quinta-feira, 14 de março de 2019

bora cronicar - (Co) Incidências

Bora Cronicar

(Co) Incidências

Elô havia acordado atrasada, o que era raro, naquela manhã chuvosa típica dos janeiros de Belém do Pará. O pequeno despertador à pilha comprado na loja de “1,99”, parara de funcionar. Funcionara por mais de seis meses. Mas finalmente, a pilha acabou. Ela fez tudo correndo naquela manhã. Mas, quando desceu as escadas do pequeno prédio sem elevador onde morava, notou que esquecera o guarda-chuva. 
Praguejou internamente, repreendeu-se e teve de subir correndo as escadas, pegar o guarda-chuva e finalmente foi para o ponto do ônibus. Os dias de chuva eram os piores no ponto do ônibus, porque não havia cobertura e as pessoas com guarda-chuvas abertos atrapalhavam a visão. E o trânsito muito mais carregado por conta da chuva, fazia com que alguns ônibus queimassem a parada. Era preciso estar atenta. 
— Tem horas?
Elô não havia prestado atenção, mas, em seguida, ouviu novamente:
— Tem horas?
Uma senhora bem velhinha sorridente, perguntou-lhe as horas. Elô não tinha relógio de pulso e, então, trocou o guarda-chuva de mão e enfiou a mão na pequena bolsa para pegar o aparelho celular para ver as horas e responder. 
Enquanto guardava o celular, viu seu ônibus, que parou sem que ela visse, retomar a velocidade. Estendera o braço sem sucesso. 
Quando finalmente conseguiu entrar em um ônibus e depois de um trajeto de 20 minutos em pé, conseguiu descer, tentou atravessar a rua fora da faixa de pedestres, mas teve de recuar por conta do tráfego e acabou perdendo mais tempo do que se fosse diretamente à faixa de pedestres. Depois de atravessar, bastaria andar mais 50 metros, dobrar a esquina e a loja de materiais de construção onde trabalhava, estaria logo ali. 
Dobrando a esquina de cabeça baixa e guarda-chuva em punho, esbarrou ou sofreu um esbarrão por um homem que vinha sem guarda-chuva, no sentido contrário. Elô caiu e torceu o tornozelo. O homem que a fizera cair preocupou-se, e levou Elô primeiro até uma farmácia, depois no atendimento de urgência da Santa Casa. 
Elô perdeu o emprego. 
Roberto acordou feliz, porque seria seu último dia longe de seu estado natal no sul do pais, para onde estava retornando depois de oito meses gerenciando a implantação de uma filial da empresa em que trabalhava. Entregaria o apartamento e embarcaria no vôo das 13 horas rumo à capital gaúcha. Havia arrumado as duas malas na noite anterior. Planejou acordar cedo, tomar o último café na padaria Santa Clara vendo o movimento dos carros pela avenida Gentil Bittencourt, lendo pela última vez o jornal Amazônia. 
O relógio despertou-o pontualmente. Arrumou-se como planejado e, quando foi sair, aconteceu algo simplesmente imponderável: quebrou a chave na fechadura da porta, pelo lado de fora. Por que diabos, ele tentara dar uma terceira volta na chave, se há oito meses fechava a porta com apenas duas voltas na chave? Praguejou algum tempo, mas decidiu que precisaria encontrar um chaveiro para resolver a situação. 
Depois de algum tempo, conseguiu, por um valor exorbitante, que o chaveiro fosse até o local. Examinada a fechadura, depois de retira-la, o chaveiro falou para Roberto que não seria possível aproveita-la. A força empregada na tentativa de um terceiro giro da chave, causou mais dano do que poderia ser reparado pelo chaveiro. Já eram quase 10h da manhã. A solução menos demorada, seria comprar uma fechadura nova e substituir. 
Foi então que Roberto saiu às pressas, tendo ficado no local o chaveiro, esperando que Roberto voltasse com a fechadura depois de compra-la na loja de materiais de construção indicada pelo chaveiro. 
Na pressa, ao dobrar a esquina, Roberto esbarrou em uma moça desajeitada que caiu e ficou um instante gemendo. 
Roberto queria apenas ir embora, mas não poderia deixar a moça ali no chão. 
Roberto não viajou naquele dia.
Muitos anos mais tarde, enquanto Elô e Roberto estavam passeando de mãos dadas, como faziam há mais de trinta anos, cuidando no neto que corria nos caminhos do Bosque dos Buritis em Goiânia onde moravam, ela distraidamente sorria satisfeita com a vida que levara, com o amor único que tivera, que durara a vida inteira e do qual ainda desfrutava, e bendizia todas as coisas que deram errado naquela distante manhã em que torcera o pé.
Roberto, segurando a mão da mulher para quem entregou seu coração para toda a vida, gostava de pensar o quanto ficara desnecessariamente aflito quando as coisas começaram a dar errado naquela manhã em Belém do Pará, quando literalmente esbarrara no amor de sua vida.
Uns chamariam de destino.
Outros, de acaso.
Alguns chamariam de amor.
Luís Augusto Menna Barreto

15.2.2019

23 comentários:

  1. Ahh que linda crônica. EU chamo isso de sincronismo, estar no o lugar certo e na hora certa, faz com que pequenos "milagres" se tornarem possíveis! 😊

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    1. Acho que usaste a palavra exata: milagre!
      O próprio amor, parece-me um milagre, uma dádiva...!
      Obrigado, Sônia!!

