sexta-feira, 22 de julho de 2016

crônica - Seu Manoel e o Desaforo

Seu Manoel e o Desaforo

Originalmente  publicado no antigo blog
"Menna Comentários", precursor deste.
Data da postagem original: 15.03.2016.
Comentários na postagem original:  10.
Visualizações até ser retirado:  318.

Às vezes eu fico pensando e não entendo como pode uma pessoa ir até o cartório de registro civil das pessoas naturais, ou ir só até o "cartório", assim, sem nenhum outro título porque é o único da cidade, e fazer certos estragos quase irremediáveis na vida de um pobre bebê que acaba de nascer.
Normalmente é o pai do recém nascido que faz a bobagem. Pela experiência que os anos me têm dado nos registros públicos, quando tem um nome, digamos, extravagante, pode conferir: foi o pai que escolheu! As mães, normalmente, quando tem que registrar os filhos, porque os pais não querem assumir, os nomes são mais “normais”, mais comuns. Mas os pais…. olha… quanta bobagem que sai! E se o pai está indo registrar a contragosto então, prepare-se! E o pobre bebê carregará para o resto da vida (ou boa parte dela), um nome que lhe causará toda a sorte de constrangimentos.
Umas vezes por maldade, outras por pura ignorância. 
Por maldade, existem vários nomes que bem se vê a criança não ter sido tão esperada pelos pais. Certa vez, no cartório de uma cidadezinha que em preciso toda a semana pegar um barco e viajar quase 4 horas para chegar, partindo de Breves, no arquipélago do Marajó, havia um caboclo revoltado por ter sido surpreendido pela mãe (mãe dele, caboclo) mandando ir registrar uma criança como seu filho, teimava em fazer bobagem com o nome do bebê. O caso do caboclo foi que num final de festa qualquer, enredou-se com uma morena das ilhas próximas. Foi aquilo e nunca mais viu a morena. Dali 10 meses, a morena apareceu na casa do caboclo apresentando o filho. Ele tomou um susto e aconteceu o óbvio: negou que era seu e coisa e tal. Mas a mãe do caboclo, suposta avó da criança, de pronto afeiçoou-se pelo bebe e, para não perder o contato, mandou que o filho fosse imediatamente registrar. Chegando no cartório, tava criando caso. O escrivão não queria registrar de jeito nenhum e a discussão tomou forma, até que fui lá ver o que tava acontecendo, porque estava atrapalhando a audiência que eu realizava na sala ao lado.
“Ele não quer registrar, doutor!” Disse o caboclo assim que eu apareci.
“Bom dia pro senhor também!” É assim que sempre chego, quando alguém tá nervoso e me conta o problema antes de me cumprimentar! “Agora conte o que tá acontecendo”.
“… ‘dia, doutor. Ele não quer registrar.”
O escrivão, com cara de quem estava fazendo esforço para manter a calma, tentou explicar:
“Não é bem assim, doutor. Claro que eu registro, mas tô explicando que esse nome não pode…”
“É Eva!” dizia o caboclo já quase gritando. “Eva não pode? A Bíblia tá errada? Quero Eva, que nem a Bíblia! É Eva, doutor!”
Não deu nem tempo de imaginar alguma coisa e o escrivão atalhou:
“Gina”.
“Hein?” Esse fui eu. 
“O segundo nome que ele quer é ‘Gina’, doutor. Aí não dá, né!"
Cá entre nós, o escrivão estava certo. O caboclo tentou argumentar. Mas mandei que voltasse com a mãe da criança e disse que registraria, se a mãe concordasse (eu confesso que me arrisquei, e estava torcendo para a mãe não concordar!).
O resultado é que hoje, quatro anos depois, já vi a pequena Eva correndo em frente ao forum. Ficou mesmo Eva. Mas só Eva. O problema é o mal acabado do pai da criança que, quando vê a menina, só chama de “Gina”! Ô caboclo teimoso!
Mas, com eu dizia, tem nomes que acabam constrangedores, por ignorância de quem registra. Certa feita eu estava na sala de espera em uma clínica e, quando faltava apenas mais três pessoas (uma mãe com uma criança de uns 6 anos e eu), a enfermeira postou-se na porta, leu algo na ficha, estreitou os olhos, leu de novo, pareceu ensaiar mentalmente, forçou uma expressão séria e disse:
“Letísgo”. Eu não sei exatamente como estava escrito, mas o som saiu assim como escrevi, palavra paroxítona, com a sílaba tônica no “tis" do “Letísgo”.
Ninguém se mexeu.  
“Letísgo”, repetiu a enfermeira. 
Ninguém se mexeu… Tá, eu me mexi, já torcendo pra não acabar mal aquilo, porque achei que a mãe da criança estava ficando vermelha.
Na terceira vez que a enfermeira foi chamar, a mãe da criança levanta com esta pela mão:
“Não é Letísgo, sua ignorante… é “Lé-tis-go”. O som saiu assim como coloquei!
Anos mais tarde, eu encontrei mais um “Letisgo" em uma audiência e delicadamente tentei perguntar a origem do nome. Depois de explicado pareceu óbvio: contou-me que o pai, tendo visto alguns filmes em inglês e sem dublagem, achou lindo quando uma loira levantou-se e disse para o mocinho do filme: “let's go” (“vamos", em português) e o mocinho do filme levantou-se e foi. Achou que "let’s go” era o nome do personagem. O escrivão deu uma concertada (isso mesmo, concertada com “c”, deu uma harmonizada no nome) e ficou: Letisgo!
Mas tem também o caso dos nomes que não são nem constrangedores, nem engraçados, registrados sem qualquer maldade e que causam alguns probleminhas ou pedem explicações. O meu por exemplo: Luís. Tenho sempre que ficar explicando se é com “s” ou “z”. Se tem acento no “i" ou não.
Pois com seu Manoel deu-se o caso. Ele já não era uma pessoa de trato fácil. E já tinha desde sempre, pronta a resposta para dúvidas de seu sobrenome. 
Aconteceu de um dia, seu Manoel ir até o Juizado Especial e ajuizar uma reclamação. Pense em um cidadão mal humorado! Há quem diga, na família de seu Manoel que nem lembra a última vez que viu o sorriso dele. Cara de brabo mesmo, daqueles que a gente não se atreve a contrariar. A servidora que o atendeu foi o tempo inteiro muito atenciosa. Ao final, sem qualquer maldade, depois de colocar por termo a história do caso que seu Manoel queria discutir em juízo, perguntou o nome para que, ao final, em cima de seu nome, seu Manoel assinasse:
“Manoel de Sousa”, respondeu, mantendo a cara de poucos amigos. 
“Sousa ’s’ ou com ‘z’, seu Manoel"?
“Claro que é com “s”, né minha filha! Se fosse com ‘z’ seria Zousa”!
Os outros dois servidores se olharam. Ficou tudo em silêncio e ninguém se atreveu a dizer uma palavra sequer. Seu Manoel tinha cara de MUITO brabo!
Ao final, seu Manoel até que agradeceu:
“Obrigado. Como é seu nome, caso eu precise ver como anda o processo?”
“… é… ãhn, para ver o processo… é com eles ali, seu Manoel, E qualquer um pode lhe atender para ver o processo. Boa tarde.” E foi saindo. 
… 
Não é que a servidora tenha ficado ofendida. Longe disso. O problema é que o nome dela era “Zandra”. Assim, com “Z”! Já pensou se seu Manoel acha que é desaforo?


