domingo, 15 de setembro de 2019

Teatro Vazio

Teatro Vazio

Ele subiu ao palco… como mil vezes fizera.
No instante em que piscou os olhos sentira o que estava, ainda, dentro de si: o silêncio tão eloqüente da plateia… era o que mais gostava: o silêncio após o aplauso da cortina abrir-se a primeira vez… Um silêncio diferente, pulsante… tão presente, tão vivo, que ele quase tinha certeza de poder toca-lo. Um silêncio que se materializava.
Era o momento da expectativa, em que os olhares eram todos ansiosos. 
Mais do que a ansiedade da última cena do ato final, em que as tramas sempre são reveladas, a ansiedade do inicio empolgava-lhe mais, porque havia tudo, ainda, para revelar. 
Quando ouvia aquele silêncio inicial, sabia que teria a vida pulsando pelas próximas horas… sabia que seria ouvido! Que às suas emoções, reagiriam emoções da platéia.
Era como se sua vida começasse a cada vez que se descortinava o palco… ao abrir das cortinas, tinha uma vida inteira para viver. Então, o aplauso final, ainda que muitas vezes em plena catarse, ainda que em ovação, ainda que com a plateia em pé com flores sendo arremessadas… para ele, representava um fim. Era como se morresse a cada vez que as cortinas fechavam… e somente voltasse a viver quando novamente abriam.
Poderia repetir cada palavras das centenas de textos que decorara. Poderia descrever cada emoção de cada personagem. Conhecia-lhes os motivos, os trejeitos, as personalidades, os temperamentos… poderia reviver cada um! 
… mas sobre si mesmo, esquecia-se. Não saberia dizer o que sentia fora dos personagens. Não sabia comportar-se fora do palco. 
Ao ser-lhe entregue um texto, sentia-se pleno. Seguro. Não importava a quantidade de falas, não importava se eram mil, ou se apenas uma ou duas. Pulsava-lhe a vida, mesmo da coxia, esperando sua marca para entrar em cena, ainda que uma única e rápida vez durante um espetáculo inteiro. 
Sabia, como ninguém, interpretar… mas, sem um roteiro, não sabia viver, quando a peça acabava.
Com o passar dos anos, o teatro fora, tanto quanto ele, envelhecendo… o público do teatro fora diminuindo aos poucos… levara-o, os apelos eletrônicos e vídeos curtos de sites e aplicativos, ou incontáveis filmes disponíveis na palma da mão… 
Com o passar do tempo, ele subia no palco, e podia contar as mãos que se batiam em palmas esparsas… O silêncio era, já, tão efêmero, tão diluído, que não o podia mais tocar… agora, oprimia-o… 
… sequer sabia imaginar-se sem o abrir e fechar das cortinas.
Fora encontrado prostrado no palco, numa noite de casa vazia. 
Em seu epitáfio, mais de trinta nomes de quem fora, porque não lhe souberam o de batismo. 
Não lhe souberam sequer humano… e então, descreveram sua existência e sua história, em apenas uma palavra: ATOR!

Luís Augusto Menna Barreto

14.9.2019

15 comentários:

  1. Maravilho poeta... A tecnologia avansou quase n se ver em cartaz uma peça de teatro,triste perdemos essa emoção de ver de perto tantos talentos bons atuando. 👏👏

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    1. Eu adooooooro teatro! Acho que nada se compara à emoção de ver os atores ao vivo, de perto!!!!!

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    2. Uma emoção mesmo, a tristeza é não ter um teatro lotado hoje em dia, quantos atores bons com seus sonhos parado, sem atuar nos palcos por falta de público. 😔 🎭

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    3. Tenho acompanhado a luta e o dia a dia de alguns atores, fazendo arte na contramão dos tempos, nadando contra a maré em um mundo cada vez mais digital...
      Mas nada supera o estar presente... ver as luzes, os sons... a vibração...!

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  2. Respostas
    1. Em pouco tempo andando e sendo recebido por maravilhosos e brilhantes artistas dos palcos, vendo suas lutas e o amor que empenham à arte, muitas vezes sem qualquer retribuição, fez nascer esse texto... quase uma homenagem!

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  3. Lindo texto, para um ator é a glória a casa cheia, mas a maioria só fica conhecido quando vai pra TV que tem maior alcance de público.

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    1. Nice, a ideia é exatamente essa, no texto: àquele que ama a arte, o palco é sua vida...! ... mas essa vida somente tem sentido, se há platéia, se há o aplauso, se há a reação do público...!
      Morrendo o aplauso, morre o ator...
      Obrigado, Nice!

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  4. Nessa enxurrada de tecnologia ,há a diminuição das platéias em teatros
    E isso é triste , pois nada se compara a emoção de ver os atores ao vivo, a troca de emoções ...
    A vida do artista é o palco , a maior recompensa o aplauso !
    morre o ator
    Ao final ,não tendo mais o público para aplaudi_lo
    Gostei muito, me fez refletir ....

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    1. Depositei muito carinho e escolhi com cuidado as palavras deste pequeno conto...
      Tenho acompanhado pequenas peças, onde da pra sentir que atuar é só uma parte pequena do enorme trabalho de doação pessoal do ator, até chegar ao que vemos no palco! É uma luta imensa e bonita....!

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  5. Realmente, a tecnologia tirou muita gente dos teatros. Tem muitos prós, porém, como tudo nessa vida, também tem seus "contra".

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    1. Eu, agora, que tenho tido algum contato com a cena teatral, com a luta imensa e hercúlea de quem faz o teatro sem apoio público, sem apoio de grande mídia, tenho visto tanta beleza... tanta entrega... tanta cultura de tamanha qualidade... e ver teatros com meia lotação, teatros com um terço de lugares ocupados...

      eu não sei... eu fico triste... triste apenas..!
      Obrigado, Armelinda, por vires aqui!!

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  6. Poeta, sabe, sempre questiono o avanço da tecnologia. Realmente até qual nível ela é benéfica ao ser humano?!! Pois, pelo "caminhar da carruagem", daqui um pouco teremos pouco espaço em vários seguimentos industriais e tantos outros. E, viveremos de quê...?
    Como havia dito, tenho consciència dos prós, porém a quantidade de "contra", preocupa-me. (Talvez seja um pouco de exagero meu...)

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