Todos ficaram se perguntando o que poderia ter havido, especialmente porque o orelhão há muito não funcionava, embora o Mesa Branca todos os dias fosse até lá depois da sesta, colocasse a ficha, e começasse a falar e (aparentemente) escutar. No final, a ficha era sempre devolvida e ele voltava no dia seguinte!
Evidentemente, os amigos e familiares perguntavam com quem ele falava tanto, mas ele se limitava a responder:
— Pessoas… pessoas!
— E o que tu tanto falas, Mesa Branca? — Perguntavam todos: o Retalho, o Mariposa, o Manobra, o Goela, a Pipoca, enfim, todo mundo tinha curiosidade, ao quê, o Mesa Branca, caboclo iletrado e de poucas luzes, respondia:
— Alhures…alhures!
Ele falava isso com um certo ar de superioridade e displicência, e o fato é que ninguém retrucava. Muito certamente, porque ninguém sabia o que significava “alhures”… provavelmente, nem ele mesmo soubesse.
Mas, enfim, houve esse dia, em que o Mesa Branca saiu pálido, sério e calado do orelhão!
Caminhou devagar até o açougue do retalho e balançou a cabeça com o queixo para cima, pedindo uma cachaça. O Retalho entendeu e, naquele momento, não perguntou nada. O Goela e o Manobra, que estavam ali, também não perguntaram, tal era o semblante sério do Mesa Branca. Virou de uma vez o copo, colocou no balcão e saiu sem dizer uma palavra! O Retalho limitou-se a pegar a caneta de trás da orelha, pegar o caderninho pendurado por um barbante no teto, rente à parede e anotar a dose na conta do Mesa Branca. E assim, sério, chegou em casa! Olhou com alguma gravidade para a Pipoca (Doce), que preferiu nem perguntar. Fora deitar quieto naquele dia, e nem deitou-se na mesma rede que a Pipoca. Não teve saliência naquela noite. Atou a rede fora de casa, entre um açaizeiro e a perna manca da varanda.
No dia seguinte, quando acordaram, a Pipoca logo disse para o Mesa Branca ir buscar um pão para preparar a merenda dos filhos, para levar para escola. O Mesa Branca não falou nada, e foi. Os filhos, antes de ir para escola, pediram a bênção, e o Mesa Branca limitou-se a beijar as mãos dos dois garotos e balançar a cabeça para cada um.
— Mãe, o pai ficou mudo?
— Pelo jeito… — Respondeu Pipoca, ainda sem levar a sério.
Mas com o passar dos dias, a coisa mostrou-se séria e já havia comentário: Mesa Branca emudeceu!
Acontece que o Mesa Branca era muito devoto, e sempre ajudava na Igreja. Participava da Missa do domingo e ajudava a puxar as músicas, com um coral improvisado, composto por ele, a Véu de Noiva e a Dona Mocinha. Na hora da Missa das 7h do domingo, a Igreja estava mais cheia do que o normal, porque como havia se espalhado a notícia da mudez do Mesa Branca, alguns ficaram curiosos para ver se ele iria cantar. Então, alguns minutos antes do início, lá chegou o Mesa Branca e pegou seu lugar no “coral”, no primeiro banco do lado direito do altar. O Padre começa a procissão da porta até o altar e inicia o canto:
“Eis-me aqui Senhor/ Eis-me aqui Senhô-ô-ô-or…”
Lá estava o Mesa Branca. No meio das duas companheiras de coral, balançando a cabeça como sempre fazia… … mas sem emitir um som sequer! Apenas as duas vozes femininas se faziam ouvir.
E assim foi durante toda a missa. Toda a assembléia passou a olhar mais o Mesa Branca do que o Padre! Vendo isso, o Padre irritou-se e, ao final, foi falar com o Mesa Branca. Muitos fiéis não arredaram pé.
— Edinelson (era o nome do Mesa Branca. O Padre recusava-se a chama-lo pelo apelido, considerando a origem não católica, mas isso é história para outra crônica). — Por que não falas?
Silêncio. Os olhos sérios fitando o Padre.
— Foi promessa?
Cabeça de um lado para outro, em um universal gesto de negação.
— Foi pecado?
Ombros levantados e cabeça ligeiramente para o lado! Gesto preciso para traduzir um impreciso “talvez”, “quem sabe”. Gesto de quem “acha" mas não tem certeza… ou não quer admitir algo que sabe.
