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Parte 2 de 4
— Ei…
— Ah!, tu ainda estás aí? Achei que havias entendido que tua alma não serve ao nosso brechó.
— Mas é que vi passar uma alma tão intacta quanto eu: bons olhos, sem faltar parte nenhuma, quase brilhava de tão intacta! Nada a diferencia de mim. Por quê passou e eu não posso?
— Aquela recebeu o passe de aprovação! Por isso entrou! Ficará no brechó, mas na ala dos saldos e pontas.
— Que passe de aprovação? Também quero!
— Tu não me pareces o tipo de alma que conseguiria um passe de aprovação!
— Ora, não me conheces! Em vida, sempre mantive a boa forma, frequentava academia, cuidava da pele, da alimentação, era saudável. Nao entendo como morri de parada cardíaca! Mas, enfim, isso não vem ao caso agora! Dize-me como faço para conseguir esse tal passe de aprovação?!
— Mas você não sabe nada sobre este lugar, não é mesmo? Não viste as instruções pelo caminho?
— Não… quando percebi que morri, apressei-me logo! Não parei para ver nada, para ler nada. Eu queria apenas chegar logo. Havia muitas almas velhas e rasgadas no caminho, e não quis misturar-me. Pensei que haveria um lugar para almas como a minha, perfeitas, alvas, intactas…
— Está bem, está bem! Vês aquele portão, logo depois de passar a parte dos fundos do brechó? Fales com o porteiro de lá. Mas ainda penso que não conseguirás!
…
— Eu vim pegar um passe de aprovação!
— Hummm…
— Por que me olhas assim, de cima a baixo, com esse ar superior? Vamos, da-me logo esse passe!
— Hummm…
— Não me podes negar! Estou vendo pela fresta do portão, que outra alma há lá dentro, tão intacta quanto eu!
— Hummm…
— Abra logo! … Isso, agora sim! Na próxima vez, não se demore tanto! … Olá, com licença, este lugar está vazio?
— Ah, sim, está! A alma que aí estava, já foi chamada! Vê? Está saindo, agora! Conseguiu o passe! Vieste buscar também um passe de aprovação?
— Sim! Como isso funciona?
— Esperamos nossa vez, somos chamados e respondemos à pergunta!
— Que pergunta?
— Ora, não leste no caminho, as instruções?
— Claro que não! Estava empenhada em chegar logo, assim que morri!
— Não sabes a pergunta?
— Não, não sei!
— E como responderás, se não sabes a pergunta?
— Saberei se tu me disseres! Vamos, fales logo!
— A pergunta é… Como? É minha vez? É minha vez! Minha vez! Perdoe-me! Estou ansiosa. Outra hora conversaremos!
— Espere… e a pergunta? Qual é a pergunta? Grite! Não te ouço…
— … ê… u… zesteeee….?
— E agora? Não ouvi. Ora, mas hei de sair-me bem! Sempre fui inteligente, acima da média!
— Hummm…
— Nossa, que susto! Sim, já vou. Ali? Esta porta? Certo, certo… Com licença…? Sim, vou sentar-me. Estou preparada, claro! Pergunte! Como…? “O que eu fiz pelos outros"? Ora, veja bem, eu tinha 42 anos! Ninguém morre aos 42 anos! Vocês aqui, que erraram em chamar-me cedo. Não havia dado tempo, ainda de ter feito algo pelos outros! Claro que eu tinha planos de ajudar. Estava, ainda, acumulando bens, para ter condições de ajudar! Mas olhe, lembro perfeitamente, que uma vez, doei um sapato que não me servia mais! Sim, doei também comida! Lembro agora que uma vez bateram-me à porta pedindo comida, e eu tinha um saco de bolachas que estava passando a data de validade e doei! …Não serve? Não seja ridículo! Como? Que portão? O que tem naquele portão? Porque não posso voltar ao Brechó? Calma, calma… estou indo!
…
— Com licença?
— Que portão é esse?
Pobre alma intacta… descobriu depois de morta, que de nenhuma forma doara-se. Não doara seu corpo. Não doara seu tempo. Não sabia sequer, que lhe abriam o portão do LIMBO…
(continua… esta é a parte 2 de 4)
Luís Augusto Menna Barreto
24.1.2020
E aí dona Michele?Sensibilizada por demais né?...Eu imaginei que assim seria,diante o impacto daquela parte 1...
ResponderExcluirPois bem...
Fui pega de surpresa...E será que poderei adquirir o "Passe de aprovação"? Será que poderei ser barrada? Será que vivo,de acordo com alguns dos critérios de entrada naquele BRECHÓ DE ALMAS?...Sacudida,emocionada, Sensibilizada e impactada mais uma vez...Acredito até,Menna,que esses textos estão sendo divisores de água para minha alma tão inacabada...👏👏👏👏👏👏
Michele... fico com muita dificuldade de responder teu comentário...! Quando a gente toca alguém com o que produz, sempre emociona... e se toca a alma, então...!!!
