— Foi pelo desaforo, doutor.
Parecia que o Martelo ainda estava brabo!
O Escápula tava ali, sentado, sem dizer uma palavra, com o olho todo roxo e o lábio um pouco inchado. O Escápula tinha apanhado do Martelo. Bastante.
A mãe do Escápula estava lá. Furiosa. Já havia batido nele desde a delegacia.
… batido no Escápula, não no Martelo!
Quando é o Tonelada, policial militar, que está cuidando da cadeia, na ausência do delegado e no almoço do Fechadura, ele normalmente não deixa ninguém entrar na cela pra falar com preso. Ou, se entra, ele simplesmente não deixa sair!
Mas com a mãe do Escápula foi diferente. Quando ele viu a fúria da Das Dores, ficou amável na mesma hora, e foi logo abrindo a cela. O pobre Escápula chegou a tentar falar:
— Pô, Tonelad….
Sentiu o primeiro tapa na cabeça. E foi uma avalanche:
— Miserável! Foi pra isso que te criei, infeliz? Te falta alguma coisa em casa? Não tem sempre uma farinha e um açaí, seu escomungado? Queres matar tua mãe de desgosto? Tem "precisão" de pegar o que é dos outros…
E por aí, foi! O Tonelada chegou mesmo a pegar um banco e ficar olhando o pobre Escápula pegando tapa da mãe.
Mas apanhar feio mesmo, ele apanhou do Martelo!
O Martelo eu conheci em Novo Progresso. Ele é pai do Prego, do Taxinha e de mais cinco filhos! Por coincidência, ele veio de Novo Progresso, no sudoeste do Pará, para o Marajó. Eu já sabia que o Martelo era brabo. E ele deixou o Escápula bem machucado.
Mas a audiência não era pra julgar o Martelo. O Martelo era a vítima! O réu era o Escápula!
Tivemos um pouco de trabalho para conter a Das Dores no fórum. Diz que* ela veio desde a delegacia, no trajeto de trezentos metros a pé, até o fórum, xingando e dando tapa na cabeça do Escápula.
Eu comecei:
— Sim, Escápula, me digas o que aconteceu! Eu tô vendo aqui que tu nunca tiveste problema com polícia, estudaste até a 4ª série**, trabalha fazendo bico de entrega na loja do Mariposa e faz carreto na beira. O que te deu de fazer isso?
— Não lembro, doutor, tava porre. Tava bebendo desde quinta, e só lembro de acordar na delegacia, com a mamãe me ralhando.
Eu tentei insistir um pouco, mas não adiantou. Ele não lembrava mesmo.
Então vou contar. A história foi a seguinte:
O Escápula começou a beber com o De Fundo, na casa dele e mais o Fila Bóia e o Cara de Cuspe. Começaram na noite da quinta, véspera do feriado de finados, que este ano foi na sexta-feira. Estava pra amanhecer o domingo, e acabou a bebida. O Escápula e o De Fundo, que ainda davam conta de caminhar, resolveram sair pra “arranjar" mais bebida.
Foi então que viram o Martelo chegando de bicicleta em casa, com o Taxinha na garupa. Tiveram a infeliz idéia de assaltar o Martelo.
A empreitada já foi dando errado desde o início: o De Fundo já ficou caído porre no caminho. Não deu conta de chegar nem perto do Martelo. O Escápula, que nem notou isso, colocou a mão direita por baixo da camiseta e simulou que iria pegar uma arma.
— Perdeu. Perdeu. Me dá a carteira.
O Martelo, óbvio, levou um susto e o Taxinha ficou apavorado. O primeiro ímpeto do Martelo foi reagir, porque viu que o Escápula tava porre. Mas pensou no Taxinha e resolveu entregar a carteira.
Quando estava entregando, o Escápula viu que o Martelo tinha um celular na cintura e resolveu roubar o celular também. Enquanto pegava a carteira do Martelo com a mão esquerda (a direita estava simulando arma por baixo da camiseta) falou:
— Perdeu o celular também. Bora.
O Martelo respirou fundo, pensou no Taxinha de novo e entregou o celular.
Mas daí que a coisa desandou: como o Escápula estava com a mão esquerda ocupada com a carteira do Martelo, foi pegar o celular com a direita…
Isso mesmo: o leso tirou a mão de baixo da camiseta e o Martelo viu que não havia arma. Olhou pro Taxinha e disse:
— Vai pra dentro, moleque. Guarda a bicicleta e fala pra mamãe que tá tudo bem!
E a pisa começou!
Depois da pisa, o próprio Martelo ligou pro Tonelada, que recolheu o Escápula.
