domingo, 18 de outubro de 2020

Um Conto Sobre um Amor Guardado - parte 11 - final*

 


Parte 11 - final*


Os quase 15 minutos que esperou naquela esquina, em um bairro que jamais havia entrado antes, pareceram horas. Foi difícil enxergar o Volvo C60, por conta do sol que começava a despontar em meio àqueles conjuntos de prédios simples.

Ela se sentiu aliviada quando o carro parou ao seu lado, abaixou o vidro e ela pode ouvir:

— Amiga! Entra! Conta tudooooo!

Ela ainda estava tremendo. Mas não era medo. 

Nos quarenta minutos que se seguiram, até o supermercado onde ela havia deixado o carro, ela contou para Bel suas últimas 18 horas… desde a decisão em vestir jeans e All Star, até o erro que cometeu e que originou a crise.

— Não acredito! E você saiu assim? O que você disse pro Corretor?

— Nada. Ainda não falei com ele!

— E para o diretor da empresa que você fez a operação errada? 

— Eu disse a verdade: que não poderia fazer mais nada, porque iria comprar laranjas!

— Loucaaaaaaaa!

— Riram… até que Bel olhou nos olhos dela, apenas sorrindo.

— O que foi, Bel?

Bel pegou forte na mão da amiga:

— Que bom que minha amiga voltou. É bom ter encontrado você hoje!

Mas nós já nos encontramos semana passada!

— Não… só AGORA eu estou reconhecendo a minha melhor amiga! Minha amiga que me ensinava a não ter medo da vida!

Ela se jogou para trás na poltrona. Fechou os olhos uns instantes. E relembrou tudo. Desde o momento em que entrou no supermercado decidida a comprar laranjas, com alguma certeza dentro de si dizendo que ele iria encontra-la, até o momento em que ligou para Bel, porque foi a única pessoa em que pensou que poderia confiar. 

Lembrou a tensão, quase náusea, que sentiu no momento em que ele abria a porta… e a surpresa que viveu, ao dar os primeiros passos naquela sala simples… Era tudo arrumado de tal forma, que a fazia sentir-se à vontade. Viu o aparelho de DVD antigo, e a caixa do filme Shakespeare Apaixonado, um dos filmes que mais gostara na vida… Então, olhou a pequena mesinha ao lado do sofá simples, mas confortável, e viu um porta retratos com uma fotografia sua, que havia sido usada em uma revista de economia. 

Numa pequena estante, porta retratos da turma da escola, e viu uma foto em que ela estava ao lado de Bel e ele do outro lado… e viu que todos menos ele, olhavam para a foto… ele a olhava no instante em que o fotógrafo disparou.

Lembrou-se de como ele falava naturalmente com ela, enquanto colocava as compras nos armários da cozinha, de como sentiu gentileza e carinho em sua voz, quando perguntou se ela não preferia tomar um banho enquanto ele fazia o drink.

— Sua toalha eu já tirei do varal e coloquei atrás da porta. Quando você terminar o banho, estará pronto seu drink.

Ela não tomaria banho. Mas queria ver mais daquele pequeno apartamento. Foi até o banheiro, o único do apartamento, que ficava imediatamente antes do quarto, e viu: duas escovas de dentes. Alguns cremes da Natura, que pareciam nunca terem sido usados. Uma toalha amarela, quase creme, atrás da porta, ao lado de uma toalha com tonalidade mais escura, mas que era fácil identificar que era um conjunto. Aventurou-se pelo apartamento, e havia mais duas peças: uma, onde havia uma escrivaninha, simples, mas bem arrumada, uma prateleira com alguns livros, poltronas e uma estante. Ela reconheceu algumas das revistas de economia que ela mesma comprava… alguns jornais dobrados com cuidado, mas que dava para ver que havia alguma coisa marcada. E então percebeu que, em todos os jornais e revistas que ele guardava, havia matérias a seu respeito ou que ela fora entrevistada. 

Entrou no quarto e viu a cama, tão menor da que estava acostumada a dormir, mas pareceu-lhe tão aconchegante. Ousou abrir o guarda-roupas… era simples, com quatro pequenas portas e um maleiro em cima. Duas portas estavam ocupadas com roupas dele.  E nas outras duas, apenas uma calça Jeans simples, feminina, que ela achou que seria seu tamanho, e duas blusas brancas penduradas… … mas quando olhou pra baixo, seu coração disparou: um All Star que parecia que nunca fora usado… 35… seu número… 

— Amigaaaaaaaaa!!! Acorda! Conta!

