terça-feira, 3 de dezembro de 2019

O Sumiço do Gerente e a Black Friday

O Sumiço do Gerente e a Black Friday

O Gerente jogava muito. Dono de um estilo elegante, adonava-se do meio campo, com a cabeça erguida, toques rápidos e passadas largas. Era um Zidane Marajoara! Ganhava a vida assim, nos gramados do arquipélago, ora jogando por uma cidade, ora por outra. Os prefeitos sempre o “contratavam" para levar o time da cidade até a final do campeonato, o que sempre dava muito status e rendia frutos políticos, especialmente em anos eleitorais. Gerente chegara a tentar a sorte na capital, no clube do Remo, mas não deu certo. Não lhe faltava futebol. Faltava-lhe disciplina! No Marajó não havia treino. Era chegar no domingo, fardar, entrar em campo e fazer o que sabia fazer: conduzir os companheiros com toques precisos que imprimiam uma velocidade alucinante ao time. 
Ele encostava pouco na bola, dificilmente dava mais de dois toques antes de encontrar o espaço exato numa linha às vezes reta, às vezes curva para que a bola passasse entre várias pernas adversárias e chegasse no ponto exato onde o companheiro de time haveria de estar segundos após ele tocar na bola. Sua precisão organizava o time e ele gesticulava aos companheiros. Era como se gerenciasse a equipe, determinando o que cada um haveria de fazer, sem que ele precisasse realmente ficar com a bola. Daí que lhe rendera o apelido: Gerente!
Como já era certo acontecer, o time que o Gerente defendia, estava na final! Seria domingo, dia 29 de novembro de 2015! Na quarta-feira, dia 25 de novembro, Gerente estava no açougue do Retalho, jogando sinuca com o Manobra, motorista da ambulância, e com o Mariposa, que se fingia interessado no jogo, mas todos sabiam que estava esperando a Pequena passar para jogar uma saliência. Como o açougue fica na rua da beira, dava pra ver o navio apontando longe no rio. Dali com meia hora haveria de encostar no trapiche municipal, perto de 23h, onde não demoraria mais do que 10 minutos. Já dava para ver alguma movimentação das pessoas que iriam para Belém, movimentação de carregadores que saltariam para o navio antes mesmo de estar atracado, bem como alguns “amigos do alheio” como a Estrupício, que geralmente entrava de pés descalços e saía com sandálias e alguma mochila nas costas, bens dos mais desatentos ou dos que dormiam profundamente nas centenas de redes atadas nos dois conveses. 
Mas a surpresa deu-se quando o Navio estava para encostar e o Gerente despediu-se do Manobra e falou para o Retalho pendurar a conta do goró. Gerente foi para o trapiche com ares de quem embarcaria, o que causou espanto! O retalho tirou a caneta da orelha e anotou a dívida num bloco pendurado em um barbante perto da parede atrás do balcão, sem dar muita atenção. O Manobra apoiava-se com dificuldade no taco de bilhar e não entendeu direito, e também nem percebeu os dois enfermeiros que passaram ofegantes, carregando um doente na maca e xingaram o Manobra por não estar no hospital para conduzir o doente na ambulância até o navio. Mas o Mariposa, que havia apostado dois mil reais no Glorioso, o time da cidade, arregalou os olhos! Foi até frente do açougue e espichou o pescoço para o lado do trapiche! Era fácil ver o Gerente que se destacava pela altura acima da média marajoara. 
— Ele tá embarcando! Ele tá embarcando, Retalho!
— Quem? Tá doido, Mariposa?
— O Gerente, ele tá embarcando…
O Mariposa foi saindo em direção ao trapiche com um copo na mão, enquanto o Retalho não entendia muita coisa, mas não deu importância… ele estava acostumado a ouvir conversas sem sentido depois de alguns copos dos fregueses. O que ele estranhou, foi que quando a Pequena passou pelo Mariposa e olhou daquele jeito malicioso de canto de olho, o Mariposa nem deu atenção e seguiu como se nem a tivesse notado. Acostumada com os gracejos do Mariposa e de olho em descontos na loja dele, ela ficou furiosa de ter sido ignorada! Na mesma hora apressou o passo e o Retalho ouviu apenas algo parecido com “ah… mas ele vai ver a pssica que vou jogar nele!”  
