O Açaí de 20, a Plaqueta e a Black Friday
Do Bléqui nunca se soube.
Ganhou o apelido naquela sexta-feira. E do apelido, não se pode dizer póstumo, porque o destino foi-lhe incerto.
Aquela loja, a primeira de uma grande rede, instalou-se em Marajó City ao findar de outubro. Foi um rebuliço! Os nativos dividiam-se entre o amor e o ódio! Os preços realmente eram mais baixos. Mas talvez fosse coisa de inauguração.
O fato é que do Bar do Seu Nonô ao açougue do Retalho, do Hospital à Igreja, o assunto era a loja, os produtos e os preços.
Um dos mais irritados era o Mariposa, comerciante local que, até então, dominava na cidade:
— Meia dúzia de badulaque diferente, que o povo daqui nem vai saber usar, e já correm tudo pra lá!
Falava com o copo na mão, sem se dirigir a ninguém especificamente, enquanto o Manobra, com alguma dificuldade equilibrava-se apoiado com uma das mãos no taco de bilhar segurando o copo de cerveja com a outra, e o Retalho manejava o cutelo em uma peça de carne.
— Fala Mariposa! Manobra, toma uma pra acordar! — Era o Goela, passando. O Mariposa logo desconfiou:
— Tá indo pra onde, Goela? Já sei, pra loja nova! Agora é isso! Agora meu comércio tá lá, às moscas. Assim, acabo tendo que demitir os funcionários!
— Que “funcionários”, já, Goela? Lá só tem o Bolacha que fica dormindo no balcão e tu não pagas ele faz bem uns 3 meses!
O fato é que o Goela estava indo mesmo na direção da loja nova. Estava com um mandado de intimação para o Rogério Augusto Pantoja, até então "Açaí de 20”. Tá, pra quem não sabe, quanto mais grosso o açaí, mais caro paga-se pelo litro. Daí, que açaí de vinte reais seria grosso pra caramba!
Pois o Goela tinha que intimar o Açaí de 20 para uma audiência de pensão de alimentos do filho da Plaqueta. Perguntando aqui e ali, o Goela soube que o Açaí de 20 estaria na loja nova! O Goela foi faceiro por ter um motivo de ir até a loja, até porque, era um dos raros lugares que tinha ar condicionado ligado direto! Na verdade, logo depois da loja inaugurar, houve uma espécie de “surto de resfriado” na cidade. O pessoal, que não estava muito acostumado com ar condicionado, adorou ficar entrando e saindo da loja bem fresquinha, e pronto: com os constantes choques térmicos, na semana da inauguração foi um festival de tosse-tosse na cidade!
Mas, enfim, o fato é que o Goela encontrou o Açaí de 20 na frente da loja, em uma cadeira de plástico.
— Fala, Açaí.
— Qual é, Goela? Nem vem pro meu lado com papel do Fórum!
— Quem foi? A Vera Vira Copo ou a Delícia?
— A Plaqueta!
— Égua, dessa eu não esperava! Já tinha falado com essa pequena que ia dar uma forra pra ela! Ia comprar umas fraldas pro moleque nascido.
— E porque tu não compras, leva pra ela e tentas resolver antes da audiência?
— Tô esperando a “bléqui fráidi”.
— Égua! Que é isso, já?
— Bléqui fráidi, Goela. Tá aí na faixa, olha!
Em cima da entrada principal, havia uma faixa anunciando que a loja abriria na quinta-feira, às 23h59min, com toda a loja em promoção, descontos de 50% até 80%.
— Já tô esperando, Goela!
— Tá doido, Açaí? Hoje é terça!
— Daqui não saio, Goela! Vou ser o primeiro a entrar e vou comprar o que puder e revender nas ilhas. Vou “enricar”!
A notícia espalhou-se rápido. Muito mais eficiente do que a faixa ou o comercial na rádio local que tocava duas horas por dia nas caixas de som amarradas aos postes, foi o Goela ter falado para a Tutela, que o Açaí de 20 já estava fazendo fila esperando a tal “bléqui fráidi”.