Por Luís Augusto Menna Barreto

12 comentários:

  1. Kkkkkkk....
    Ri muito!!Más muitooo!!!
    Essa questão de nomes confunde mesmo,tal como você,caro amigo,constantemente tenho que responder:"É Michele com dois l?"
    "Tem y no final?"

    Más convenhamos...zandra????
    Apoiado seu Manoel!!!!Se Sousa fosse com z ficava zousa...Ninguém explicou qual o "s"em questão...
    Adoreeeiii!!!

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    1. Boa noite Michele, sei bem como é isso, meu sobrenome de solteira tenho que soletrar, e o de casada, tenho que dizer " escreva com dois ZZs como pizza" kkkkkkk

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    2. Eu, que sou só "Luís", vivo tendo que dar explicação: "com 's' ou com 'z'...?? Com ou sem acento... pffff.......

      Por isso, meu filho é João!!! Ninguém pergunta se é com "j" ou com "g"!!!! rsrsrsrsrs

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  2. Boa noite Menna, rsrs realmente, alguns nomes não podemos explicar, Cá entre nós, conheço três, vou dizer os nomes porque já morreram, rs Antenisca, Tôsca, Alféa. Quando trabalhei em uma instituição bancária, conheci vários nomes estranhos, mas não poderia dizê-los, kkkkk

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  3. Eu passo por essa sempre que perguntam meu nome...Telina...ouvem Celina, Belina, Melina, acreditem, até Helena...mas o tempo me ensinou a dizer logo "Telina com T"... mas é engraçado e sua crônica como sempre, muito bem humorada....kkkkkkkkkk...O Zousa e a Zandra....

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    1. Rsrsrsrs,..... confesso que a história foi bem inusitada!!!!
      E, quanto ao teu nome, achei tão bonito quando vi... mas, de fato, és a única "Telina" que conheço!!!!

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  4. Não me lembro há quanto tempo eu não ria tanto. Poeta Menna...esta foi...escandalosamente...a mais engraçada de todas!!! Coitada dessa menina...EVA...foi salva por pouco. Confesso que tive muito medo que a mãe autorizasse o registro, continuei lendo ansiosa pra ver o resultado. Amei!!! Você conta a história de uma forma leve e intensa ao mesmo tempo...prende a gente de um jeito. Sinto como se estivesse presente no local...vendo as caras que cada um faz e ouvindo as vozes. Isso é maravilhoso!!!! Já estou aguardando a próxima...



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    1. Ah, Armelinda... fico tão feliz com isso comentário...
      Nessas crônicas que escrevo, contando histórias de uma forma divertida, fico imensamente feliz quando sei que eles realmente divertiram alguém...!!!!
      Mil obrigados...!!!

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  5. Boa Noite Doutor Menna! Sou de Bagre e faço parte da turma de letras e gostaria que o senhor publicasse a crônica que escreveu enquanto a escritora de Salvador falava, não esquecir do Guela e essa crônica não me saiu da cabeça gostaria de ler para os meus familiares, pois cheguei contado dela em casa e eles gostariam de ouvir...

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  6. Boa Noite Doutor Menna! Sou de Bagre e faço parte da turma de letras e gostaria que o senhor publicasse a crônica que escreveu enquanto a escritora de Salvador falava, não esquecir do Guela e essa crônica não me saiu da cabeça gostaria de ler para os meus familiares, pois cheguei contado dela em casa e eles gostariam de ouvir...

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