terça-feira, 18 de julho de 2017

CONTO DE BELLA - Escolhas - parte 7

Conto de Bella
Escolhas - parte 7


Alguns dias depois, em um sábado de frio e sol, Bella olhava, absorta em seus pensamentos, as paisagens que, rapidamente iam ficando para trás. Ouvia vozes de criança, mas, distraída, não identificava o que os garotos falavam no banco de trás da daquela luxuosa caminhonete. Seu marido dirigia seguindo as instruções de Bella que dissera, apenas, que levaria a todos para almoçar em um local especial, sem dar maiores informações e mantendo um ar de segredo.
Bella nunca soube ao certo, quanto tempo ficou olhando o telegrama no dia que o recebeu, nunca soube ao certo, por quanto tempo o mundo inteiro havia parado… “Traga as crianças. Vou servir você.” Naquela manha, na agência, Bella tinha de terminar uma crítica sobre o desfile que o jovem estilista Shayne Olivier havia feito na SPFW… quase perdeu o prazo e, ao final, falando sobre o próximo evento em que o promissor estilista negro exibiria seus conceitos, Bella escreveu sem querer: “… com a capacidade de transformar o jeans que usamos, em alta costura, fazendo-o perder o caráter meramente comercial, para transformá-lo em objetos de desejo. Vale a pena conferir. Traga as crianças.
— “Traga as crianças”, Bella? Tem certeza? — perguntou-lhe a assistente, que sempre lia as críticas de Bella como uma espécie de revisão. 
— Como?
— “Traga as crianças”. Você realmente quer que as pessoas levem crianças ao desfile?
Bella ficou olhando, sem sequer ouvir a pergunta.
Nos próximos dias, Bella sentiu-se em outro ritmo. Lembrou-se que no restaurante, teve a impressão, quase certeza, de vê-lo servindo as mesas. Depois, entretanto, de passar dias pensando na conversa que tivera com o garçom, tentava convencer-se de que se havia enganado. Bella achava que ele não a tinha visto, e pensava, de forma lógica, que não teria nenhum motivo para o garçom haver mentido para ela. Algo não fazia sentido. Mas agora, com o telegrama… ela não conseguia entender o que houve. Talvez ele a tenha visto e sentido vergonha por ser ainda garçom, e ela ter chegado naquele carro, vestida daquele jeito… Teria sido esnobe?
O telegrama, entretanto, não dizia muito, mas mostrava que ele sabia que ela tinha filhos. Então, ele sabia algo de sua vida! E sabia onde ela trabalhava. Decidiu. Iria encontra-lo. O telegrama não marcava data. Então ela teve certeza: se não há data, definitivamente ele trabalhava lá. Era garçom ainda.
Passando a placa que indicava a entrada da cidade, indicou ao marido que reduzisse e logo apontou para o restaurante. Quando o marido foi estacionar o carro, Bella viu umas marcas no chão, riscos aparentemente traçados a mão, na pirraça, simulando uma vaga, em linhas não muito retas… e Bella disse:
— Ali! Estacione ali. É a nossa vaga.
Desde que havia enviado o telegrama, todos os dias, ele chegava cedo no restaurante, e ia até o estacionamento, desenhar com as mãos, uma vaga de estacionamento. Um dia, quando a mulher e a filha chegaram, e perguntaram o que era, ele disse simplesmente: 
— Vaga de estacionamento!
Quando o carro de Bella estacionou, ele a viu. Deu um telefonema para um amigo, e foi para a cozinha do restaurante.
Bella e a família escolheram uma mesa em um canto perto da janela, onde tinham a vista da estrada, estacionamento e da parte externa, onde ficam as mesas embaixo da figueira. Em poucos minutos, sem ter havido pedido, uma entrada fora servida, em uma colher em louça estilizada, um tomate recheado com peito de peru cortado em minúsculos pedaços, batido no liquidificador junto com creme de leite, azeite de oliva, cebolinhas, sal e pimenta rosa. Na colher, sob o tomate, uma pasta de geleia de pimenta.
Ficaram surpresos. Ainda mais quando o garçom, impecável, disse que era cortesia da casa. As crianças adoraram “comer direto na colher” e perguntaram se Bella poderia fazer o jantar deles assim também.
Em seguida, acompanhado de vinho branco, trouxeram Gigot d'Agneau, servido como recomenda a melhor culinária francesa: cozido por fora e rosado por dentro, depois de sete horas no forno em baixa temperatura. As crianças adoraram, porque se desmanchava facilmente na boca. 
Bella estava, ainda, ansiosa por vê-lo e, de certa forma, preocupada com o evidente custo de tudo aquilo, porque sabia que poderia ser pesado demais a um garçom. E ansiosa, também, porque ainda não o vira. 
Terminada a refeição principal, um outro garçom veio empurrando um carrinho de sobremesas e, chegando na mesa falou ao casal:
— Senhores, com sua permissão, o Patrão gostaria de cumprimentá-los. — … e foi nesse instante que Bella o viu. Uma lágrima caiu-lhe, sem que pudesse ter evitado, no canto do olho direito, mas nem o marido nem as crianças perceberam, porque ele chegara com um maçarico culinário na mão, apresentou as sobremesas com nomes que divertiram os garotos e, em seguida, sugerindo o Crème Brulée, ele mesmo colocou a capa de açúcar cristalizado e acionou o maçarico para solidificá-la, explicando diretamente às crianças que eles quem deveriam ensinar aos pais como quebrar a capa de açúcar com a colherinha. As crianças adoraram. 
Bella estava como que petrificada. Ele elegantemente fez uma reverência à Bella e disse, simplesmente:
— Bella.
O marido em seguida, percebeu que se conheciam. E também em seguida, chegou à mesa um rapaz com corte de cabelo militar, que havia chegado depois de receber um telefonema com instruções. Sentou-se em uma mesa afastada e levantou-se, como recomendado, logo depois de que ele serviu a sobremesa. 
— Coronel! É uma honra. 
O rapaz apresentou-se como Tenente de Força Aérea, exaltou o currículo do marido de Bella, inclusive as incursões na Força de Paz brasileira no Haiti, onde o marido de Bella fora condecorado, e convidou-o para conhecer o clube de aviação amadora da cidade que ficava há seis quilômetros dali. O marido, entendendo que Bella teria muitas recordações a serem rememoradas, perguntou se Bella não se importaria, e convidou as crianças. 
Nesse mesmo instante, entrou no salão do restaurante uma menininha sorridente, levada pela mão da mãe. 
Ele faz as apresentações. A menininha perguntou se foram bem servidos e, olhando à Bella disse:
— Você é como seu nome.
Bella sorriu e, antes que respondesse qualquer coisa, a menininha dirigiu-se aos garotos:
— Vocês querem ir no parquinho? — Bella não havia visto nenhum parquinho, mas havia um, na parte de trás do restaurante, com recreacionista para os clientes que fossem com crianças.
Os garotos olharam o pai com olhos de quem pede. A esposa dele cumprimentou Bella e disse que não se preocupasse que ela os acompanharia no parquinho.
 O marido saiu acompanhando o jovem tenente. As crianças foram ao parquinho com a esposa dele. Ele apontou para Bella sentar e, delicadamente, puxou a cadeira. Sentou-se em seguida e só então Bella notou que o terno que usava era um Yves Saint Laurent.
Ficaram a sós. E ele começou a falar:
— Bella…


