bora cronicar
O Goela, o Açougue e a Gata Féxion
O problema todo se deu porque em Marajó City, poucos lugares aceitam cartão, já que pouca gente usa cartão.
Quer dizer: cartão tipo bolsa família, muuuuita gente usa. Aliás, existe até uma prática francamente irregular por lá: muitos comerciantes vendem fiado, “segurando" o cartão do bolsa família da pessoa. Daí, na época de receber o auxílio do bolsa família, a pessoa beneficiada vai lá no comerciante, e um empregado do comerciante vai com o dono do cartão sacar. Então, antes de mais nada, separa a parte que deve no comércio e devolve o cartão com o troco para a pessoa. Se ela quiser fiado de novo, tem que deixar de novo o cartão. E assim a vida segue!
Na época de eleição municipal, mais do que o cartão, vale o título de eleitor. O candidato a prefeito ou vereador faz uma “parceria" com determinado comerciante, que fica segurando títulos de eleitor e vende uma cota fiado. Daí, no dia da eleição, o eleitor vai lá pegar o título e alguém vai junto “fiscalizar" o voto. Tá, tudo bem, não tem como entrar na urna junto com o eleitor, mas ao menos garante que ele entrou ali pra votar. E como infelizmente o índice de analfabetismo é muito grande, o fato de ir com o eleitor até a seção e dar o "santinho" com a “cola”, já é um enorme passo.
Mas, enfim, cartão de crédito e débito, não é muito comum por lá.
Até que um dia, o Goela arrumou um cartão! Ele havia feito uma conta no banco postal e, em seguida apareceu na casa dele um cartão de crédito com um limite pré-aprovado de trezentos reais. O Goela ficou todo “grandão”, e começou a fazer um “bafo”! Em todo o lugar que ia, perguntava se aceitava cartão, mesmo sabendo que não aceitava! Mas ele tirava o cartão do bolso e balançava pra todo mundo ver!
Ia comprar uma empada na barraca ao lado do Fórum e perguntava:
— Passa cartão aí, Farinha?
— Tá doido, Goela?
— Então pendura, que só tô com cartão!
E assim o Goela ia. Outro dia, encontrou os amigos tomando uma no trapiche e fez “o grau”:
— A próxima grade é minha. No cartão, Maresia!
— Nem vem, Goela, que cartão aqui, nem de aniversário!
— Então minha rodada fica pra próxima!
Até que um dia, com o Goela ainda arrotando esbanjamento, estava na porta do Fórum conversando com o Manobra e com o Alerta, companheiro da Maria Sem Sossego, enquanto ela gritava "justiiiiiiiiiiiiiça" na frente do Fórum, com um cartaz escrito "Ruela deve pra Nonata”, resolveram de combinar um churrasco. O Goela, como tinha virado costume, de cara já saiu falando:
— A carne é por minha conta! Mas meu dinheiro tá todo no cartão. Se passar cartão, eu compro a picanha!
O Alerta e o Manobra aceitaram e ficaram com uma cara meio que escondendo sorriso. O Goela ficou “cabreiro”, mas já tinha feito o bafo. Depois do expediente, e depois que o sol baixou, foi-se o Goela pro açougue do Retalho, onde já estavam jogando uma sinuca o Manobra com o Alerta!
— Fala Retalho! Vê aí uma picanha no jeito, que o churrasco vai ser por minha conta…
O Retalho começou a amolar a faca!
— … mas é no cartão, Retalho!
— Na hora, Goela!
O Goela levou um susto! Como assim? Será que o retalho tinha entendido?
— Não é bolsa família, Retalho! É no crédito! — e puxou o cartão balançando no alto!
— Só se for agora!
O Goela suspirou!
— Ta aceitando cartão agora, Retalho?
— Olha a placa! — E apontou para um quadrado de ferro, escrito: “açeito cartão”. Um ou outro que sabia ler, até falou pro Retalho que a placa tava errada, mas ele jurava que não era “cedilha”, e sim, a tinta do “C" que escorreu!