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  2. Ahh que linda crônica Menna. EU chamo estes acontecimentos de sincronismos. É como estar no lugar certo e na hora certa, nos faz acreditar que na vida pequenos "milagres" se tornam possíveis. 😊

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  3. Que lindo!!! Emocionante!!
    Eu sou do grupo dos que chamariam de AMOR!!

    Linda crônica!!
    ((Co)incidências que valeram muito à pena)...Tenho certeza que pensam assim Elô e Roberto...💓

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    1. Quem não gostaria de todas essas INCIDÊNCIAS COnvergindo pra um resultado desses...?!
      Obrigado, Michele!!

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  4. O que dizer?Pois é meu querido!Conheci o homem da minha vida assim,no esbarrão!Até hoje me pergunto?O que aconteceu naquele dia que tudo deu certo?Quando o errado dá certo,e o certo dá certo, acredito que é amor!
    Beijo doce com carinho!

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    1. Como diria o poeta pop:

      “... o amor pode estar do seu lado!”!!!!
      (Nando Reis)!!!!

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  5. Em dias tão cinzentos e tristes como aqueles que estamos vivendo ,essa crônica vem para colorir a nossas alma. Lindo demais!

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    1. Bora colorir nossos dias....
      Cronicar faz surgir cores!!!!!
      Obrigado, Denise!!!

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  6. Que linda crônica, que só reforça a minha crença no destino, creio e creio muito. O que Deus determina, NADA atrapalha e o que para alguns são contratempos, como esses da crônica, é só Deus fazendo acontecer, como Ele já determinou. Perfeito, poeta 👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏

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    1. Se nós simplesmente confiarmos, ainda que sem saber... apenas confiar...
      Segura na mão de Deus e vai... Há uma promessa feita. Só temos de confiar...!

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  7. Que linda DEUSCIDÊNCIA!!!
    Maravilhosa crônica!!!!
    E...todo esse evento incrível, aconteceu na minha linda GOIÂNIA!!!!
    Obrigada, Poeta, por essa bela lembrança!!!!

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    1. Que incrível !!!!! Adorei o “DEUSCIDÊNCIA”!!!
      Goiana foi uma escolha especial...!!!!!!
      Tão feliz que gostaste!!!!!!

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  8. Ah que linda crônica, eu chamaria os acontecimentos de ação de Deus para fazer o amor acontecer na vida dos dois, pois o destino, o acaso, as coincidências na minha opinião são maneiras diferentes para definir os escritos de Deus na nossa vida, afinal, Deus é amor e amar é viver

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    1. Deus está em tudo... nas coincidências... no acasos... nos desvios... em tudo. Nós é que algumas vezes não compreendemos e, então fazemos escolhas que não são tão boas... mas, na próxima esquina, lá está Ele de novo, para dar-nos a mão mais uma vez...!

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  9. Adorei a fantasia romântica do autor.

    Kkkkkk!!! Ele, encantado com o romântico da trama, se mistura à persinagem Roberto, o que pode ser comprovado por meio da leitura do que a Linguística Textual chama de PISTAS LINGUÍSTICAS: estado de origem do moço; nome da rua em que ele morava, na cidade Belém do Pará; talvez o nome da padaria; e quem sabe, outras mais.

    Estão vendo como a matéria prima da ficção é a realidade?!

    Depois ele me diz que não inventa nada!

    XXXXXXXXXXX

    Grande abraço morador da Rua Gentil Bittencourt!

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    1. Na-na-ni-na-não...!!!!
      Nas crônicas de Marajó City, eu não invento... aumento um pouquinho... mas não invento.
      Esta crônica é ficção em que uso referências que gosto. Minha cidade, minha rua, a padaria perto de casa... depois o Rio Grande... e o Bosque dos Buritis é uma homenagem a uma amiga especial... embora um lugar que eu nunca tenha ido... rsrsrs!
      Mas hoje era ficção... mas, quanto a Marajó City... ah, não, não invento... só aumento um pouquinho... rsrsrsrs

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  10. Sim-sim-sim!

    Se o verbo é ou não é INVENTAR, isso pouco importa. A verdade é que "aumentar um pouquinho aqui, preecher uma lacuninha ali, criar um cenariozinho acolá, isso é gestar um fato fictício. Viu, Seu Doutor?

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  11. Afirmo que temos Deus no comando, sempre.

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  12. Que lindo meu amigo!!!! Tem coisas que acontecem, e para não surtar, penso que evitou algo pior!!! Só Deus!!!

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    1. Ou, melhor que isso, foi para proporcionar algo melhor!!!!!!!!!

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