Um Bilhete do Pilha
(Um "feliz aniversário" para uma pessoa especial, que abraçou o Pilha)
— Museu, Pilha? Endoideceu?
— Museu!
— Se tu quer teia de aranha, é só ir no fundo do lixão! Tem mais coisas legais que no museu!
— Mas não tem o que preciso!
— E agora tu precisa de velharia?
O Pilha tava estranho… mas não era um estranho ruim. Era um estranho diferente! Eu já vi o Pilhão* falar a palavra que eu quero, mas não sei dizer ela. É como a gente fica quando o tempo começa a ficar devagar antes de acontecer alguma coisa que a gente quer muito. Acho que a palavra é “ansinoso”, mas não tenho certeza. Eu acabei indo com o Pilha, porque fiquei curioso.
Mas antes, durante o dia, o Pilha tava bem louco na nossa sinaleira. Normalmente, a gente chega em um só carro cada um, em cada sinal vermelho. A gente tenta conversar com os ricos que abrem a janela, e bate um papo. Dai, os que abrem, às vezes dão dinheiro de papel pra gente, que vale mais. Mas à vezes passam mil sinais vermelhos e nenhum rico abre a janela.
Hoje, o Pilha tava desse jeito, “ansinoso”, e mesmo quando um rico abria, ele ganhava a moeda e corria pra outro. Acho que ele queria conseguir rápido nossos oito pilas do dia. Se eu não consigo oito pilas, a mãe sempre me bate. Mas daí, ele tava fazendo errado, porque ele mesmo me ensinou que não adianta ter pressa, que tem que conversar e sorrir que rico não gosta de cara de coitado! Mas eu que não ia falar nada pra ele… ele tava uma pilha! Engraçado, né?: o Pilha tava uma pilha!
Levou quase o mesmo tempo pra gente conseguir o dinheiro. Foi no meio da tarde:
— Ei mané, quanto tu já tem?
— Tenho cinco!
— Então bora que eu completo!
Daí a gente foi correndo subindo aquela lomba grande, que quase meu coração saiu pela boca. Chegamos numa casa com jeito de velha, mas que nem parecia velha. Tinha um cheiro bom… cheiro de lugar em que cuidam das coisas.
O Pilha foi logo entrando, e indo para o fundo do tal lugar… mas eu já parei na primeira sala. Tinha um monte de coisas dentro de uma mesa de vidro, que eu achei legal. Depois, tinha umas salas com umas roupas bonitas, cheia de medalhas. Tinha até uma espada! Tinha umas coisas presas na parede que eu achei bonito. Mas não sei o que era, porque era só coisa escrita, e eu não sei ler. Nem o Pilha sabe… Aquela vez que eu tava no hospital e ele segurava um livro, eu sabia que ele inventava as histórias, porque às vezes o livro ficava de cabeça pra baixo na mão dele, mas ele falava história como se tivesse lendo**.
Mas então, eu me dei conta: cadê o Pilha?
E não é que ele tava sentado na mesa de uma moça, lá numa salinha no fundo do Museu? E ele segurava um lápis. Parecia que estava até escrevendo! Fiquei espiando. Até que ele parece que terminou, mostrou para a moça de cabelo curto e ela balançou a cabeça, como quem acha que algo ficou bom! Então ela deu um abraço nele. Daí, eu cheguei perto.
— Oi, tu que és o amiguinho do Pilha? Ele me fala muito em ti.
Como assim ele me fala muito? Pelo jeito, o Pilha já tinha ido lá outras vezes!
— Oi…
— Bora, mané, pode vim. Dá um abraço na tia Carla!
Eu fiquei meio assustado, porque não tô acostumado a abraçar… nem a mãe me abraça. Mas aquela tia já veio sorrindo e me deu um abraço gostoso, daqueles que a gente não quer que acabe.
— Bora mané, temos que ir.
— Onde?
— Bora…!
Eu fui, né? Daí, chegamos na frente de uma outra casa. A porta estava só encostada e o Pilha foi logo entrando, bem devagar. Eu tava meio assustado. Daí, numa outra sala, tinha umas pessoas sentadas num círculo, e uma delas estava lendo. O Pilha colocou o dedo na boca, como sinal pra eu fazer silêncio. Nem precisava, né?! Eu tava tão assustado que não dava um pio. Então, quando um homem parou de ler, o Pilha pulou pra dentro da sala! Eu fiquei na porta espiando…
— Oi pessoas! Tia Carla disse que aqui, a gente pode ler coisas que escreve. E eu queria ler uma coisa! — Ele disse com toda a coragem! Então ele pegou um papel dobrado no bolso, desdobrou e começou a falar bem devagar… parecia que ele estava… lendo?
“Ti..a Ro…saaaaaaal…va! Fe..liz… ni…ver…zário”!!!
Daí, uma tia levantou com os olhos cheio de lágrimas… viu que eu estava espiando da porta, chamou com o braço… e então, foi um abraço de três! E depois, todo mundo que tava lá, abraçou também! E eu nem sei por quê, mas meus olhos também ficaram molhados.
…
Naquela noite, quando a gente voltou pra casa, o Pilha me disse que foi a Tia Carla que ensinou ele a escrever aquilo.
— Tu quis aprender a escrever pra dizer feliz aniversário praquela tia Rosalva?
— Não, mané. Eu queria aprender escrever uma palavra especial.
— Qual?
O Pilha sorriu e não disse nada. Correu pra um carrão que parou no sinal com a janela abaixada e começou a conversar!
…
No dia seguinte, “Tia Carla” e “Tia Rosalva” encontraram um bilhete embaixo da porta da casa de cada uma, com uma só palavra, escrita à lápis com letra bem torta:
“OBRIGADO”.
Luís Augusto Menna Barreto
31.8.2019
*Vide “Um Conto do Pilha”
** Vide “Eu, o Pilha e o São Jorge"
Que lindo poeta,bom que esta de volta também, parabéns a Tia Rosalva, e esses dois são uns fofos! 👏👏👏
ResponderExcluirEles aprontam até pra dizer "Feliz Aniversário".... rsrsrsrsrs
Excluir... espero que o Pilha continue aprendendo a escrever palavras...!
Obrigado, Liu!
Verdade,poeta esses meninos viu rsrs so o obrigado deles a tia, ja transbordar nosso coração de felicidade, lindooooooo
ExcluirQue gracinha esses meninos, sempre nos surpreendendo com atitudes tão simples, mas com o poder de tocar a alma. Esse Pilha é demais, nunca deixa o amigo pra trás. Amei.
ResponderExcluirNice.... eu quero um amigo como o Pilha...!!!!
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