sábado, 20 de setembro de 2025

Dois Contos de Prosa

 Dois Contos de Prosa


- Da série: “Críticas Desautorizadas do Prosa…”.


Tinha a “Banca do Zeca” na “Rodoviária de Baixo”… não tinha outra. Revistas e gibis, eram ali. Tinham os jornais também: o Correio do Povo e a Zero Hora diariamente e a Folha Patrulhense que, naquele tempo, eu nem sabia de quanto em quanto tempo era publicada! Os jornais a gente até conseguia em outros comércios. Até entregavam em casa, cedinho, junto com a garrafa de leite, que a gente pagava por mês. 

Quem não recebia o leite pela manhã, em garrafas de vidro ou nos tarros, tinha de ir todo o dia comprar o leite de saquinho. Para pegar o leite com validade para o outro dia, só se pegasse a remessa da tarde! Daí, chegava em casa e colocava naqueles suportes de plástico, com uma alça. Não havia casa que não tivesse um daqueles. 

Todos os dias, o pai lia o jornal cedinho, sentado na mesa onde fazíamos as refeições. 

As notícias não eram instantâneas, não havia a ansiedade gerada por rolar o “feed" e ir consumindo informações aleatoriamente, sem nem conseguirmos mais distinguir o que é verdade do que é inventado.

A impressão que tenho, é que a vida está rápida demais, tudo passa em alta velocidade! Vemos centenas de fotos dos amigos no Facebook e Instagram e, sem nem olhar direito os detalhes, apertamos o “👍” ou o “❤️”, para estarmos sendo “digitalmente sociáveis”, pulamos os “posts" que tenham mais do que 3 linhas, não vemos vídeos que tenham mais do que 30 segundos, porque, afinal de contas, existe outro e outro e outro e depois tantos outros, que quando olhamos, estamos invadindo a madrugada, estamos perdendo o tempo em que queríamos fazer aquela tarefa manual, estamos, enfim, passando a vida na tela em nossa frente!

Algumas vezes ficamos por tanto tempo numa troca de áudios, enviando daqui e recebendo dali, e nem percebemos que poderíamos simplesmente termos ligado, dito “bom dia”, falado amenidades…!

Ai de nós, se sentimos o celular vibrar e não olhamos imediatamente de quem é a mensagem! E que troque o primeiro pneu, aquele que nunca tentou dar uma espiadinha na mensagem com o carro em movimento, ou quando parou no sinal, ou, ao menos, não tentou estacionar para ler e responder aquela mensagem, como se algo importante demais não pudesse esperar o tempo de chegarmos!

Não esperamos mais o horário do filme, porque agora, é o filme que nos espera no “streaming”, para que o vejamos, sem pausa para o xixi ou para vermos o bolo que estava no forno. Se “pausamos” o filme, certamente foi para respondermos a mensagem de whatsapp que acabou de chegar e não pode esperar mais nem um minuto, ainda que seja a figurinha de "bom dia" do amigo do primo da mãe da professora de inglês do filho daquela pessoa que só vemos durante 8 minutos na academia!

Quando paramos (se paramos) para pensar, a vida está rápida demais… uma velocidade que quase contraditoriamente, “rouba-nos” uma deliciosa parte da vida que, justamente, faria desacelerar… encontrar amigos, rir com calma…

Então, eu fui novamente pegar o PROSA NA VARANDA, e, avançando na minha leitura pelo PROSA, descortinaram-se dois contos que particularmente, abraçaram-me… 

… foi estranho! Porque eu os li, e não havia aquela busca por um arremate final surpreendente. Não havia suspense no começo, ou um enredo intrincado que fosse aos poucos sendo amarrado… Não havia sequer a intenção de alguma piada no final, ou frases que anunciassem um viés de humor.

Mas eu senti algo estranho! 

Tive a impressão que o ritmo fora o mesmo do começo ao fim, e quando terminei a leitura dos dois, foi… diferente…! E, mesmo assim, parecia que eu estava envolvido em uma velha sensação, mas que eu ainda não havia identificado quando terminei de ler… acho que minha reação foi: onde estão elas, que ainda agora estavam aqui comigo? Cadê a MARIA RUTH MAYKOT e a MARILANI DOS SANTOS BERNARDES?

“O Espelho de Cristal” e “A Mala”, não são contos… São o banco na frente da casa, em que essas duas autoras estão sentadas, com o chimarrão na mão, esperando passarmos para dois dedos de (do) prosa. Esses contos nem são literatura… esclarecendo: não são apenas literatura, são uma conversa! Dessas que a gente encontra a amiga na manhã de domingo, quando saiu simplesmente para caminhar, e acabou parando para aquela PROSA maravilhosa, em que o tempo passa como se não existisse WhatsApp, como quando parávamos sem precisar fazer "selfie" para postar…

“Prosaicos”! Acho que essa era a palavra que eu estava procurando: prosaicos!

