Do Goela, Mundinha e Barganha
(Publicação original no antigo blog "Menna Comentários"
em 8 de abril de 2016.
Comentários no original: 13)
Eu achei que o Goela havia apregoado errado! Eu
havia acabado de ver o processo e entregar para o meirinho. Era uma ação de
divórcio! Eu lembro. Era divórcio! Não tava ficando louco!
“Francis e Mundinha. Passar para audiência!” Gritou
o Goela, na porta da sala. No interior das cidades da Amazônia, até meirinho
tem apelido. Goela era o meirinho e, mesmo lendo os nomes, chamava por apelido!
Eu sei que hoje em dia, há uma liberalidade muito
grande, mas era o ano de 2007, ainda. Eu lembro que era meu segundo dia naquela
cidadezinha e nem fórum havia. Estávamos fazendo as audiências numa escola, em
uma sala de aula! Nem conhecia direito as pessoas. Nem mesmo o pessoal de apoio
do judiciário eu conhecia direito! Então era tudo muito novo pra mim. Mas a Lei
eu conhecia, havia me matado de estudar pra passar no concurso. Daí, que eu
sabia que não podia haver casamento registrado no cartório, de duas mulheres!
Se não podia haver casamento, como poderiam estar se divorciando? Fiquei
curioso!
Pois entrou na sala uma mulher, pouco mais de
menina, que calculei que tinha uns 20 e poucos anos, filho recém nascido no
colo. A mulher veio com o pai. Um sujeito de uns quase sessenta... ou era muito
judiado pelo tempo (depois do caso da D. Mocinha, que eu já contei aqui, numa
crônica anterior, não me arrisco mais com idades!!). Caminhava com dificuldade
e sentou gemendo com um nada silencioso “aaaaahhhh”.
Sentaram lado a lado! Fiquei esperando a Francis.
“O senhor senta aqui”, disse o Goela pro pai da
menina, apontando para a cadeira do outro lado da mesa.
“Não, Goela, ele pode ficar aí”, falei. O cidadão
era velho e cansado, e, se veio para acompanhar, desde que não se manifeste, eu
permitiria que ficasse ao lado da filha.
"Tá bem”, disse o Goela e me devolveu o
processo. Foi sentar na cadeira perto da porta.
“Sim, Goela! E a Francis?"
O Goela sorriu e apontou pro pai da moça sentada.
“Hein?"
Pois é. Não era o pai. “Francis" era marido. O
homem velho e cansado sentado ao lado da moça!
Bem, olhando como o SEU Francis parecia acabado,
pensei que até que a “Mundinha" poderia se dar bem, porque é nova ainda, e
bem apessoada!
Perguntei se havia possibilidade de se reatarem e
ambos balançaram a cabeça pra um lado e pra outro e responderam com a universal
negativa:
“Hum-hum”!
Daí, segue o procedimento, ficou na sala apenas eu,
o promotor, o defensor público e a Mundinha. O SEU Francis, esperando.
“Alguma chance de reconciliar, Mundinha?”
Perguntei.
“Hum-Hum”, de novo. Cabeça baixa e filho no colo.
Olhando o SEU Francis, todo acabado, gemendo pra
sentar, e vendo a Mundinha, uma moça nova na flor da idade, não fizemos mais
nenhuma pergunta.
Sai Mundinha, entra SEU FRANCIS.
“E aí, SEU FRANCIS? Alguma possibilidade de
reconciliação?” Já fiz a pergunta meio com medo... vai que o velhinho comece a
desfiar um catatau de queixas...? Porque tem uns inconformados como o
“Virado" um preguiçoso que levou um pé na bunda da "Joana do
Crediário”, que fica implorando para que o juiz mande ela voltar.
“Doutor, eu não quero me separar, doutor. Essa
mulher vai acabar comigo, ela tá partindo meu coração, vou me matar, doutor...
o senhor tem que proibir ela de se separar, ela já saiu de casa, o senhor tem
que trazer ela de volta...”
“Pai de santo é que traz a pessoa amada de volta,
Virado. Arruma um emprego e tenta conquistar a Joana de volta”.
Achei que o SEU Francis podia ser um desses.
E ele respondeu meio cabisbaixo:
“Não, doutor... acho que não dá mais. Eu até que
queria que ela não fosse embora, fiz proposta prá Mundinha, mas ela não quer.”