Para maior desespero, ainda, do Mariposa, todo mundo começou a ir para a frente da loja, para ver se era verdade. Como muitos sequer sabiam ler e os que sabiam tinham preguiça, ficavam com a notícia do boca-a-boca. No Bar do Seu Nonô, já estavam comentando:
— Pois é, o “Bléqui" disse que tem coisa quase de graça, na meia noite!
O “Açaí de 20” já havia virado “Bléqui”. E a notícia dos descontos da loja nova virou febre.
Na quinta-feira, eu estava terminando de despachar o último processo do dia, por volta da 16h, e perguntei para o Goela:
— E aí, Goela? Tu vais pra fila da black Friday, também?
— Não, doutor. Eu e o pessoal da bola já temos outra estratégia. Vamos concentrar no açougue do Retalho, tomando uma, e esperar a muvuca da entrada passar. Daí, a gente pretende ir na loja na madrugada, quando tudo estiver calmo.
— E o que vocês pretendem comprar?
— Nada demais, doutor: a gente quer mesmo, é comprar bebida, que diz que até bebida vai ter em promoção!
Guardei o “hein?!” pra mim, e resolvi nem argumentar sobre não entender a vantagem de concentrar bebendo e pagando caro por bebida, para depois comprar bebida barato… conhecendo o Goela e o pessoal da bola como eu conhecia, a probabilidade de eles beberem muito mais do que iriam comprar depois, era enorme! Mas, enfim, era a febre da “black Friday”.
O movimento em direção à loja, foi algo inacreditável! Por volta de 20 horas, não havia mais condições de nenhum veículo passar na rua da beira, em frente à loja! Segundo contaram, o Bléqui (antes Açaí de 20) havia ficado todos os três dias na frente da loja. Até tentou organizar uma fila, mas depois ficou impossível, e as pessoas empurravam-se em frente às portas fechadas que abririam às 23h59min. Contaram que o Bléqui chegou às vias de fato um sem número de vezes, com cada um que falava em entrar primeiro. Reivindicava a socos o direito de ser o primeiro a entrar. Mas de um tempo pra diante, nenhuma briga mais ouve, porque a aglomeração era tanta que não havia sequer como espichar o braço para dar socos.
A cidade, com exceção da rua da Beira, estava vazia, e toda a população parecia aglomerar-se na rua da loja. O fim da multidão já havia chegado no açougue do Retalho, e muitos dos que esperavam a loja abrir, passaram a entrar na “concentração" do pessoal do Goela. O Retalho nunca vendera tanto, afora o fato de que ele não tinha nada a ver com os descontos prometidos, e vendia caro o litrão de cerveja e o copo de cachaça!
Naquela mesma noite de quinta para sexta-feira, eu viajei para Belém. Quando o navio encostou no trapiche, por volta de 22h, a multidão na rua da Beira já era inacreditável. O Padre reclamava que na procissão da padroeira não havia tanta gente. Houve muita gente desembarcando e correndo no sentido da multidão. O navio partiu para Belém com muito pouca gente e foi uma das viagens mais confortáveis que já fiz, tendo muito espaço pra atar minha rede no navio!
Do havido, eu soube somente quando cheguei na semana seguinte:
Da turma do Goela, dizem que apenas o próprio Goela e o Tronco deram conta de entrar na loja. O resto ficou pelo caminho, ou amanheceu dormindo no açougue do Retalho. O Goela, sem querer, marcou pontos com a Afrodite, porque disseram que quando ela saiu de casa procurando o Goela com o dia amanhecendo, ele estava dormindo abraçado a um liquidificador bem na porta do fórum. Como de bobo ele não tem nada, logo disse que tinha encarado a multidão pra comprar o liquidificador pra Afrodite, embora ele não faça a menor idéia do que houve para aquele liquidificador aparecer na mão dele.
Descobriu, pela fatura do cartão de crédito, que havia comprado na loja do Mariposa, pelo dobro do preço!
O Bléqui (que jamais voltou a ser Açaí de 20), desapareceu! Ninguém lembra dele na loja, ninguém lembra depois! Quer dizer… notícia teve: a loja, que tanto rebuliço causou na cidade com a tal “black Friday”, fechou as portas.
Tu estás te perguntando "o que isso tem a ver com o Bléqui?”, caro leitor?