Despertou de seus pensamentos e contou tudo para Bel.

— Você dormiu com ele, amiga?

— Não… e sim…

— Pára! Como isso? Conta logo!

— Bel… foi tão… diferente! Daí, voltei pra sala e ele veio com uma taça com Cointreau. Era um fizz com laranjas… Tão bom! Eu me sentei e ele perguntou sobre meu dia, se tinha sido bom, se eu estava cansada… ele… ele se importava comigo! E depois ele perguntou que filme eu queria ver… Ele me abraçou, Bel, no sofá e eu simplesmente adormeci. Eu me senti tão bem, tão acolhida…

— Mas amiga? Só isso? Nem um beijo?

— Ai, Bel… foi tão mais intenso que beijo, que sexo…

— Ah!, pára! Amiga, acho que vou levar você para uma psicóloga, não para seu carro! Abraço mais intenso que sexo?! Você precisa de ajuda! — Riram. — Mas conta: e aí?

— Aí nada! Acordei quase pela manhã, deitada no sofá. Ele havia colocado um cobertor, tirado meu calçado, e estava dormindo, também, sentado no sofá com meus pés em seu colo. Eu levantei com cuidado para não o acordar, e fui descalça até fechar a porta bem devagar. Daí, coloquei o calçado e a única coisa que me veio na cabeça foi mandar mensagem para você, e torcer para que você pudesse vir buscar-me!

— E você já pensou no que vai fazer?

— Não.

— E você já pensou como vai resolver o problema na corretora?

— Não?

— Você ao menos pensou o que vai dizer pro corretor chegando em casa essa hora?

— Não!

— Meu Deus, amiga! Você pensou em alguma coisa?

— Sim… em comer batatinhas! E voltar lá!


Luís Augusto Menna Barreto

15.9.2020

*Domingo que vem, o epílogo. Explicações, destinos, a vida das personagens, como ficou.

** Em breve, um "spin off" da DORA: uma parte de sua vida e de seus dramas pessoais. No fim, somos todos, "gente"...

48 comentários:

  1. Maravilhoso. Não pensei que fosse assim, pensei em mil coisas mas não assim. Belissimo. Apaixonante. Preciso de Batatinhas e falar com a Dora.

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    1. Barbaridade, Jorge...
      Fiquei feliz demais por tu teres gostado, e por ter conseguido surpreender...!!!
      Mas o epílogo, acho que vai agradar e ser bem "esclarecedor"!!!
      Bora comer mais batatinhas no domingo que vem!

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  2. Bom Dia, adorei! vou reler os últimos capítulo, e aguardar o epílogo.

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    1. O epílogo será bem esclarecedor, e falará sobre os rumos das vidas das personagens!! Acho que vai ser uma experiência bem legal, o epílogo!

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    2. Foi surpreendente o desfecho do último episódio, um abraço e uma noite de sono, as vezes fazem a diferença, acho que, depois desta noite, ele vai precisar de muitas batatinhas da Dora! E algumas seções de terapia. Ancioso! Aguardando o desfecho no epílogo!

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    3. O gostoso do epílogo é a liberdade para dar saltos... apenas contar, sem necessidade de explicações, o rumo das vidas.... Eu espero, com todo meu coração, que os amigos da Dora gostem do epílogo!!!!

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  3. Perfeito. Como na vida, tudo acontece calmamente, em um reencontro como esse, com pessoas ponderadas, tem que ser devagar, sem atropelos. .. vamos aguardar o desfecho dessas vidas. ...

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    1. Nice...!!!!!! Que maravilhoso que vieste aqui!!!!!
      Dora adora tua companhia, e jogar conversa fora contigo!!!
      Eu acho que tu gostarás do epílogo... muitas explicações e destinos esclarecidos!!
      Super valeu!

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  4. Só quem ama sabe que um abraço pode ser mais intenso e significativo que todas as demais expressões de afeto.
    Mas,aqui pra nós,essa menina ir inventar esse sono logo nessa hora...
    Foi belo, pode acreditar, porque foi inesperado.
    Belíssimo!!!

