Depois, espichei o olho e vi a mensagem com o celular em cima da minha coxa: “Qual (emouticon de carrinho) ?”
Bom ali eu sabia quais seriam minhas opções: ou desligava o celular, ou respondia. Caso contrário, seria bombardeado por mensagens ou telefonemas até responder. Fiz o que deu menos trabalho: “Doblo”, digitei discretamente. Enviei.
“Senhores”, eu falei: "Eu estou aqui para entender e resolver o problema. E é isso que farei. Então, vou, sim, ouvir o que o requerido tem a dizer!”
Disse isso olhando nos olhos de todos. Estava sério. Decidido.
Os advogados não ousaram mais argumentos. Entenderam a firmeza com que eu disse. Observei, com o canto do olho, um quase sorriso na escrevente. 
Senti uma leve vibração na perna. Mensagem: “Doblo não! Feio. Muito grandão. Escolhe outro. Vi o Etios é bonito e econômico. Ótima relação custo-benefício. Estou vendo pra ti. Preferes sedã ou hatch?”
O Cândido sem apelido estava falando. Eu ouvia que ele falava algo, mas prestei atenção na mensagem. Digitei “Sedã. Combina com juiz”.
“… de carona. Por isso não tenho que pagar”. Terminou de falar o Cândido sem apelido e cruzou os braços.
O advogado do condomínio fez um sorriso sarcástico. O advogado do Cândido sem apelido meio que se encolheu na cadeira, como se tivesse ficado com vergonha do discurso do cliente. Já o representante do condomínio estava com a mesma expressão desde que entrou na sala, e parecia que estava em outro lugar!
Como eu só tinha ouvido o final, arrisquei:
“… carona…? Como assim?”
“Carona doutor! Olha só: o que mais da despesa no condomínio é a energia. O que mais gasta a energia é o elevador. Eu moro no 2º andar, doutor. E eu só subo de escada! Só vou de elevador, quando chego no prédio e alguém de andar mais alto está subindo. Daí, entro e pego uma carona até o meu andar!"
Eu acho que cheguei a ficar de olhos arregalados. Por um momento, acho que veio até um sorriso. Se na ilha tivessem prédios com elevadores, eu acho que teria realmente escutado histórias assim! Mas certamente não seria de um Cândido sem apelido… Seria alguém chamado de “Escalada”, de Homem-Aranha”, de “Escada”… jamais um Cândido sem apelido!
Perna vibrando. Outra mensagem: “Sedã achei feio. Hatch é mais bonito! Preferes câmbio manual ou automático?”
Digitei discretamente, tentando não perder o fio da meada da conversa na audiência, entre os advogados.
“Manual. Gosto trocar marchas.” (Enviar).
“Veja bem, doutor, tenho certeza que o requerido está fazendo pilhéria! Não é nem razoável o argumento!”
“Exijo respeito com meu cliente!” Disse o advogado do Cândido sem apelido, dedo em riste, num arremedo de impetuosidade, como que querendo mostrar ao cliente alguma energia digna de pagamento, já que a tese da “carona”, evidentemente era sofrível.
Perna vibrando: “Manual não! Muito desconfortável! Vou fechar com câmbio automático!”.
“Hein?” Escapou. Era para a mensagem, mas saiu como se fosse para a discussão na audiência. E acho que saiu meio alto, porque eles pararam de discutir e ficaram olhando pra mim!
Ali eu vi que não ia dar certo aquilo! Ou eu me concentrava na audiência, ou resolvia do carro! Decidi pela audiência e, num arroubo impensado, coloquei o celular no modo avião!
Dali para diante, a audiência não teve graça. Vi que não teria acordo, e realizamos toda a instrução, com a oitiva formal do Cândido sem apelido e do representante do condomínio que só sabia repetir “não possuo este dado, mas o requerido está devendo 25 meses”.
“E quanto é a despesa mensal do condomínio?”
“Não possuo este dado, mas o requerido está devendo 25 meses”.
“Quanto é o montante total da dívida do requerido?
“Não possuo este dado, mas o requerido está devendo 25 meses”
Quase que eu pergunto se amanhã iria chover… mas eu sei o que ele responderia:
“Não possuo este dado, mas o requerido está devendo 25 meses.”
E assim foi, até eu prolatar a sentença determinando que o requerido pagasse a dívida total, as despesas do processo e os honorários do advogado do condomínio.
Cheguei em casa no começo da noite, depois de 50 minutos no ônibus, ter descido em frente ao supermercado e caminhado dois quarteirões. 
Respirei fundo. Lembrei que eu sou juiz, afinal de contas, ganho a vida tomando decisões! Abri a porta. Ela estava lendo uma revista. Respirei fundo, decidido e já comecei reclamando:
“Sim, tu decides que eu vou comprar um carro, pedes pra eu escolher o modelo, e o que eu escolho não serve; tu dizes pra eu escolher se quero sedã ou hatch, escolho sedã e não serve; dizes pra eu escolher se quero automático ou manual, escolho manual e não serve? Quem de nós vai, afinal, usar esse carro?” E tentei fazer uma cara braba, decidida!
Ela sorriu. Continuou olhando a revista.
“Ah, tu nem tens tempo para ficar vendo essas coisas e eu pesquisei bem antes de tu escolheres esse. Mas não ficas chateado. Ainda tens que escolher a cor: cinza, branco, e um tal  ‘azul petróleo’. Qual tu queres?
Eu me desarmei! Pensei nas cores e sentenciei!
“O azul petróleo!”
“Essa cor não. Escolhe outra!”
“Hein?”


Por Lúís Augusto Menna Barreto