Bem… como ele desapareceu, logo começou a correr notícia de que uma visagem dele passou a aparecer para pessoas que compraram na black Friday. E essa notícia espalhou-se também. Quem mais a divulgava, inclusive, era o Mariposa!
Tem quem jure, aliás, que desde a noite da black Friday, o Mariposa ocasionalmente era visto à noite, levando um lençol branco meio escondido… Mas depois da Tutela ter sido perseguida pela visagem à noite, a notícia não teve mais volta e ninguém mais entrou na loja nova!
No dia da audiência, já em março, nem notícia dele, e a Plaqueta jurava que ele estava com uma morena numa ilha próxima, onde havia montado, ele mesmo, um armarinho.
O nome do estabelecimento era “Bléqui Fráidi - a loja onde todo dia tem desconto”
Foto real da frente da loja Americanas em Breves, Marajó, Pará, na noite de quinta para sexta-feira em 28.11.2019, às 23h30min. |
Luís Augusto Menna Barreto
24.12.2019
Que rebuliço!! Hehehe...Essa "Bléqui Fráidi ficou na história!! Consigo imaginar o "perrengue"...E como sempre eu me sentindo no local da cena...Fiquei até sem ar!!
ResponderExcluirMas bah!!! De fato, se estivesses por lá, ficarias sem ar!! Penses numa multidão!!!!
ExcluirE queres saber? Acho que a porta da loja tem só uns 3 metros de largura!!!
Ainda estou sufocada vendo essa foto das lojas Americanas!! Hahaha...
ResponderExcluir... e chegou muito mais gente!!!! Essa foto foi feita às 23h30nin.... (contam que o fotógrafo, depois desse registro, se mandou pro meio da multidão ver se pegava alguma oferta na black Friday!!!
ExcluirComo não poderia deixar de ser, tudo nesse lugar maravilhoso, acaba em confusão, e seria tão sem graça se assim não fosse né? O Marajó, com seu povo, nota dez.
ResponderExcluirUuuuuifa!!! Que susto!!! A Michele tinha vindo aqui, depois fez eco....... tava começando a ficar assustado e sozinho!!!!
ExcluirObrigado Nice!!!!!!!!!!
O Marajó continua sendo minha melhor fonte de histórias !! Uma realidade maravilhosa, de inesgotáveis histórias!!!
Ufa, digo eu... Não conseguindo comentar, por pura incompetência tecnológica... Me vi tuitando de novo... (por uma boa causa).
ResponderExcluirEnfim... cá estou eu... Para admitir que sou fã de Marajó City. A Sucupira da Amazônia.
Adorei a Black Fraidi. Do conto...
Até.
Agora, pensa como foi lá no Marajó!!!! Viste a foto da espera da black Friday?!
ExcluirE olha que ainda tem mais histórias de black Friday por contar....!!
Ah, Marajó, como és inesgotável de história....!!!!!
Sim. Vi a foto... Foi "o bicho". Inacreditável... E ainda tem mais... Aproveite e conte porque fechou a loja... rsrsrsrsrs Me divirto.
ResponderExcluirÉ cada história... Dessa tal "black fraude"...
... e é claro que tem a história sobre os preços... e sobre como o Goela amanheceu abraçado a um liquidificador...!!!!!
ExcluirÉéé...!!! Mas contaram-me que o Doutor Juiz só viajou, na noite daquela quinta, porque a empresa, dona do navio que o transportaria, deliberara cobrar apenas a metade do valor da passagem, das pessoas que, durante a madrugada daquela sexta-feira, pretendessem viajar.
ResponderExcluirXXXXXXXXXX
HEIN!!!!
Até tu, Doutor?!
Pegando a rebarba da black Friday , hein?!
... mas era apenas a metade de uma metade de desconto! Porque só valia da parte da meia noite em diante... até a meia noite, pagava passagem inteira... coisas de Marajó.
ResponderExcluirComo a conta era complicada, cobraram passagem em dois bilhete de metade. Uma metade pagava inteira, a outra pagava metade!
Fácil de entender, né?!
RSRSRSRSRSRS
ResponderExcluirnão sei dizer se é mais engraçado a Ana Isabel querida colocar o DR. Méri na parede... Ou a explicação do mesmo sobre a "rebarba"...
seria um desconto de 25%, talvez...
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