Já era segunda-feira, na audiência e o rosto do Escápula ainda estava bem machucado. Então, como o Martelo tava lá, resolvi conversar com ele:
— Olha, Martelo, não devias ter feito isso…
— Eu sei, doutor…
— … eu entendo que deves ter ficado nervoso, afinal estavas sendo assaltado na presença do teu filho e sei que isso pode traumatizar a cri…
— Foi pelo desaforo, doutor. — Ele me interrompeu.
— Hein?
— Desaforo, doutor.
— Que desaforo, Martelo?
— Tava me tirando pra otário, doutor. Já fui assaltado antes. Nem fiquei muito brabo, porque foi tudo coisa de homem, doutor. O malandro tava com arma, me ameaçou mostrando o revolver e tudo. Daí tudo certo! Mas esse abestado me tirou pra otário, doutor! Quis me assaltar sem arma? Onde já se viu? Ao menos uma faca tivesse, doutor! Mas querer me assaltar sem arma é coisa de moleque! Me fez muita raiva!
Pois é: o problema não foi o assalto. Foi a falta de ao menos uma arma!
…
O De Fundo? Ah!, ninguém deu bola pra ele, nem o Tonelada. É comum ele ficar caído na rua depois de um porre. Ninguém nem mais estranha, na cidade. Daí o apelido: uma mistura de “defunto” com “no fundo de uma garrafa”.
Mas essa história, eu conto outro dia!
Por Luís Augusto Menna Barreto
Ser assaltado até que vai, mas ser tratado como otário, ah isso já é desaforo mesmo! Respeita a cara de homem moleque kkk É bem o “retrato” de nosso povo
ResponderExcluirPor aí!!!😆😂🤣
ExcluirAgora pensa se o assaltado é um cabra nordestino..?! O Escápula estaria se entendendo com São Pedro!!
Muito bom. Não tem sempre um açaí e uma farinha seu escomungado. Bem marajoara!😊
ResponderExcluirCoisas de Marajó City!!!!!😆😆😆😆😆
ExcluirAmigão, que conto gostoso de ler. Você sabe nos colocar na história. É um faz de conta maravilhoso. Coisas do arquipélago do Marajó. Figuras pitorescas que confundem verdades e ilusões. Porque caboclo não mente ele inventa.
ResponderExcluirAh!, amigão... mas essas histórias todas aconteceram... talvez eu tenha apenas dado uma exageradinha de leve e misturado alguns personagens.... 🤣🤣
ExcluirEssa do Escápula só se dar conta da situação com a "mamãe me ralhando" foi ótimo kkkkkkkk e a raiva do Martelo ter sido feito de bobo em ser assaltado sem arma, foi hilária, ele tá certo, até pra assaltar tem que ter seriedade kkkkkkkkkk Ê Marajó maravilhoso.
ResponderExcluirE não é?! Que molecagem do Escápula!!! Logo o Martelo ele queria fazer de bobo? Vá tomar vergonha na cara.....!!!😂😂
ExcluirComo é bom encontrar-te aqui, minha querida amiga!!!!!
Que "delícia" de ler estas tuas crônicas! Só não é melhor porque termina!!!!!! 😊
ResponderExcluirQuando a gente pensa que viu todos os apelidos... você consegue mais uma "carrada"!!! 😅😅
Na verdade, o Marajó que é pródigo nos apelidos!!!!!! E é tão pitoresco é delicioso...!!
ExcluirMil obrigados por teu comentário!!!!!! É gostoso demais cada vez que vejo que alguém leu e, mais que isso, divertiu-se com as aventuras de Marajó City!!!!
Amo as aventuras do Marajó City!!!!!
ResponderExcluirE a forma como você narra, ficam escandalosamente incríveis!!!! Não é a toa que está entrando no mundo do Teatro e oxalá das novelas...!!!! 😊
Acho que tua generosidade é sempre muito maior que tu mesma!!!!!!
ExcluirAgora, cá entre nós: na mão de um bom dramaturgo, “Marajó City” daria uma boa novela, não achas...? No mínimo um seriado de uns 20 capítulos, em que poderia contar uma ou duas aventuras por capítulo....!!!!🤣😆
Aqui pra nós: a pessoa certa pra isso és TU!!!!! E não bati a cabeça...!!!
ResponderExcluir😊😊😃
Ihhhh comeste manga com leite....😂🤣😁
Excluir😅😂
Excluir"Martelo é pai do Prego, do Taxinha e de mais cinco filhos!" Kkkk Menna, não aguento estes apelidos e fiquei imaginando o apelido dos outros cinco filhos do Martelo, devem ser porca, parafuso, arroela, bucha e rebite! 😂😂😂😂 Muito bom!😉
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