Não porque destituídos de nobreza… pelo contrário! Prosaicos, porque PROSA!

Porque são contos que simplesmente CONVERSAM conosco, como um convite! Porque são, enfim, simplesmente bons de ler! Porque deixam a alma passear leve e solta!

Então, com licença. Vou pegar minha “MALA”, olhar-me no “ESPELHO DE CRISTAL”, e ver se já estou pronto para mais uma viagem no PROSA NA VARANDA!


Luís Augusto Menna Barreto

Em 20 de setembro de 2025.


quinta-feira, 11 de setembro de 2025

Um Último Abraço Antes de Entrar nos Mundos do Prosa

“Ah!, mas o livro é muito melhor que o filme!”.

Tenho certeza que vocês já ouviram isso. Talvez até tenham dito isso alguma vez. 

Eu sei que eu já disse várias! Tá, e confesso que uma ou outra, foi com uma pontinha qualquer de vaidade e talvez arrogância, para me “achar”, por ter lido o livro, sabendo que o outro apenas viu o filme e não tem condições sequer de comparar! Digam a verdade: dá aquela pontinha de satisfação, né?! Aquela vaidadezinha que a gente leva escondida! 

Cá entre nós, parece muito comum os livros serem “melhores" que os filmes originados neles. Cada um de nós, certamente pode citar dezenas… eu lembro de cabeça de O Nome da Rosa, O Código Da Vinci, 1984… mas são centenas, milhares, talvez. E nós, leitores (sim, se tu estás lendo esta crônica, estás na classificação de “leitores”), temos a tendência de dizer que o livro “é melhor”.

Hoje, já não sei se penso assim. Eu andei e ando aventurando-me por roteiros de teatro, e acabei descobrindo que na verdade, o problema é que se tratam de linguagens diferentes. Muito diferentes! Um dos meu primeiros roteiros de teatro, foi justamente a partir de um conto que eu havia escrito chamado…: “O Teatro”!

Quando eu fui convidado a adaptar o conto para o teatro, então percebi a dificuldade: no livro, eu pude ser descritivo, falar dos sentimentos de cada personagem, o que pensavam… pude elaborar e justificar por várias páginas cada ação que eu pretendia que os personagens fizessem. Para um simples suspiro dizendo “ai, a Luíza”, eu usava linhas e linhas e linhas para descrever o sentimento e a emoção que o personagem sentia ao ver a Luísa chegando perto dele… eu podia dizer que o mundo parava, que o coração dele disparava, que ele sentia o sangue ferver…. 

… mas como passar isso, no teatro? É preciso muito mais recursos para passar o que sente e o que pensa o personagem! Basicamente é feito com diálogos (ou monólogos) e expressões… mas é infinitamente mais limitado. No cinema e televisão também. Embora recursos de “voice over”, possibilidades de idas e voltas na cena, cortes, ainda assim, é uma linguagem bem diferente do livro. 

Então, eu notei que muito do que eu dizia que o livro “é muito melhor”, era por conta de que o livro tem mais liberdade, sem a amarra do cenário quase imutável no teatro e sem as limitações de tempo e de comunicação do cinema. O livro, enfim, é INFINITO para fins de liberdade do autor, enquanto o cinema e teatro tem suas barreiras.

Mas daí…. bem, daí tem um gênero bem específico, que acho que é justamente o contrário: a ficção científica. Primeiro, que o público que realmente curte a ficção científica é bem mais específico. E, depois, normalmente, a ficção depende muito, mas muito da imaginação do autor. E isso é muito diferente de outro tipo de literatura. 

Veja: quando um autor descreve uma paisagem qualquer, uma pessoa, uma casa, podemos sempre partir de nossas próprias memórias, nossa própria experiência, recorremos aos arquivos dentro de nós e vamos criando as cenas. Então, quando um livro nos descreve um personagem, nós o vamos criando e nos valendo de nossas referências pessoais. É uma casa bonita? Pensamos na casa como gostaríamos, a partir das casas linda que vimos. É o galã? A referência é o modelo masculino que faz suspirar. Então, idealizamos aquele herói que o livro descreve, e, no filme, o ator escolhido não é nem perto do que imaginamos. A casa não era a da nossa imaginação… e, então, sim: “o livro é muito melhor”!