Na verdade, eu até achei a Mundinha meio insegura
com aquele “hum-hum”. Daí perguntei qual foi a proposta.
“Sabe doutor. Pois eu arrumei outra né? Sabe como
é, a Mundinha já pariu 3 filhos meus, tá ficando velha, né doutor. E eu agora
tô com a Graça, mais novinha, já tá esperando um filho meu, doutor. Eu até
perguntei se a Mundinha queria viver comigo também, porque a Graça não se
importa, e daí, é sempre mais uma pra cuidar de mim, né doutor. Uma hora a
idade chega, sabe como é...”
“Hein?!!!!"
Pois é. No fim, o divorcio foi amigável e a
sentença prolatei na própria audiência! Mandei que esperassem, porque faríamos
o mandado de averbação do divórcio no mesmo dia, porque todos moravam em ilhas
distantes, e eram horas remando para chegar ali. Ficaram esperando.
Enquanto isso, mandei que passasse à próxima
audiência:
Darcy x Régis. Cobrança.
“Chama os dois”, disse para o Goela!
“Darcy, Régis, passa prá audiência!”, gritou.
Finalmente, chamou duas pessoas seguidas pelos nomes, não por apelidos.
Entraram duas mulheres!
Dá prá acreditar? Numa cidade em que TOOOOOODOS tem
apelidos, justo quando o nome confunde, não tem apelido nenhum!
Terminado o caso da Darcy e da Régis (sabe Deus que
motivo leva um pai a olhar uma bebezinha e chamar de Régis? Vai ver não sabia
ver se era homem ou mulher...!) ...mas enfim, terminado o caso da Darcy e da
Régis, a escrivã havia preparado o mandado de averbação do divórcio! Mas havia
um pequeno erro em uma letra do nome, no mandado que a escrivã, D. Joyce Andrea
(assim, Joyce com ípsilon e Andrea sem “i”) havia feito.
“Goela, chama a escrivã”, pedi.
Pensa que o Goela foi chamar? Só deu um grito:
“Barganha, o doutor tá te chamando!”. Ai, ai...
fosse pra gritar, eu mesmo havia gritado... mas enfim.
Em seguida entra um caboclo com a pele bem
bronzeada e para do meu lado, me encarando.
Eu estranhei. Mas perguntei:
“Pois não?”
“O senhor mandou me chamar. Sou o Barganha”!
...
Era o dia... O Joyce com ípsilon era o Barganha!
Tá decidido. Nenhum filho meu será registrado
naquela cidade!
Por Luís Augusto Menna Barreto
Como sempre não dá pra ler suas crônicas sem rir; dos apelidos, nomes de mulher em homem, de homem em mulher, melhor essa situação inusitada do SEU Francis, só trocando de "novinhas"... ai ai, só rindo mesmo viu? Admirável mesmo é vc registrar tudo tão bem detalhado. Só me resta aplaudir-te. Parabéns!
ResponderExcluirA vida no Marajó, é muito rica! Muito mais do que podemos imaginar!
ExcluirPosso dizer-te que nem registro muito... essas são as histórias que lembro!!!!!
Um imenso abraço, Eunice!!!!
Não dá nem pra se sentir entediado, não tem tempo pra isso né? Todo dia é um caso novo pra resolver. A rotina não tem chance no Marajó, bom, muito bom.
ResponderExcluirA doce rotina no Marajó, é estar sempre disposto a ver o ovo com os olhos do novo...!
ExcluirMuito bom....kkkkkkkkk.....vc consegue sempre transmitir seus perrengues com muito humor, maravilhoso, parabéns poeta... vc deve ser uma pessoa super hiper mega bem humorada...
ResponderExcluirAh, mas tem muitas vezes que saio do sério, como contei na cronica "O Surdo, os Gêmeos e Seu Raimundo Duas Vezes"!!!!!
ExcluirEu já concluindo, que a Mundinha estava separando por causa da aparência acabadinha do marido, e eis que ele vem com toda essa potência!!? Meu Deus, só mesmo você Poeta, pra conseguir fatos tão inesperados. Muito boa!!!
ResponderExcluirÉ a vida... rsrsrsrsrs.... muito mais surpreendente do que imaginamos!!!!
ExcluirMil obrigados!!
Que a vida é mesmo muito surpreendente, isso é verdade!!!
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