O De Testa, o Goela e a Maria da Penha
“Nem me liga, Afrodite, nem me liga!”
E logo em seguida aquela risada espontânea e contagiante do Goela, quando ele mesmo achava graça do que contava!
Parece que a risada que não durou muito, mas que teve graça, teve!
Eu lembrei disso, porque estava em mais um dia de audiências “Maria da Penha”. Isso mesmo: aqueles casos de violência doméstica. Tá bem, o conceito “violência doméstica” não tá muito certo, porque tem vezes que aparece um caboclo lá, com a cabeça quase rachada de perna de mesa, diz que quer denunciar a pequena “por Maira da Penha”, e sai frustrado. A gente explica que não tem “Maria da Penha” pra homem.
Eu tento até falar que, tendo sido agredido, ele pode denunciar a agressão, fazer um boletim de ocorrência porque de qualquer forma agressão é crime, só não dá pra ser por meio da Lei Maria da Penha, mas isso não adianta. O caboclo sai frustrado, porque queria mesmo era colocar a esposa no “Maria da Penha”!
Aliás, duas observações sobre o que eu falei nos dois parágrafos anteriores: A primeira é sobre a "cabeça rachada com uma perna da mesa”: incrível como as mulheres, na hora da raiva, conseguem arrancar pernas de mesa, e tascar bem no meio da cabeça dos homens. Pra quem não sabe, é muito mais comum do que pensam por aí! A segunda observação é sobre o caboclo sair frustrado da delegacia ou do Poder Judiciário quando descobre que não tem uma Lei “João da Penha”! Eu lembro, por exemplo do caso do “De Testa” (não, eu não sei porque chamam ele assim!) que insistiu por umas três vezes que queria tirar a “Zilda Fala Pouco” de casa. E foi tudo no mesmo mês!
Tô eu, tranqüilo, no Fórum, num dia normal, despachando sobre um caso de furto de bicicleta, quando o Goela avisa que tem um sujeito que quer falar comigo. Como sempre, disse que entrasse, e dali há pouco entra um caboclo justamente com a testa ensanguentada:
“Me ajuda, doutor!” E apontava pra testa!
No momento que ele entrou, quase que digo “não sou médico”, mas esperei um pouco!
“Me ajuda, doutor!” E apontava pra testa!
Daí, fui eu que enruguei a testa e levantei os ombros daquele jeito “sim, desembucha!”
“Me ajuda, doutor!” E apontava pra testa!
Pronto, não segurei a vontade:
“Não sou médico. E pára de caminhar de um lado pro outro, que pelo menos vai ficar mais fácil de limpar o sangue do chão!”
“Mas me ajuda, doutor. Foi a Fala Pouco, doutor. Ela que fez isso comigo! Só porque eu tomei uma cachacinha e cheguei com fome, doutor, ela fez isso!”
Fiquei em silêncio. Esperando…
“É Maria da Penha, doutor! Tem que fazer ela sair de casa e ficar longe de mim cem metros e chamar para audiência”.
“Hein?” (Acho que o De Testa já tinha passado por essa situação ao contrário, porque até que tava sabendo de como funcionam algumas coisas… só que ao contrário: em favor das mulheres!
"Maria da Penha, doutor!”
Daí, expliquei que não poderia ser pelo procedimento da Lei Maria da Penha, e que ele poderia, em todo caso, ir até a delegacia, contar o que houve, registrar a ocorrência e a agressão seria investigada. Entreguei para ele, um folheto explicativo, sobre as situações de violência doméstica.
Não serviu. O De Testa saiu muito decepcionado.
Não deu nem dez dias, e, de novo, o De Testa no Fórum. O Goela abriu a porta sorrindo:
“Doutor, de novo!” E nem deu tempo de eu perguntar “o quê”, foi fazendo o De Testa entrar. Entrou quase chorando e, no lado do pescoço, uma marca vermelha como se tivesse levado uma paulada com um cabo de vassoura.
“Agora, doutor! Agora é! Agora é Maria da Penha!”E apontava para o pescoço!”
Lembrei de uma assessora muito espirituosa que eu tive que falava: “Dai-me paciência, Senhor, porque se me der coragem, eu mato esse desgraçado!”
“Doutor, agora é Maria da Penha! Olha: igual no folheto! Ela me bateu com a vassoura, doutor! Agorá é!”