Quando o Mariposa venceu os duzentos metros que separam o açougue do Retalho até o Trapiche, o navio estava, já, desatracando, e o Gerente, subindo para o convés superior, onde fica a lanchonete do navio. O Mariposa tentou gritar:
— Gerente! E o jogo? E o Jogo? 
O Gerente, tendo ouvido o Mariposa, tentou gritar de volta, mas tudo o que o Mariposa conseguiu ouvir, por cima do barulho do motor do navio e das marolas do rio, foi algo como:
— … “frade”!
“Frade”? O Gerente iria rezar, pedir proteção, confessar os pecados? O que aquilo queria dizer?
Não entendeu direito. Pensava nos dois mil reais apostados e sabia que sem o Gerente no meio campo, o Glorioso nunca ganharia o título! E agora? O prefeito! Tinha de avisar o prefeito! Era caso de interesse municipal! 
A manhã de quinta-feira foi agitada. Com a notícia que recebera do Mariposa na madrugada, o prefeito marcou uma reunião de emergência com a base aliada na Câmara dos Vereadores (seis dos nove vereadores), com os comerciantes próceres da cidade, e com o Aglutina, o técnico do Glorioso! Decidiram por fazer sair a lancha particular do prefeito, pilotada pelo Dentadura, o piloto de lancha mais rápido do Marajó, que faria o percurso até Belém em menos de 6 horas, para procurar o Gerente. Mas onde? Não importava! O importante era fazer alguma coisa, mostrar para a população que havia empenho para trazer o Gerente. 
Eu soube disso tudo na sexta-feira. No meio da manhã, o Recado, um dos assessores do prefeito, entrou no Fórum apressado e pediu para falar comigo. O prefeito havia pedido para o Goela ir com o Dentadura e realizar a missão de achar e trazer o Gerente a tempo do jogo de domingo!
Claro que diante de uma situação de interesse municipal desta envergadura, concordei e chamei o Goela!
— Ele não está doutor! — Apressou-se a Tutela a vir na porta do gabinete dizer-me!
— Como assim?
— Ele saiu na lancha do prefeito hoje cedo!
— Hein?
Pois é, o Goela já havia ido, e o Recado deu-me a mensagem com quase um dia de atraso.  Mas, enfim, era um caso de interesse municipal, e relevei o Goela haver saído sem avisar
O comentário na cidade não era outro. No bar do Seu Nonô, no açougue do Retalho, na loja do Mariposa, no trapiche, na praça… “O Gerente voltaria a tempo de dar o título ao Glorioso?"
Eu viajei na sexta-feira à noite, mesmo. Às 22h, embarquei no navio que, depois de mais ou menos 10 horas, atracaria em Belém, e até aquele momento, ninguém sabia se encontrariam o Gerente, se ele jogaria ou não a final.
O que foi? Sobre um final para isso? Eu fui embora, não vi nada! 
Tudo bem, o que eu soube depois, foi que o Glorioso foi campeão. Gol do Gerente cobrando uma falta marcada de forma duvidosa aos 38 minutos do segundo tempo. Cartão vermelho para o Rasga Diabo, zagueiro do time adversário, o que rendeu quase vinte minutos de confusão tendo que o Tonelada, policial militar entrar com o contingente todo: dois policiais (contando com o Tonelada). O cartão vermelho parecia brilhar. Aliás, os cartões amarelos generosamente distribuídos durante o jogo, também pareciam brilhar.
O que o Gerente gritou do navio, para o Mariposa, foi “tô indo comprar na black Friday”!
Voltou de Belém com uma “chopeira”, chuteira nova e uma camisa do Remo.
Ah!, e no vestiário dos árbitros, havia um apito profissional e dois cartões novinhos em folha, em cima de um envelope volumoso, cujo conteúdo eu não faço a menor idéia do que havia! 