Mas daí, vem a ficção científica… e não temos referências! Como seria o Mestre Yoda, se não fosse o cinema? Como seria a espaçonave de 2001 Uma Odisseia no Espaço sem o Kubrick idealiza-la para nós? E o Interestelar? Veja, os físicos do mundo foram unânimes em afirmar que fora a partir do filme que pudemos ter uma real compreensão de como seria a borda de um buraco negro!

Eu li os três livros escritos pelo Andy Weir, escritor de Perdido em Marte, e achei brilhante! Mas confesso que dos três livros (Perdido em Marte, Artemis e Project Hail Mary - traduzido para “Devoradores de Estrelas”), o que acabou sendo melhor para mim, foi justamente o Perdido em Marte… DEPOIS que vi o filme! Porque não tinha referências para Marte, para a vida nas condições estremas de um planeta não amistoso! 

A ficção científica, enfim, acaba funcionando muito melhor no cinema! Podemos até achar o livro melhor… mas DEPOIS de ver o filme e, assim mesmo, acabamos apropriando-nos das referências do filme! Fundação do escritor Isaac Asimov, eu só digeri depois de ver a série na TV! 

Pois daí, aconteceu que fui completamente surpreendido: eu peguei o PROSA NA VARANDA, ansioso, evidentemente ansioso para começar a desbrava-lo, devorá-lo, sorve-lo… e na abertura, na crônica de estréia, aquela que deve dar o “tom" da obra, do que vem por aí, já sou envolvido por uma história que se vai descortinando aos poucos, vai enredando o leitor, sem, ainda, mostrar-se por inteiro… vamos lendo, sendo absorvidos pelo ritmo aparentemente sereno do autor, que nos leva a imaginar Érica sozinha… tomando uma decisão, empenhando o que lhe resta de vida, para defender o que acredita, para cumprir seu dever. Há um drama severo ali. Uma escolha a ser feita. Até aí, tudo bem, o leitor continua na sua zona de conforto, elaborando Érica, o drama, a escolha… o autor aos poucos entrega referências: fala em guerra, em manobras, em fragata, em escotilha… permite ao leitor ir formando o cenário, o drama, vamos construindo a cena… Olhamos de soslaio para a página do lado, vemos que há linhas até a metade da próxima página, que o texto encaminha-se para o final; nossa ansiedade aumenta, eis que já somos amigos, somos íntimos, somos os confessores de Érica, torcemos por ela, nós a admiramos, queremos bem, queremos pega-la no colo, socorre-la, queremos confortá-la… e, nesse ponto da leitura do primeiro texto do PROSA, não há mais volta, não há mais retorno, estamos tomados pela necessidade de saber o que haverá, de como se haverá de realizar a decisão de Érica… 

… e então… quando não há a menor chance de questionarmos o texto, o gênero literário, a escolha do autor… descobrimos que é ficção científica! Veio como um tapa! Um choque! Tentamos de alguma forma, revoltarmo-nos, afinal, quem esperaria no PROSA NA VARANDA, ficção científica? E abrindo os trabalhos? No primeiro texto?

… mas é tarde demais! 

É ficção! 

É no PROSA!

E é talentosa demais!

Quem esse Gregório Reis pensa que é, para ter feito isso com a gente?! 

Você também vê o clarão no céu da literatura? Pois bem: dê “O Último Abraço” no que você pensava sobre ficção científica… e aventure-se a desbravar todos os mundos do PROSA NA VARANDA!



Luís Augusto Menna Barreto

11 de setembro de 2025


*Da série "críticas desautorizadas do PROSA NA VARANDA"


terça-feira, 9 de setembro de 2025

A Porta da Felicidade, a Janete e o Internacional

 A Porta da Felicidade, a Janete e o Internacional

       
         — Bora, Olavo, anda!

— Tem certeza que é por esse caminho, Saldanha? Tá meio vazio pra ser o portão da esperança!

— Isso era no Sílvio Santos, Olavo. E era “Porta da Esperança”. Aqui é o Céu, Olavo!  A gente não ia ter morrido por nada! Bora pra PORTA DA FELICIDADE!

— Tá meio vazio, Saldanha

— Para de neura, Olavo. Óh, tá lá! Tá lá, bora…

— EPA, EPA, EPA… podem parar aí, apressadinhos… almas novas, né? Um momento!

— Oi, “seu anjo”! Então, lá na portaria, São Pedro, meu xará…

— Que xará, Saldanha? Tu não és "Saldanha"?

— Pedro Saldanha, Olavo, Pedro Saldanha! E cala essa boca, não atrapalha! Então, Seu Anjo…

— Santo!

