Do “Corno" de Suassuna ao "Chá" de Prosa na Varanda
"Taí duas coisas que eu não sabia: que eu era corno; e que defunto falava!” Essa fala é do cangaceiro que na TV foi interpretado pelo maravilhoso Marco Nanini, em O Auto da Compadecida! É o que ele fala para o Chicó, enquanto este se fazia passar por valente, achando que o cangaceiro seria o João Grilo disfarçado.
Afora o fato de que eu acho o filme inteiro maravilhoso, a verdade é que para mim, ESSA FALA, no contexto da história, vale o filme! Eu aceito ver de novo e de novo e de novo, por esse momento.
É, eu tenho essa coisa de achar que uma frase, às vezes, vale o filme!
No filme “Beleza Oculta” eu me rendo a um diálogo do personagem de Edward Norton quando a personagem interpretada pela Keira Knightley questiona o fato de ele ter contratado a detetive que acabou com o casamento dele, para investigar o melhor amigo. E ele responde:
— Quem acabou com meu casamento fui eu, ela apenas documentou.
Isso, para mim, passou um sentimento tão profundo, uma compreensão carregada com a culpa, com a dor de ter causado dor… enfim, a frase e a forma como foi dita, me fazem ver o filme várias e várias vezes!
E o mesmo acontece com músicas:
“Estranho seria se eu não me apaixonasse por você”, de All Star Azul, do Nando Reis, me faz querer ficar ouvindo de novo e de novo, e de novo!
Ou, “cuidar de amor exige mestria”, da canção “Leo e Bia” de Osvaldo Montenegro!
A verdade é que sinto uma espécie de inveja misturada com ciúmes… um sentimento de que alguém escreveu antes, aquilo que eu gostaria de ter escrito! Parece que as frases estavam dentro de mim, e alguém as traduziu! Eu queria apropriar-me das frases, sair andando por aí, como se tivesse uma placa escrita: “lê aqui, e olha como sou um gênio”!
E por óbvio que com livros acontece isso!
Já reli muitos por conta de uma frase que para mim, justifica todo o livro! Há frases que se eu soubesse que estariam ali, talvez nem precisasse ler tudo, porque eu pagaria o preço apenas para emoldura-las, para deixar com que crescessem dentro de mim, maturassem, começassem a fazer parte do que penso e do que sou!
Vou dar alguns exemplos:
“As estirpes condenadas a cem anos de solidão, não terão uma segunda oportunidade sobre a terra”.
Eu não sei se Garcia Marquez ganhou o Nobel por conta do conjunto da obra, ou do Amor nos Tempos do Cólera, Crônica de Uma Morte Anunciada, ou outro… o que sei é que EU daria o Nobel, apenas por essa frase no final dos Cem Anos de Solidão.
Falando em finais, imagina terminar com “não tive filhos. Não transmiti a nenhuma criatura, o legado da nossa miséria.”
Bah… eu acho que escreveria isso e me aposentaria!
E José de Alencar? Se eu começo um livro com “Verdes mares bravios de minha terra natal onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba”, nem termino o livro. Escrevo essa primeira frase, coloco cem páginas em branco depois, e saio vendendo! O que mais precisa?!
Alguém aí já leu Milan Kundera? Sim, ele foi cotado para o Nobel e escreveu o famoso “A Insustentável Leveza do Ser”. Eu acho Milan Kundera denso demais, uma leitura difícil (para meu gosto!). Mas uma vez li dele “A Imortalidade” e estava lá, escondida, quase disfarçada, sem destaque, a frase: “a verdadeira vocação da poesia não é nos deslumbrar com a descoberta de uma idéia surpreendente, mas sim, fazer com que um instante do ser se torne inesquecível e digno de uma insustentável nostalgia”.
BARBARIDADE! Assim, em maiúsculas e com ponto de exclamação: BARBARIDADE! Eu faria uma nota de rodapé, dizendo que tá bom, iria parar por ali e cada leitor que imaginasse o resto da história de Agnes como bem entendesse! Não dá para prosseguir depois de uma frase dessas!
Eu li, acreditem, três vezes o livro toooooodo, só por causa desta frase!
Pois é… e daí, depois de tudo isso, estou eu aqui, na tranquilidade da minha rede, na sacada do meu apartamento em Belém do Pará, esperando a chuva, e pego o PROSA NA VARANDA… avanço um pouquinho…
E pronto! Tive de parar! Não avancei sequer no resto da crônica! Fiquei com medo! Sim, porque depois de uma frase como a que li, temo pelo restante! Há frases definitivas, que não se podem superar em um mesmo texto! Eu sei que vou reler a crônica dezenas de vezes para chegar nesta frase novamente, e levarei tempo para avançar! Levarei dias para ler o final, para ir além, porque a autora JAMIE SCHRÖDER, resolveu colocar, antes do fim, essa pérola literária:
“Rir sozinha é uma maneira bonita de voltar para casa.”
A crônica chamada “Entre a Xícara e o Vento” tem 3 páginas e mais um pedaço. Essa frase está nas últimas linhas da segunda página.
Troquei de livro, buscando voltar ao mundo real, de literatura rala, daquelas para ler sem precisar pensar! Uma frase assim, não pode ser sorvida em apenas “uma xícara”, não pode ser enfrentada e ultrapassada em um pulo, não pode ser despercebida!
Parei de ler.
Quero uma xícara de chá. Quero rir sozinho. Estou voltando pra casa!
Luís Augusto Menna Barreto
6 de setembro de 2025
Que me perdoe a autora, que nem conheço… já avancei na crônica… já cheguei ao final… é cada vez que releio, lá se vem revelando outra frase escondida… e outra…. E outra…
ResponderExcluirContinuo rindo sozinho….! E descubro que o texto me levou pra casa!