E assim o Padre conduziu o Mesa Branca para o confessionário. Metade dos fiéis não haviam arredado pé da igreja e continuavam acompanhando o desdobrar dos acontecimentos.
O padre entrou em seu reservado e o Mesa Branca ajoelhou na parte externa.
— Queres confessar teus pecados, meu filho?
Mesa Branca balançou a cabeça na vertical.
— Quais são seus pecados?
Silêncio. Mesa branca olhava o Padre, pelos “furinhos" de comunicação do confessionário, com olhos suplicantes. O Padre esperou e nada. O Mesa Branca continuava ali, quieto! E o Padre encontrou-se em um dilema: para a absolvição, era preciso que o Mesa Branca confessasse os pecados, falasse! Mas ele não falava. E se fosse verdade a mudez? E se o Mesa Branca não pudesse mesmo falar? O que faria? Não poderia chamar alguém para traduzir eventuais gestos e sinais, porque quebraria o sigilo da confissão. Escrever poderia ser uma saída… mas o Mesa Branca não lia nem escrevia. Sugerir pecados para o Mesa Branca fazer gestos de sim e não, poderia levar tempo demais, afinal a lista de pecados que o Padre aprendeu em mais vinte anos de confissões levaria dias para desfiar. Mas e agora? Negar a absolvição para o Mesa Branca, seria o mesmo que condenar todos os mudos. O Padre nunca pensara nisso. Nunca recebera confissão de mudos. Como eles se confessavam?
Na dúvida, e conhecendo o Mesa Branca, o Padre optou por absolve-lo:
— Meu filho, pense nos seus pecados. E balance a cabeça quando pensar em todos.
Demorou uns poucos instantes. O Padre calculou que não haveria mais de cinco pecados pensados e cometidos pelo Mesa Branca pelo pouco tempo que levou. Logo, o Mesa Branca levantou os olhos e baixou uma vez a cabeça, com gravidade como quem avisa: “terminei”.
O Padre pensou um pouco, deu-lhe como penitência, rezar duas Salve Rainhas, quatro Pai Nossos, e vinte Ave Marias. Por via das dúvidas que rezasse um Creio no Final!
A notícia espalhou-se rápido: o Padre havia recebido a confissão do Mesa Branca e o absolvido!
…
A Marmita adorava uma festa e não resistia em fazer saliência com algum caboclo de boa conversa! Nem todos solteiros, ela sabia, mas é que havia um fogo dentro dela! Naquela mesma tarde, foi falar com a Pipoca:
— Empresta a ficha do telefone, Pipoca.
— Tá doida que vou pegar a ficha do Mesa, mana?
— É rapidinho, eu já devolvo!
— Não posso, dá teus pulos! E aquele orelhão nem funciona, pequena!
— Para o que eu preciso, vai funcionar Te dou um litro de açaí se me emprestares um instante.
Isso balançou a Pipoca. Açaí é açaí, não se pode desprezar.
Com cuidado, na hora da sesta, quando o Mesa Branca estava dormindo na rede, a Pipoca pegou, com muito cuidado, a ficha que ele guardava em uma lata de café, junto com o terço e resto do dinheiro do seguro defeso da colônia de pescadores, que indeniza o tempo que os pescadores não podem pescar, para os peixes procriarem.
A Marmita saiu saltitante com a ficha e voltou em menos de vinte minutos! Não disse uma palavra, devolveu a ficha e entregou o litro de açaí para a Pipoca.
…
A missa das 19h foi estranha: igreja lotada, mas, à exceção de uns três ou quatro que respondiam, quase todos estavam calados… MUDOS!
A despensa da casa da Pipoca estava lotada de açaí, camarão, farinha…
… e, no final da missa, havia uma fila de mudos no confessionário!
Luís Augusto Menna Barreto
9 de novembro de 2025
*Vide a crônica "O Orelhão o Mesa Branca e o Padre"
Fiquei curiosa! 🤔😊
ResponderExcluirLogo logo, vamos desvendar esse mistério, sobre o que pode o Mesa Branca ter escutado...
ExcluirQuanto à Marmita... bem, pareceu-me bem espertinha... acho que a mudez da Marmita durou somente até o fim da confissão!!!
Aguardando novos capítulos, uma boa tarde amigo.
ExcluirDomingo, mais um divertido capítulo desta novela Marajoara!!!
ExcluirUma boa novela sempre deixa pontos soltos...