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    1. Maria... fiquei tão feliz em ter conseguido surpreender..
      Acho que o sono foi acalentador... há quanto ela já não experimentava dormir acolhida por alguém que se importasse de verdade com ela...? Talvez a expressão mais verdadeira do sentimento tenha sido justamente esse sono, esse dormir tranquila...
      De qualquer forma, Maria, na semana que vem, com o epílogo, muitas coisas serão esclarecidas...!!! Acho que será uma experiência agradável viajarmos pelo epílogo...!

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  5. Ah! Mestre, gostei imensamente desse capítulo! Esse amor foi muito bem guardado... e os acontecimentos das 18 horas belíssimos!... Ela encontrou, com certeza,a felicidade junto a simplicidade da vida. Ela finalmente teve a coragem de abandonar a vida sem sentido que estava levando e procurar o amor que esperava há muito tempo.
    Mesmo sem ser um "Conto de Fadas", que eles sejam felizes para sempre!
    E a DORA aonde vamos encontra-la com suas batatinhas e seus conselhos?

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    1. Bem, Dora terá participação (inevitável e importante) no epílogo!

      ... e para todos que gostaram da Dora, virá um "spin off", uma história menor, porém intensa, em que ela protagonizará! E ela continuará esperando a todos em seu carrinho de batatinhas!

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  6. Adoro quando sou surpreendida...foi o que aconteceu. O final mostra que amar é simples... é de pequenos gestos... é de cumplicidade... é lindo.
    Parabéns Menna!!!

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    1. Lili... tu não imaginas o quanto estou grato a todos... eu adorei ter escrito este conto na companhia de todos vocês, de sentir o carinho e simpatia que a Dora foi ganhando dia a dia...!
      Penso que o epílogo será uma experiência muito legal!!!

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    2. A Dora vai ser inesquecível também pra nós!! 👏👏😍

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    3. Ela vai ganhar uma micro série própria... e poderemos entrar mais no universo dessa personagem que nós cativou!!!

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  7. Meu Deus!!!!! Não consigo juntar as letras para formular um comentário!!!!
    Preciso das batatinhas da Dora!!!!

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    1. Armelindaaaaa!!!! Que legal que tu vieste..!!!! Bora, a Dora sempre tem batatinhas novas e crocantes... e conselhos grátis (desde que você siga!)
      Estou muito feliz que gostaste...
      Na semana que vem, o epílogo, dizendo o que houve com os personagens!!! Acho que tu vais gostar!!!

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  8. Que doçura de conto... tocou minha alma! Foi surpreendente e repleto de ternura. Parabéns, querido poeta! És um mestre na arte de encantar as pessoas. Gostei muito dos valores enaltecidos neste belo conto como a amizade, o respeito, o carinho e sobretudo a coragem. Coragem da sair da mesmice, se se aventurar e ser feliz. Porque até para isso precisamos de coragem! Abraço! Amei!!!

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    1. Denise... tu não imaginas o quanto isso deixa-me feliz... mas feliz de verdade!!
      Semana que vem publicarei o epílogo, e acho que pode ser bem interessante! Eu espero que tu continues gostando do conto depois do epílogo...
      ... e vem aí, um spin off da Dora!!!

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  9. Só queria saber se ela iria contar tudo isso a Dora? Muito bom! 👏👏👏👏

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    1. Liuuuuuu!!!!
      Bora ver...!! Mas acho que a resposta estará no epílogo que vou publicar na semana que vem!!!!!!!
      Que bom que achaste bom!!!!!

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    2. Eu já quero reservar um saco de batatinhas para o domingo!!

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    1. Ah!, Michele, obrigado!!!! Estava sentindo tua falta por aqui!!! E eu respondi no Twitter!!

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    2. Mas acompanhei todos os capitulos!!

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    3. É tão bom essa tua companhia, capítulo a capítulo!!! Domingo, bora comer batatinhas?!

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  11. Adorei!! É exatamente isso que importa, atenção, cuidado, aconchego, esse olhar carinhoso. Parabéns por esse conto maravilhoso! Foi muito bom visitar todas as semanas o carrinho da Dora, comer as batatinhas e acompanhar essa história tão bonita sobre um amor guardado. 👏👏♥️

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    1. Obrigado demais, Beth!!!!
      Semana que vem, público o epílogo, que será uma experiência interessante (assim espero)!!
      E quanto a Dora, ela ganhar um spin off de uns 4 ou 5 capítulos!!!!!
      Bora comer batatinhas!!!

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  12. Isabel Cristina Seggiaro18 de outubro de 2020 às 11:01

    Surpreendente, adorei, existem momentos que um abraço tem muito significado.