“Mas De Testa, não é isso que tá no folheto! Tu não leste?”
“Mas é igual tá no desenho, doutor!”
O De Testa não sabia ler. E, no folheto, tinha alguns desenhos exemplificativos, em que aparecia uma vassoura com um “X”, tanto quanto vários outros utensílios domésticos, advertindo e alertando para evitar-se situações de violência e orientando os procedimentos em caso de eventos de agressões físicas, psicológicas ou meramente verbais.
Vou eu, explicar o folheto para o De Testa… ai, paciência!
Expliquei, também, que a Lei Maria da Penha protegia, especialmente as mulheres no âmbito da convivência doméstica, etc, etc, etc…!
Mais uns poucos dias, e o Goela abre a porta:
“Doutor, seu freguês!”
“Que fre…” E o De Testa veio entrando, com a camisa toda rasgada!
Entrou, olhou pra mim, sem dizer nada. Ficou parado na porta.
Também não falei nada, olhei, coloquei o rosto meio de lado, encolhi os ombros levantando as palmas das mãos e ele entendeu!
Virou as costas e saiu de novo. Assim. Acho que já estávamos ficando íntimos! Nem precisávamos mais falar e já nos entendíamos!
Depois disso, o De Testa não pareceu mais.
Dali um tempo, chegou um auto de flagrante delito de Maria da Penha e eu me lembrei que o De Testa nem havia mais aparecido.
“Chegou o preso, doutor”, disse o Goela.
Fui para a sala de audiências para realizar a audiência de custódia, peguei o processo pra olhar enquanto encaminhavam o preso: “Orisvaldo Pinto Rocha, vulgo De Testa”.
E o De Testa entra, algemado, e sorrindo! Parecia bem à vontade, foi logo sentando e falou comigo, todo faceiro:
“Agora acertei, né doutor?”
“Hein?”
…
Pois é! Lembrei dessa história, por causa do Goela, que apareceu, outro dia, com o olho roxo. Quando fui comentar do olho, ele veio logo dizendo: “Maria da Penha, doutor”.
“Até tu, Goela, mas tu sabes que Maria da Penha não tem pros barbados! É só se as mulheres são agredidas!
“Ah, doutor, mas o senhor não sabe como eu deixei a mão da Afrodite com a ‘olhada' que eu dei na mão dela. Fiquei até com pena! Acertei meu olho em cheio nos ossinhos da mão dela, doutor, que não sei se não quebraram!”
…
Estão perguntando por quê? Tudo bem, eu conto: acho que todos já ouviram uma música chamada “Domingo de Manhã”, que tem uns versos assim:
“Poderia estar agora num hotel mil estrelas em Dubai, mas eu prefiro estar aqui, te perturbando domingo de manhã”!
Pois o Goela estava com a Afrodite e uns amigos na lancheria do hidroviário, quando tocou essa música e ele falou pra Afrodite:
“Se eu tivesse num hotel em Dubai, ia preferir estar aqui te perturbando? Nem me liga, Afrodite, nem me liga!”
Pimba! Maria da Penha. O Goela acertou o olho bem na mão da Afrodite!
Por Luís Augusto Menna Barreto
Boa kkk
ResponderExcluirObrigado, Doc...!!!!!!
ExcluirE como rendem histórias, os casos de Maria da Penha no Marajó....!!!!
Amigão o Goela é um artista, interpreta seu papel de maneira magistral. Fazer parte deste cenário deve ter sido fantástico pra vc. Cadê o livro?
ResponderExcluirO Goela é maravilhoso... e sinto muuuuita falta da convivência com o Marajó...!!!!
ExcluirQuanto ao livro, ainda falta material... por enquanto tenho pouco mais de quarenta crônicas... acho que quando eu tiver umas sessenta posso pensar seriamente nisso!!!
Quando lançares teu livro de crônicas, com certeza o Goela deve ser um dos grandes homenageados e não sei se não deveria autografar ao teu lado.
ResponderExcluirSe eu estiver no lançamento vou querer autógrafo e foto com os dois.
Podes ter certeza que o Goela vai estar junto!!!!!!
ExcluirMaravilhosa crônica, como sempre bem humorada, rindo demais...Kkkkkk
ResponderExcluirBarbaridade!!!!!
ExcluirSuper obrigado!!!!!!!!!!
Eu mesmo estava com saudade de escrevê-las!!!!!!