ResponderExcluirrsrsrsrs..... mas, devagarinho, vamos tentando fazer os arremates... a realidade do Marajó é fantástica... Minha "Macondo" Marajoara!! Algumas pontas soltas, foram resolvidas... outras, a vida não trouxe explicação... bora lembrar que não invento... apenas CONTO as histórias... (com alguma "licença poética", rsrsrsrsrs)
ExcluirQuando essa e outras histórias estiverem num livro serei o primeiro a comprar!
ResponderExcluirBarbaridade, mil obrigados... quem sabe um dia... preciso parar e organizar tudo... já comecei, confesso... mas cada vez que vou organizar, surge a lembrança de mais uma história que preciso contar...!!! Mas vamos ter esperança... rsrs
ExcluirAguçou demais a minha curiosidade kkkkkk
ResponderExcluirE a minha? Curiosíssimo!!!!! Mas hei de lembrar e contar o que aconteceu ao certo com o Mesa Branca! rsrsrs
ExcluirAguardando a outra crônica 😅
ResponderExcluirVai ter... rsrsrsrs.... há muita coisa para ser esclarecida... especialmente, o que teria causado a mudez do Mesa Branca!!!!
ExcluirDescobriremos!
Muito bom! E agora, como termina isso?
ResponderExcluirTem coisas que nem é bom terminar... mas acho que essa históra terá uma explicação... daqui ou do além, mas terá!!!!
ExcluirBora ver no próximo domingo!!
E o mistério continua...rsrsrsrs
ResponderExcluirE os leitores aguardando o desfecho, eita que agonia kkkkkk
Nice!!!!! Também estou curioso!!! Acho que domingo que vem descobriremos o que levou o Mesa Branca a ficar mudo!!!!! Bora ver se essa confusão toda se resolve!!!
ExcluirAhaha...taí um texto que me deixou "sem palavras".
ResponderExcluirA confusão começou na crônica anterior…. Mas acho que domingo que vem, desvendaremos todos os mistérios!!!
ExcluirQuando terminei de ler e comentar, fui imediatamente ler a outra crônica kkk Aguardando a continuidade...vamo(s) que vamo(s)....
ExcluirEspero que na próxima, o mistério seja desvendado!!! 😁🧐🤨
ExcluirCrônica bem divertida! Apelidos cômicos ! Quero saber o que aconteceu neste orelhão.
ResponderExcluirParabéns dr. Lico!
Os apelidos são os “das gentes” do Marajó mesmo! Traduzem, normalmente uma característica ou um evento marcante da pessoa…! E assim se vai reconhecendo! Há casos como que contei em outra crônica (“Bem Ali, Seu Espirro e os Exames”), que o caboclo passou a vida toda com apelido e apenas no fim, precisou de um nome…!
ExcluirE vamos ver se descubro que fim levou Mesa Branca, o orelhão e como o Padre resolveu as confissões!
Gde Lilico 👏🏻👏🏻👏🏻
ResponderExcluirMas bah!!!! Muito obrigado!!!!
ExcluirBora voltar semana que vem, para ver se descobrimos o que aconteceu nessa história, afinal!!
Eita, que fuzuê , se o povo de lá está curioso imagina nós? Só aguardando né ? Pipoca doce é mulher de Mesa Branca! Eu estou curiosa sobre eles também! Bora aguardar o mistério! Bom dia!
ResponderExcluirMuita confusão boa de acompanhar...!!!!!!
ExcluirVamos ver se semana que vem, conseguimos descobrir o que aconteceu para o "surto de mudez" na cidade!!! rsrsrsrs
Obrigado por visitar, Liuuuuuu!!!!
Como sempre, EXCELENTE, meu amigo LuMenna!
ResponderExcluirBaaaaaaahhhhhhh (ou deveria dizer: “égua, mana! Até achei que era visagem!”!!! Que bom encontrar-te aqui, novamente, escritora!!!! Só quem me chama “LuMenna”, é a maravilhosa escritora Ana Isabel Rocha Macedo, que está vindo aí com um novo romance!!!!!!!!!! 💕
ExcluirUma coisa é certa. Vida de padre não é nada fácil. Que confissão maís atípica. Já estou curiosa pelos próximos capítulos!
ResponderExcluirSou a Armelinda.
Oi, Armelinda!!! Que legal saber que vieste aqui, novamente!!!
ExcluirPois é.... mas acho que interessante mesmo, será a confissão da Marmita.... vou contar isso no domingo...!!!!! Bora ver como o Padre vai conseguir ligar com isso...! Ela tinha muita "saliência" para confessar... ... mas parece que também emudeceu!