— Oi?

— Santo! Eu sou santo. Tá vendo asas? 

— É… não! Tá meio desasado para anjo, mesmo… então, Seu Santo, lá na portaria, São Pedro disse que era para procurar a porta da felicidade, que daí, tudo se resolvia, não ia ter mais tristeza e ia ser só alegria!

— Hum…. Foi é?

— Foi! Pode ser? A gente vai entrando ou tem alguma catraca, tem pulseirinha, alguma coisa assim?!

— Não, não, só responder uma perguntinha…

— Manda!

— Ok: vocês tem certeza?

— De quê?

— De que querem passar na porta da felicidade. Passando aqui, já era… acabou qualquer chance de outra coisa que não seja felicidade. 

— Oras, mas precisa ter certeza para isso? 

— Demais! Aqui não só tudo é felicidade, como também apaga toda lembrança das tristezas!

— Na hora, bora, Olavo…

— Ãhn… peraí, sei não…

— Como não sabe, Olavo? 

— Lembra da Claudinha…? 

— Claro que lembro Olavo! Essa mulher te fez sofrer como o Cão e…

— Opa, olhe o palavreado!

— Desculpa aí, Seu Santo! … então, Olavo: essa Claudinha te fez sofrer como o di… ops… enfim, te fez sofrer, Olavo!

— Pois é… mas sabe?, eu meio que curti aquela fossa! Ouvi todos os discos do Fábio Júnior, fui beber… conheci a Vanusa… E ela gostava do Sidney Magal, Saldanha! Do Magal! Mulher que gosta do Magal tem fogo! A Vanusa tinha!

— E o que tem isso? 

— Não queria esquecer essa fossa… 

— Tá doido, Olavo? Quer ficar lembrando de coisa ruim?

— Não foi ruim… foi… difícil… mas ruim-ruim não foi, sei lá! E tem o Maradona…

— Que Maradona, já?! Para quê vou querer lembrar de um argentino bom de bola?

— Meu cachorro, Saldanha. O Maradona meu cachorro! Era diabético… eu tinha de furar a orelha dele pela manhã e à noite, colher uma gota de sangue, medir a glicose e aplicar insulina nele… todos os dias. Era sofrido…

— Pois tu vais esquecer esse sofrimento, Olavo.

— Mas não quero. Não quero esquecer o Maradona. Era sofrido, mas era meu amigo, meu parceiro. Ele não falava mas me entendia, Saldanha…

— Olavo, deixa de sentimentalismo. Bora entrar de uma vez!

— E a Janete, Saldanha? A Janete não te traiu em 2021? 

— Traiu, mas gente reatou! 

— Mas tu já superaste a traição dela com o Jandir? Tu não superaste… vais apagar a Janete para eternidade, se passar essa porta!

— Poxa… a Janete… deixa eu ver… ah!, azar dela, eu aguento! Vai ser só felicidade!

— Espera Saldanha… e o Internacional…? 

— O que tem o Internacional? Não bota o Internacional nisso, Olavo!

— Há quanto tempo o Inter não te dá alegria?

— Bem… teve o título do Gauchão 2025… mas fora isso… teve…. ãhn… 2006, eu acho……

— Vai apagar o Internacional, Saldanha!

— … hum…

— O Inter não te dá alegra, Saldanha… vai apagar o Inter!

— Vamos embora, Olavo! Ficar sem a Janete eu aguento, mas esquecer o Inter, não dá!



Luís Augusto Menna Barreto

9 de setembro de 2025


segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Do “Corno" de Suassuna ao "Chá" de Prosa na Varanda

Do “Corno" de Suassuna ao "Chá" de Prosa na Varanda


  "Taí duas coisas que eu não sabia: que eu era corno; e que defunto falava!”  Essa fala é do cangaceiro que na TV foi interpretado pelo maravilhoso Marco Nanini, em O Auto da Compadecida! É o que ele fala para o Chicó, enquanto este se fazia passar por valente, achando que o cangaceiro seria o João Grilo disfarçado.

Afora o fato de que eu acho o filme inteiro maravilhoso, a verdade é que para mim, ESSA FALA, no contexto da história, vale o filme! Eu aceito ver de novo e de novo e de novo, por esse momento. 

É, eu tenho essa coisa de achar que uma frase, às vezes, vale o filme!

No filme “Beleza Oculta” eu me rendo a um diálogo do personagem de Edward Norton quando a personagem interpretada pela Keira Knightley questiona o fato de ele ter contratado a detetive que acabou com o casamento dele, para investigar o melhor amigo. E ele responde:

— Quem acabou com meu casamento fui eu, ela apenas documentou.