Quanta saudade eu estava, das tuas crônicase do Marajó, Poeta!!! Maravilhosa!!! "O João da Penha" está fazendo falta?!!!! Kkkkkkk Muito boa!!!
ResponderExcluirAh, tem lugares e vezes que faz MUITA falta uma Lei "João da Penha"!!!!!!
ExcluirSaudades estava eu, de poder simplesmente sentar e escrever!!!!!!
Como sempre leio rindo muito dessas histórias que acontecem no Marajó. Essa de ter a lei João da penha é demais e em alguns casos merecia ter mesmo, sempre digo que bater em mulher é covardia, mas apanhar tbm é. Mas essa do Goela dar uma "olhada" na mão da Afrodite foi hilária kkkkkkkk. Gostei da idéia da foto e autógrafo desse personagem tão presente em todas as crônicas junto com o autor. #ficaadica.
ResponderExcluirE como sempre, fico imensamente grato por tua gentileza!!!!!
Excluir... o Goela é uma imensa fonte!! E é um brilhante contador de histórias!!!
Se sair livro, evidente que o Goela participará dos autógrafos!!!!
Nem vou mais registrar o quanto gosto de tuas crônicas. Isso já ficou lugar comum, aqui no blog, do tanto que eu isso repito.
ResponderExcluirMas quero salientar algo que está presente nesta e na maioria de tuas crônicas: é o tecido da crítica social no qual tu assentas os aspectos cômicos e os emotivos.
Por mais que queiras dar ao teu texto uma aparência de neutralidade, isso não acontece. Aliás tal façanha tu não consegues realizar. Nem tu, nem ninguém. Por um motivo muito simples: não há texto puro, inocente, apolítico. Todo e qualquer texto está cheio de outras vozes, que não só a do autor. Há em qualquer texto sempre outras intenções, que não só a aparente. E ANALISAR ESTAS OUTRAS VOZES, ESTAS OUTRAS INTENÇÕES, EM TUAS CRÔNICAS, É O SONHO DE MUITO ESTUDIOSO POR AÍ!
Bem, meu cronista predileto, é isso aí!
Contudo, devo ainda lembrar-te que esta tua conta está errada. Acho que tens bem mais que 40 crônicas. Depois, recordo-me que me disseste certa vez que quando tivesses umas 50, tu publicarias. Portanto, amigo tu andas procurando desculpas, para não publicar
Que é isso???!!!
Coragem!!! Vamos publicar AGORA!!!
Ah, fico sempre sem palavras com teus comentários!!!! Porque tu também não consegues a façanha de deixar de ser generosa na análise!!!!!
ExcluirVou contar direitinho quantas tenho, prometo!!!
Vou enviar-te a lista dos títulos!!!!
Pega-te!
ResponderExcluirJá conhecia esta... Uma das preferidas ...
Feminista que sou, afirmo que a defesa dos Joãos da Penha já existe... Das Marias que é recente!
Mas minha admiração por suas escritas, sempre!
Pois é... precisamos de uma Lei "Joao da Penha", que proteja as mãos das meninas das "olhadas" dos "Goelas da vida"!!!
Excluir😂🤣
Obrigado, guria!!!!
É a título de informação MESMO:
ResponderExcluirMeritíssimo, tu sabes me dizer qual o índice de violência doméstica em que o homem é a vítima, no Brasil? Qual este índice em que a vítima é a mulher?
Bah, não sei!!!!!
ExcluirO que sei é que os números oficiais representam menos de um décimo da realidade...!!!!
É um absurdo isso, não é?!
ResponderExcluirO que NÃO é absurdo, hoje...?
ExcluirSabes que eu também estou com saudade de outros tempos?!
ResponderExcluirNoutros tempos, meu cronista predileto, tu alimentavas mais este "nosso" blog. Hoje, acho que tu andas muito ocupado e não tens tempo para isso.
Bem...Tenho a impressão de que o juiz não anda dando mole para o escritor. O jeito é eu reclamar do estado do Pará! Assim não dá, né?!
Estou NESTE INSTANTE, postando poesia de ver!!
ExcluirVIVA!!!!!!
ResponderExcluirAh!!! Quanto ao livro(Que virá se Deus quiser)Pelo amor quero tá na fila de autógrafo,seja lá onde for...
ResponderExcluirFico até encabulado com isso!!!!!
ExcluirEu que me sentirei honrado se tu o leres!!!!