(continua…)

Por Luís Augusto Menna Barreto

16 comentários:

  1. Finalmente, o tão esperado encontro!
    E agora???
    Como será essa conversa?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. agora, teremos de aguardar SÁBADO... um capítulo onde tudo se esclarecerá...!!

      Excluir
  2. Ele preparou esse reencontro tão bem, pensou em tudo de forma sutil e inteligente, que as apresentações foram feitas meio que sem palavras. ... agora é aguardar o grande desfecho. ..

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. No SÁBADO eu vou publicar o último capítulo... na QUINTA vou publicar um pequeno "spoiler"...!!!!

      Excluir
  3. Que aflição, que angustia, que linda historia, seja qual for o final.Estou apaixonada e, agora, mais ansiosa para saber o destino das famílias! Mil vezes parabéns ao escritor.

    ResponderExcluir
  4. Vê-se claramente o carinho e a preocupação dele, preparando o encontro de forma discreta. Vamos ver sobre o que vão falar. Ambos com a família. Espero o sábado ansiosa por saber o que virá. Você escreve de forma tão envolvente. Parabéns!!!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Imensamente obrigado....!!!!
      Espero que eu consiga manter a mesma harmonia e ritmo no final....!

      Excluir
  5. É claro que não vou comentar teus personagens. Tu sabes disso. (Pelo menos por agora.)

    Porém, impossível não elogiar o recurso estilístico que utilizaste para expressar o misto de surpresa, espanto, incredulidade, contentamento, quando a personagem Bela, ao receber o telegrama, utiliza uma frase dele no texto jornalístico que produzia.

    Muito bom! Muito bom mesmo.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Ah, escritora... dessa vez (raramente acontece, mas DESSA VEZ), eu realmente fiz de caso pensado: queria uma forma de demonstrar como o telegrama havia intrigado Bella, havia-olha calado fundo... então, testei três ou quatro formas, como se estivesse realizando várias tomadas de uma mesma cena... e esta pareceu a melhor...!
      Gostei do resultado....!

      Quanto aos personagens.... e se Bella fosse crítica de arte....? .... como já conversamos, para muitos a moda, a alta costura, é muito mais que roupa... é uma forma de arte!
      Assim como muitos exaltam Rembrant, Renoir, Picasso, Monet, enxergando excelência em telas, outros exaltam Armani, Ralph Loren, Frida Giannini, Karl Lagerfeld, Valentino Garavani e tantos outros, vendo também arte, além de tecidos...!

      E tu, escritora, sabes o quanto eu eu acho um barato esse "mundo da moda"...!

      Mas confesso que estou, sim, esperando tua crítica aos personagens.....!!!!

      Excluir
  6. Bravo!!!! Bravo!!!
    Você escreve de uma forma incrível, Poeta!!!!!! Parece tudo tão real!!!
    A emoção toma conta da gente de um jeito...!!! Maravilha!!!! Parabéns de verdade!!!! Estou te aplaudindo de pé!!!!!

    Continuo ansiosa aguardando o final da conversa...!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Quanta imensa gentileza....!!!!!
      Quisera, eu, merecer tudo isso! De qualquer forma, sinto-me imensamente feliz por esse carinho e vou, sim, tentar fazer com que o final tenha valido a pena....!!!!
      Mil obrigados!!!!

      Excluir
    2. Tenho a certeza, Poeta, de que no final tudo terá valido a pena...!!!!!!!!

      Excluir
  7. Lindu..o carinho entre eles é de se emocionar.. lindo msmo.. como tantos outros que vc fez.. agora ainda mais anciosa.. com certeza um conto em que agente parece que esta ali olhando eles passarem por tudo isso.. maravilhosa a sensação.. obrigada.. mil obrigadas!!!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Ah, guria..... mil obrigados a ti, por essa gentileza.....!
      Fico realmente feliz em receber esse carinho e perceber que as experiências de Bella e dele tocam em nós....!
      Obrigado!!!

      Excluir

Bem vindo! Comente, incentive o blogue!