Eu, o Pilha e o Ranho*
(A segunda aventura do Pilha)
Originalmente publicado no antigo blog
"Menna Comentários", precursor deste.
Data da postagem original: 29.03.2016.
Comentários na postagem original: 18
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Eu e o Pilha chamávamos ele de “Ranho”. A gente não sabia como era o nome dele. Parece que era “15", porque a babá dele sempre chamava ele de “Quinzinho”. Mas a gente chamava de “Ranho" porque ele vivia com o nariz escorrendo ranho.
A gente sempre via ele no parquinho, perto da caixa de areia e da gangorra. A babá sempre por perto, mas nem olhava direito pra ele, porque tava sempre olhando o celular, sentada. Quando ela terminava de ver o celular, dava um grito: “Quinzinho, vem, que tá na hora”.
Eu e o Pilha íamos bastante no parquinho. Mas não nos brinquedos, porque sempre tinha um adulto pra fazer cara feia e acabavam tirando a gente dali. Então, a gente ficava sempre subindo nas árvores. Eu conseguia ir no parquinho, sempre que a mãe pegava minhas duas irmãs pequenas e ia pro centro, sentar na frente daquela loja grande, pra ganhar um dinheiro. Como eu já tô grande (a mãe disse que eu já devo ter uns oito anos), tenho que ficar e ganhar o dinheiro na sinaleira. Tem gente que chama de farol ou sinal, mas eu gosto mesmo é de “sinaleira".
A minha sinaleira é a mesma do Pilha. Foi ali que nós nos conhecemos. Quando cheguei, ele disse que a sinaleira era dele, mas eu podia ficar ali, se eu desse uma moeda pra ele todo o dia. E ele disse também que tinha que obedecer as regras dele, porque ele era mais velho. Ele disse que tem nove anos. E disse até o dia dele: era dia 23 de abril. Depois ele me contou que foi ele que escolheu esse dia, porque o dia de verdade ele não sabia. Por quê, 23 de abril ele ainda não me contou! Mas acho que nem ele sabe contar os dias pra saber o dia dele.
Ele me ensina muita coisa. Acho que ele sabe mais porque é mais velho. Ele me ensinou a andar de carro! Ele me disse prá atirar a pedra no vidro do shopping e logo vieram uns homens de Kombi que me levaram e eu andei de carro. Mas no outro dia eu já tava na rua de novo. A mãe levou um papel que parece que tinha meu nome e me soltaram. Nunca vi papel abrir porta. Pra mim, o que abre porta é chave, então, eu acho que aquele papel é a minha chave. Eu não sei o que tem nele porque não sei ler. Minha mãe também não sabe, mas ela disse que ali tem tudo meu. Que com aquele papel sou gente. Isso eu também não entendo, porque gente eu acho que já sou. Mas não é bom ficar contrariando a mãe, senão apanho.
Acho que o Pilha me ensina mais que ela. Ele me ensinou como conseguir ir no parquinho. Desde o primeiro dia na sinaleira, ele já foi me ensinando:
“Óh: o segredo é nunca dar tudo. quando consegue uns 8 pilas já tá bom. Daí, tu fica mais se quiser, mas nunca dá mais que 8 pilas. Porque aí, quando tu quiser sair mais cedo, ela não vai desconfiar.”
Eu achei o Pilha inteligente. E ia fazendo como ele dizia. Daí, a gente acabava sempre vindo pro parquinho, porque era rapidinho que a gente ganhava os 8 pilas. E a gente vinha direto para as nossas árvores.
Da árvore, a gente sempre via o Ranho e ficava com muita pena dele. Ficava lá, só onde a babá deixava e nunca podia subir nas árvores. Às vezes a gente via que ele nos olhava com inveja. Mas fazer o quê? A babá vigiava o tempo todo e nem deixava ele sair da areia. Depois ela gritava: “Quinzinho, vem que tá na hora”. E lá ia o Ranho, pela mão, e já entrava naquele prédio cheio de grade. Coitado dele, viver trancado num lugar tão pequeno, preso lá pra cima. Às vezes a gente via ele espiando aqui pra baixo, por trás da grade da janela. Parecia bicho, vivendo trancado.