ExcluirEssa é uma crônica/conto dos meus medos... vou com essa alma intacta em busca de um portão de redenção!
Eu tenho....
ExcluirPensando...pensando...
ResponderExcluirDe tudo o que li aqui, por tudo o que ouvi falar a vida inteira, deduzo que a nossa vida sem doação aos outros é inútil.
Tens razão, Poeta. Quem não se entregar na solidariedade, quem não sair de si para se doar aos que encontrarmos pelo caminho, jamais seremos aceitos no brechó.
Foi esse um dos ensinamentos da Cruz, que tão bem mostras nessa instigante crônica.
Penso, de fato, que amealhamos na medida que doamos... em verdade, talvez nunca seja doação... talvez seja demorei-me troca: damos e recebemos em luz, em sorriso, em salvação....!
ExcluirAcho que as duas últimas partes podem ajudar-nos com isso...!!
Maria Zélia!!!
ExcluirNunca mais falei contigo.
Como vai?
Estou com saudade!
Para Ana Isabel:
ExcluirAninha querida, que bom te ver por aqui. Eu estou te devendo uma cópia da cartilha "Viver é Lutar". Eu mandarei esta semana. Prometo.
E as meninas me disseram que foste vovó.
A vida, Aninha, é dividida em duas partes: antes e depois da gente ser avó. Porque a vida se torna extraordinária quando Deus nos dá netos. Beijos, meu bem. Também estou com saudades.
Vou falar contigo pelo Whatsapp
ExcluirBom dia escritor. Incrivelmente perfeita a forma como descreve um diálogo espiritual. Isso me fascina!!!
ResponderExcluirDe nada valerá nossa passagem sobre a terra sem que aprendamos a nós tornar parte do todo. Levamos daqui o bem que fazemos, os ensinamentos que absorvemos, vivências no decorrer da caminhada sejam elas boas ou não. "Não vistes as instruções pelo caminho?" Como podemos nos doar ao próximo se não compartilhando o que temos de melhor?! Não falo de bens materiais, mas de empatia, de estender a mão, de auxílio e entrega sem esperar nada em troca. Ameeeeeei e estou esperando a terceira parte! 👏👏👏👏👏👏
Sônia, super obrigado!!!
ExcluirAcho que o barato, o que nos edifica de verdade, é proporcional ao tanto que nós doamos...!
Acho que segunda ou terça-feira, já publico a parte 3!!!!!
Meu Deus. .. isso é mais que reflexão, é uma chacoalhada e tanto, é pra reavaliar tudo que fazemos por aqui e mudar atitudes. Ótima crônica de hoje.
ResponderExcluirNice!!!! Fiquei tão feliz com teu comentário!!!
ExcluirEstou gratificado com o quanto essa crônica / conto tem tocado de alguma forma as pessoas!!!
Mil obrigados!!! Ainda virão mais duas partes!!!
Eita...vou ali... ver se ainda há tempo de fazer algo...
ResponderExcluirAcho que sempre há!!!
ExcluirLembras do ladrao arrependido, crucificado ao lado? Entrou no paraíso...! Sempre há tempo...!!!
Obrigado por vires aqui, Armelinda!!!
Vixe!!!
ResponderExcluirFiquei com medo agora.
Será que minha alma vai servir pta o brechó?!
Quááá...
Acho que a minha nem pra o bazar da pechincha vai servir.
Ah!, escritora!!!! Acho que sempre tem um balaio de saldos e pontas pra salvar a gente... quem sabe??! Bora ver o que essa Allan vai encontrar atravessando o portão do Limbo.....!!!!
Excluir...quero distância do Limbo...
ExcluirLimbo, segundo o Aurélio, vem do latim, “Limbus” = orla, borda....
ExcluirAcho que enquanto ainda no Limbo, haveria chance... aguardemos os dois últimos capítulos!!
Sim.Entendo.Estás certíssimo. Mas é que eu mesma já fiquei à margem por um tempo... chega. Já me decidi. É comigo isso...
ExcluirPor outro lado, é mais ou menos no teu modo de ver, Ele disse: “quem não está comigo, está contra mim”!
ExcluirAllan?!
ResponderExcluirEscrevi errado... era "Alma"...!!
ExcluirAdmirável seu texto. Também sua inspiração e coragem.
ResponderExcluirSuper obrigado, Sílvia... estou-me deixando guiar por entre meus medos... estou acompanhando, também o trilhar desta alma intacta...!!!!
ExcluirAqui se faz e lá se paga... Sempre acreditei que aquelas pessoas que são más, cruéis, arrogantes iriam.para algum lugar que não o céu cheio de carneirinhos e anjos tocando harpas. Porque esse último é o céu que almejo rsrs! Ótima crônica, poeta!
ResponderExcluirRealmente não sei, Denise... mas espero (sinceramente) que mesmo estas tenham a chance de redenção ...!
ExcluirAcho que conviver com o mal que produz, de alguma forma já penaliza e aprisiona em si mesmo... renúncia à verdadeira felicidade...!
Vejamos, ainda, a saga dessa alma intacta...!