Luís Augusto Menna Barreto

2.12.2019. 

14 comentários:

  1. Que facilidade você tem com as palavras!!! Admiro demais o seu domínio ao narrar um fato! Parece que nem respira...e automaticamente quando estou lendo, sigo o mesmo rítmo. Literalmente você nasceu pra isso! Ótima crônica!

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    1. Armelinda... como me faz bem ler esse comentário carregado de exagero e generosidade!!!
      Eu adoro contar as histórias do Marajó... trazer para quem não conhece, a realidade maravilhosa e tão peculiar, de um lugar tão desconhecido de todos nós...!
      Super obrigado, Armelinda, por sempre vires aqui, passear pelo blogue!

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  2. Maravilhosa crônica, de um povo que leva tão a sério todos os eventos, como o futebol e seu craque show Gerente. Super narrativa que nos transporta para dentro da história, parabéns poeta.

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    1. Nice.... como é bom encontrar-te aqui!!!!
      Eu adoro escrever sobre o Marajó, como tu bem sabes... tu acompanhas as aventuras de Marajó City, desde as primeiras...
      Acho que o dia que tu fores por lá, vais sentir-te à vontade, como se já conhecesse o ambiente...!!!!!
      Obrigado demais por sempre visitares!!

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  3. Maravilha poeta, viajamos em cada linha em tentar imaginar toda sena narrada por vc... Esses eles ai também Guela, Manobra entre outros,ja estava com saudades deles!! 😊 Muito boa 👏👏👏

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    1. Olá, Liu!!!!
      Eu também estava com uma super saudade de contar sobre toda essa turma!
      E muito provavelmente ate o final de semana, eu volte com outra crônica de Marajó City, para falar da atual black Friday, essa de dias atrás e dos acontecimentos que só poderiam ter-se dado em Marajó City!

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    2. Eu já estava com saudades dessa gente de Marajó City... Crônica Divertidíssima... É como se eu já conhecesse o lugar!! E "os personagens"...Amei!!!

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    3. De alguma forma, Michele, acho que tu conheces Marajó City...! Acho que se tu desembarcasse no trapiche municipal, em poucos passos tu identificarias facilmente o Açougue do Retalho; identificarias o Manobra... tu te sentirias à vontade para entrar no Forum e reconhecer o Goela... acho que te divertirias não praça, ao cair da noitinha....

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  4. Eu li. Isso porque não tenho palavra.

    Mas...não posso deixar de falar que, apesar da minha birra, reconheço que desconheço cronista igual.

    Beijo a ponta do dedo e jogo o beijo para o lado do Pará.

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    1. Mas que barbaridade!! OU, como dizem no Marajó e por aqui também:
      Ééééééééééégua da surpresa boa!!!!
      Como gosto de saber que leste, e um comentário no blogue (blog) é sempre tão legal, vem sempre como um carinho muito maior que beijo na ponta do dedo e jogado de longe!!
      Deixa eu aproveitar pra contar-te (não sei se vais ler esse comentário, mas vou contar assim mesmo): Tua apresentação no Pilha foi lida e fez sucesso entre os pequeninos da 5ª Séria da Escola Ielda Teixeira Fernandes, no Distrito de Juá, Município de Irauçuba, Ceará!!!!
      Eu acabo de arrumar 25 novos amiguinhos por lá... e eles adoraram a apresentação que tu fizeste... agora, acho que vai ser a tua vez de enviar algum livro teu pra eles!!!
      A propósito de livros, Escritora... quando vem o próximo??? A quantas anda???
      Ah!, como é bem ver-te aqui...!

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  5. Sabe que li tua resposta?!
    Acho que estou ficando de bem contigo.
    Estás vendo? Eu não tenho um pingo de vergonha. Kkkkkkkkk!!!!

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