Acho que se fosse eu, ia ficar sempre triste.
Deus me livre viver como o Ranho.
Por Luís Augusto Menna Barreto
* Pilha é meu personagem mais caro… não falo de preço… falo de carinho… Já publiquei 5 aventuras do Pilha… mas alguns não o conhecem… por isso, decidi republicar. Perdoem-me os que já o conhecem… de qualquer forma, eu estou com saudade do Pilha…! Esta é a sua segunda aventura!
Essa do Ranho pra mim é inédita. Sou encantada com a amizade desses garotos. Pilha, tão esperto e inteligente tem a admiração do amiguinho,que o "ensina" e ajuda em tudo. Se compadecem da vida monótona do pobre Ranho, que vive "preso"num apartamento. Legal a segunda aventura 👏👏👏👏
ResponderExcluirSuper obrigado... quis justamente isso: apresentar esse contraponto. Os garotos, que a gente acha que tudo falta e que tudo precisam, não querem nem pensar em levar uma vida como o Ranho... já esse, olha com alguma "inveja" a liberdade dos garotos...!
ExcluirÀs vezes, é preciso saber como é bom o que temos...! Os garotos sabiam...
Boa noite, Doutor Cronista, Procê e pro Pilha!
ResponderExcluirTomara que o tempo passe logo e chegue o dia do PILHA VI!
Boa noite!
Já está escrito.....!
ExcluirO Pilha é o misto de inocência, esperteza, bondade, companheirismo, enfim ele é um menino que fez da dor do abandono um grito de liberdade e é feliz.
ResponderExcluirÉ incrível como a felicidade encontra sempre um jeito...!
Excluir... e percebemos que ser feliz, depende muito mais de nós mesmos...!!
É como disseste em um texto anterior: "...ser feliz é mais uma questão de decisão." Acredito muito nisso!
ExcluirVerdade, ser feliz é uma questão de atitude!!!!
ExcluirO Pilha faz da vida uma diversão constante. Não liga para as dificuldades, e segue feliz ( é o que percebo). Nos dá uma lição com esse seu jeito despojado e preocupado com o próximo!
ResponderExcluirEsse danado vai longe!!!
Já ganhou uma admiradora, seu Pilha!!!
Obrigado, guria!!!!!
Excluir... e quantos Pilhas cercam-nós sem que sequer prestemos atenção neles...!?
Sim, Poeta, com certeza, vários...
ExcluirA vida tem de belo as diversidades de pessoas e momentos. Devemos saber administrá-los. Cada caso no seu tempo e cada tempo em seus espaços. Pilha sabe fazer tudo isto a sua realidade, e é Feliz ao seu modo.
ResponderExcluir"E é feliz a seu modo"... ah... tantos tem tanto e gostariam de saber ser feliz como o Pilha, que não tem nada e tem o mundo!
ExcluirMeu Deus 😱! Cada vez que o Pilha aparece é uma novidade (como diz minha mãe). Na verdade temos muito a aprender com ele e suas aventuras. Mas, o importante é que sempre temos coisas novas. Pilha, oh Pilha! Que nunca pára pra reclamar da vida, mas sempre tem uma forma de se sobressair a todas as adversidades que a vida lhe impõe.
ResponderExcluirSabe, Margarida... na verdade, acho que o Pilha nem reclama...! É a vida em que nasceu e a única realidade que conhece. Convive nela, como nós na nossa... reclama na medida exata de que todos reclamam... ... e, de alguma forma, gosta dessa vida e sobrevive...!!!
ExcluirPensando bem, tem tantos Pilhas por aí...
ResponderExcluir... tantos...!
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