quinta-feira, 11 de setembro de 2025

Um Último Abraço Antes de Entrar nos Mundos do Prosa

“Ah!, mas o livro é muito melhor que o filme!”.

Tenho certeza que vocês já ouviram isso. Talvez até tenham dito isso alguma vez. 

Eu sei que eu já disse várias! Tá, e confesso que uma ou outra, foi com uma pontinha qualquer de vaidade e talvez arrogância, para me “achar”, por ter lido o livro, sabendo que o outro apenas viu o filme e não tem condições sequer de comparar! Digam a verdade: dá aquela pontinha de satisfação, né?! Aquela vaidadezinha que a gente leva escondida! 

Cá entre nós, parece muito comum os livros serem “melhores" que os filmes originados neles. Cada um de nós, certamente pode citar dezenas… eu lembro de cabeça de O Nome da Rosa, O Código Da Vinci, 1984… mas são centenas, milhares, talvez. E nós, leitores (sim, se tu estás lendo esta crônica, estás na classificação de “leitores”), temos a tendência de dizer que o livro “é melhor”.

Hoje, já não sei se penso assim. Eu andei e ando aventurando-me por roteiros de teatro, e acabei descobrindo que na verdade, o problema é que se tratam de linguagens diferentes. Muito diferentes! Um dos meu primeiros roteiros de teatro, foi justamente a partir de um conto que eu havia escrito chamado…: “O Teatro”!

Quando eu fui convidado a adaptar o conto para o teatro, então percebi a dificuldade: no livro, eu pude ser descritivo, falar dos sentimentos de cada personagem, o que pensavam… pude elaborar e justificar por várias páginas cada ação que eu pretendia que os personagens fizessem. Para um simples suspiro dizendo “ai, a Luíza”, eu usava linhas e linhas e linhas para descrever o sentimento e a emoção que o personagem sentia ao ver a Luísa chegando perto dele… eu podia dizer que o mundo parava, que o coração dele disparava, que ele sentia o sangue ferver…. 

… mas como passar isso, no teatro? É preciso muito mais recursos para passar o que sente e o que pensa o personagem! Basicamente é feito com diálogos (ou monólogos) e expressões… mas é infinitamente mais limitado. No cinema e televisão também. Embora recursos de “voice over”, possibilidades de idas e voltas na cena, cortes, ainda assim, é uma linguagem bem diferente do livro. 

Então, eu notei que muito do que eu dizia que o livro “é muito melhor”, era por conta de que o livro tem mais liberdade, sem a amarra do cenário quase imutável no teatro e sem as limitações de tempo e de comunicação do cinema. O livro, enfim, é INFINITO para fins de liberdade do autor, enquanto o cinema e teatro tem suas barreiras.

Mas daí…. bem, daí tem um gênero bem específico, que acho que é justamente o contrário: a ficção científica. Primeiro, que o público que realmente curte a ficção científica é bem mais específico. E, depois, normalmente, a ficção depende muito, mas muito da imaginação do autor. E isso é muito diferente de outro tipo de literatura. 

Veja: quando um autor descreve uma paisagem qualquer, uma pessoa, uma casa, podemos sempre partir de nossas próprias memórias, nossa própria experiência, recorremos aos arquivos dentro de nós e vamos criando as cenas. Então, quando um livro nos descreve um personagem, nós o vamos criando e nos valendo de nossas referências pessoais. É uma casa bonita? Pensamos na casa como gostaríamos, a partir das casas linda que vimos. É o galã? A referência é o modelo masculino que faz suspirar. Então, idealizamos aquele herói que o livro descreve, e, no filme, o ator escolhido não é nem perto do que imaginamos. A casa não era a da nossa imaginação… e, então, sim: “o livro é muito melhor”!

Mas daí, vem a ficção científica… e não temos referências! Como seria o Mestre Yoda, se não fosse o cinema? Como seria a espaçonave de 2001 Uma Odisseia no Espaço sem o Kubrick idealiza-la para nós? E o Interestelar? Veja, os físicos do mundo foram unânimes em afirmar que fora a partir do filme que pudemos ter uma real compreensão de como seria a borda de um buraco negro!

Eu li os três livros escritos pelo Andy Weir, escritor de Perdido em Marte, e achei brilhante! Mas confesso que dos três livros (Perdido em Marte, Artemis e Project Hail Mary - traduzido para “Devoradores de Estrelas”), o que acabou sendo melhor para mim, foi justamente o Perdido em Marte… DEPOIS que vi o filme! Porque não tinha referências para Marte, para a vida nas condições estremas de um planeta não amistoso! 

A ficção científica, enfim, acaba funcionando muito melhor no cinema! Podemos até achar o livro melhor… mas DEPOIS de ver o filme e, assim mesmo, acabamos apropriando-nos das referências do filme! Fundação do escritor Isaac Asimov, eu só digeri depois de ver a série na TV! 

Pois daí, aconteceu que fui completamente surpreendido: eu peguei o PROSA NA VARANDA, ansioso, evidentemente ansioso para começar a desbrava-lo, devorá-lo, sorve-lo… e na abertura, na crônica de estréia, aquela que deve dar o “tom" da obra, do que vem por aí, já sou envolvido por uma história que se vai descortinando aos poucos, vai enredando o leitor, sem, ainda, mostrar-se por inteiro… vamos lendo, sendo absorvidos pelo ritmo aparentemente sereno do autor, que nos leva a imaginar Érica sozinha… tomando uma decisão, empenhando o que lhe resta de vida, para defender o que acredita, para cumprir seu dever. Há um drama severo ali. Uma escolha a ser feita. Até aí, tudo bem, o leitor continua na sua zona de conforto, elaborando Érica, o drama, a escolha… o autor aos poucos entrega referências: fala em guerra, em manobras, em fragata, em escotilha… permite ao leitor ir formando o cenário, o drama, vamos construindo a cena… Olhamos de soslaio para a página do lado, vemos que há linhas até a metade da próxima página, que o texto encaminha-se para o final; nossa ansiedade aumenta, eis que já somos amigos, somos íntimos, somos os confessores de Érica, torcemos por ela, nós a admiramos, queremos bem, queremos pega-la no colo, socorre-la, queremos confortá-la… e, nesse ponto da leitura do primeiro texto do PROSA, não há mais volta, não há mais retorno, estamos tomados pela necessidade de saber o que haverá, de como se haverá de realizar a decisão de Érica… 

… e então… quando não há a menor chance de questionarmos o texto, o gênero literário, a escolha do autor… descobrimos que é ficção científica! Veio como um tapa! Um choque! Tentamos de alguma forma, revoltarmo-nos, afinal, quem esperaria no PROSA NA VARANDA, ficção científica? E abrindo os trabalhos? No primeiro texto?

… mas é tarde demais! 

É ficção! 

É no PROSA!

E é talentosa demais!

Quem esse Gregório Reis pensa que é, para ter feito isso com a gente?! 

Você também vê o clarão no céu da literatura? Pois bem: dê “O Último Abraço” no que você pensava sobre ficção científica… e aventure-se a desbravar todos os mundos do PROSA NA VARANDA!



Luís Augusto Menna Barreto

11 de setembro de 2025


*Da série "críticas desautorizadas do PROSA NA VARANDA"


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