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    1. ... um abraço.... sentir que podemos adormecer tranquilos e estaremos sendo cuidados...
      acho que mais do que qualquer coisa, isso é o que ela mais precisava...!!!!

      E semana que vem, tem o epílogo!!! Estás convidada a vir comer batatinhas no carrinho da Dora!!

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  13. Amigoooooooooo!!!!! Quero muito falar com a Dora!!!!😘

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    1. Né que ela é boa de conselho??!!! E, no fim das contas, é melhor seguir o conselho, porque daí, sai de graça!!!
      Domingo que vem, tem o epílogo!
      Bora reunir no carrinho das batatinhas!

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  14. Impressionante sua capacidade de se reinventar através das palavras. A cada fase ou Projeto, percebo que o investimento do seu estudo, do seu tempo, da sua dedicação transparece... Admiro seu empenho, sua arte. Além do que... Já me salvou algumas vezes.

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    1. Sílvia, nem sei como agradecer a gentileza das tuas palavras... significa realmente muito, especialmente porque tu és uma das primeiras a participar do blogue, estás desde o começo... realmente, muito obrigado!

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  15. O Conto do Amor guardado, gostei. Deu um bom respiro romântico... Bom nesses tempos. Penso que foi fiel ao seu estilo... Achei misterioso, curioso, mas desconfiei que a surpresa no final, seria que não haveria surpresa... Ela é clássica, tradicional, inteligente, não faria nada que rompesse com isso.

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    1. Mas será que alguma surpresa não estará no epílogo......???

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  16. Parafraseando (é isso, acho) a escritora Ana Isabel, sua característica escritor/narrador/personagem não permitiriam que ela desse um passo em falso... Genial. Autêntico.

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    1. E o que são passos em falso...? Vai que ela realmente tenha decidido atirar-se no precipício de uma vida nova...? ... ah, esse epílogo!

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  17. Acho que guardei os comentários pro fim.

    Ah. Ainda quero saber da Dora... Onde vive, como vive, o que faz...

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    1. A Dora ganhará um spin off... acho que começarei tão logo tenha publicado o epílogo...!

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  18. Meu querido escritor,

    tu escreves bem, até mesmo narrando fatos vividos por personagens das quais, algumas, como essa, não gosto do tipo. Acho que não é novidade, para ti, que meu sangue não dá com mulher perua. E convenhamos que esta tua personagem é uma.

    Entretanto, inegavelmente, o teu texto é muito bem narrado. É convincente. É muito bem escrito.

    PARABÉNS!!! Um abraço com recheio de carinho!



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    1. Escritora... é tão bom encontrar-te no blogue... isso me motiva, enche-me de incentivo... sim, eu sei que estas personagens não te atraem... tão diferentes das tuas, tão mais reais, mais cheias de vida de verdade... ... mas ao menos, teve a Dora, né?! Da vendedora de batatinhas tu deves ter gostado..!

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  19. Mas por que cortaste uma nossa conversa???

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    1. Eu te devo muita gratidão e explicações... e, se não continuei aquela conversa, foi porque não consegui... mesmo assim, tu não imaginas o quanto ajudaste... o quanto aliviaste meu coração... sempre obrigado, Ana... sempre obrigado a ti!

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  20. Pois bem, Mestre, vamos ao meu modesto sentir quanto à forma emprestada ao encerramento do seu belo: “Um Conto de Amor Guardado”... Adorei, simples assim!
    Afinal, nele o mote é e sempre foi o AMOR! Em nenhum momento houve qualquer referência a uma avassaladora PAIXÃO, capaz até mesmo de redundar num simples, e, porque não dizer corriqueiro, ato de TRAIÇÃO! Sinto que o DORMIR JUNTO de forma atenciosa, carinhosa e amorosa tem muito mais SIGNIFICADO ÀS ORIGENS DO TEXTO, do que uma tórrida noite de PAIXÃO! Além do que, penso a descrição do ato fatalmente cairia no banal, por mais bem colocado que fosse maculando a beleza e o glamour que o distinguiram e distingue. Parabéns!

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    1. Eu fico tão feliz, Dra. Teresinha... tão feliz...!
      ... mas temo que as surpresas do epílogo possam não agradar-te tanto... porque aconteceram muitas coisas... ah... vai lá... estou publicando, logo depois de haver-te respondido a este comentário...
      Então vai... apertas aí embaixo, a "postagem mais recente"..!!!

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