Isso, para mim, passou um sentimento tão profundo, uma compreensão carregada com a culpa, com a dor de ter causado dor… enfim, a frase e a forma como foi dita, me fazem ver o filme várias e várias vezes! 

E o mesmo acontece com músicas:

“Estranho seria se eu não me apaixonasse por você”, de All Star Azul, do Nando Reis, me faz querer ficar ouvindo de novo e de novo, e de novo!

Ou, “cuidar de amor exige mestria”, da canção “Leo e Bia” de Osvaldo Montenegro!

A verdade é que sinto uma espécie de inveja misturada com ciúmes… um sentimento de que alguém escreveu antes, aquilo que eu gostaria de ter escrito! Parece que as frases estavam dentro de mim, e alguém as traduziu! Eu queria apropriar-me das frases, sair andando por aí, como se tivesse uma placa escrita: “lê aqui, e olha como sou um gênio”!

E por óbvio que com livros acontece isso! 

Já reli muitos por conta de uma frase que para mim, justifica todo o livro! Há frases que se eu soubesse que estariam ali, talvez nem precisasse ler tudo, porque eu pagaria o preço apenas para emoldura-las, para deixar com que crescessem dentro de mim, maturassem, começassem a fazer parte do que penso e do que sou!

Vou dar alguns exemplos:

“As estirpes condenadas a cem anos de solidão, não terão uma segunda oportunidade sobre a terra”. 

Eu não sei se Garcia Marquez ganhou o Nobel por conta do conjunto da obra, ou do Amor nos Tempos do Cólera, Crônica de Uma Morte Anunciada, ou outro… o que sei é que EU daria o Nobel, apenas por essa frase no final dos Cem Anos de Solidão.

Falando em finais, imagina terminar com “não tive filhos. Não transmiti a nenhuma criatura, o legado da nossa miséria.”

Bah… eu acho que escreveria isso e me aposentaria!

E José de Alencar? Se eu começo um livro com “Verdes mares bravios de minha terra natal onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba”, nem termino o livro. Escrevo essa primeira frase, coloco cem páginas em branco depois, e saio vendendo! O que mais precisa?!

Alguém aí já leu Milan Kundera? Sim, ele foi cotado para o Nobel e escreveu o famoso “A Insustentável Leveza do Ser”. Eu acho Milan Kundera denso demais, uma leitura difícil (para meu gosto!). Mas uma vez li dele “A Imortalidade” e estava lá, escondida, quase disfarçada, sem destaque, a frase: “a verdadeira vocação da poesia não é nos deslumbrar com a descoberta de uma idéia surpreendente, mas sim, fazer com que um instante do ser se torne inesquecível e digno de uma insustentável nostalgia”.

BARBARIDADE! Assim, em maiúsculas e com ponto de exclamação: BARBARIDADE! Eu faria uma nota de rodapé, dizendo que tá bom, iria parar por ali e cada leitor que imaginasse o resto da história de Agnes como bem entendesse! Não dá para prosseguir depois de uma frase dessas!

Eu li, acreditem, três vezes o livro toooooodo, só por causa desta frase! 

Pois é… e daí, depois de tudo isso, estou eu aqui, na tranquilidade da minha rede, na sacada do meu apartamento em Belém do Pará, esperando a chuva, e pego o PROSA NA VARANDA… avanço um pouquinho… 

E pronto! Tive de parar! Não avancei sequer no resto da crônica! Fiquei com medo! Sim, porque depois de uma frase como a que li, temo pelo restante! Há frases definitivas, que não se podem superar em um mesmo texto! Eu sei que vou reler a crônica dezenas de vezes para chegar nesta frase novamente, e levarei tempo para avançar! Levarei dias para ler o final, para ir além, porque a autora JAMIE SCHRÖDER, resolveu colocar, antes do fim, essa pérola literária: 

“Rir sozinha é uma maneira bonita de voltar para casa.”

A crônica chamada “Entre a Xícara e o Vento” tem 3 páginas e mais um pedaço. Essa frase está nas últimas linhas da segunda página. 

Troquei de livro, buscando voltar ao mundo real, de literatura rala, daquelas para ler sem precisar pensar! Uma frase assim, não pode ser sorvida em apenas “uma xícara”, não pode ser enfrentada e ultrapassada em um pulo, não pode ser despercebida!

Parei de ler.

Quero uma xícara de chá. Quero rir sozinho. Estou voltando pra casa!


Luís Augusto Menna Barreto

6 de setembro de 2025