O fato é que o Goela teve de bancar a picanha! Na hora de pagar, o Retalho gritou pro ajudante no açougue:
— Pega a maquininha, Canivete!
O Canivete largou o avental e saiu correndo.
— Peraí, Goela, que o Canivete vai bem ali* pegar a maquininha.
Menos de 2 minutos, o Canivete voltou e o Goela passou o cartão! Pronto. Estreou.
Como em Marajó City tudo se fica sabendo, a Afrodite, esposa do Goela soube que ele pagou a carne pra fazer churrasco pros amigos e determinou que o Goela passaria a comprar a carne do mês! Onde já se viu, afinal, ficar pagando picanha pros amigos e faltar carne em casa?
E assim foi! Dali em diante, o Goela parou de fazer bafo com o cartão, e começou a comprar a carne no açougue do Retalho!
Tudo certo? Era isso? Não… nunca é só isso! Deu uns 40 dias, e vem a notícia que o Goela e a Afrodite estavam na delegacia. Não que alguém tenha sido preso, mas é que o Goela correu pra delegacia pra se proteger da Afrodite que tava com uma faca pra furar o infeliz. E tudo por causa do tal cartão!
O primeiro extrato do cartão chegou com várias compras na loja “Gata Féxion”, do Ceará, que traz roupas de mulher de Fortaleza pra vender em Marajó City. Foi daí a confusão.
— Abre essa cela, Fechadura, que isso é briga de casal! Esse excomungado não me compra nem uma meia e aparece um monte de compra de roupa de mulher! Abre isso, Fechadura!
O Fechadura, carcereiro, parceiro de futebol do Goela, deixou ele se trancar numa cela, porque conhece a Afrodite…
O caso não chegou no Fórum. Do jeito que o Goela tava jurando que nunca passou o cartão em outro lugar a não ser no açougue do Retalho, o Tonelada (policial militar) foi buscar o Canivete que esclareceu a situação:
O Retalho não tinha maquininha. Mas pra não perder venda, emprestava a máquina do Ceará em troca de umas fichas da mesa de sinuca do açougue.
…
O Goela escapou de ser furado. Mas pelo sim e pelo não, comprou duas blusas pra Afrodite na Gata Féxion!
Luís Augusto Menna Barreto
9.8.2019
- Quanto à expressão “bem ali”, muito usada no Marajó, é preciso ler a crônica “Bem Ali, Seu Espirro e os Exames”, publicada em 23 de maio de 2018 no blogue “menna em palavras”
Kkkkkk
ResponderExcluirEsse Goela!!!O bom é que posso imaginar exatamente a cena se passando...Adorei a grife: "Gata Féxion"...rsrsrs
Imagina o perrengue: cheio de “Gata Féxion” no extrato e nem um quilo de carne... Quase que o Goela vira picanha na mão da Afrodite...!!!
ExcluirKkkkkk teve que engolir “goela abaixo” como se diz aqui nos pampas.
ExcluirE não é...??? E ainda quase que leva uns furos da Afrodite...!!! rsrsrsrsrs...!
ExcluirO Goela vive arrumando encrenca, mas é uma pessoa muito bacana de conviver!!
Adorei a gravura tanto qto a crônica. O goela deve ter mudado de apelido porquê no interior não tem perdão um mico desse porte e só cai no esquecimento quando vem outro pra mudar a vítima.
ResponderExcluir😂😅 O Goela tem vários.... mas como ele recorrentemente fala aos gritos, vai e volta, e fica Goela!!!!!
ExcluirEita...😊 dessa vez sobrou pra o Goela!
ResponderExcluirMarajó City sempre superando...!!! Os apelidos são ótimos! Muita criatividade!!!
Criatividade dos nativos... rsrsrsrsrs..... lá, todo mundo, rapidinho, arruma apelido..!!! rsrsrsrsrs
ExcluirGanhastes também um apelido lá, Poeta?!!! 😀 Conte-nos!!!
ExcluirGanhei.... e foi o Goela quem me deu...!!! Mas é segredo de Estado!!!
ExcluirAhhhh não!!!!!!! Como assim??!!!! E a nossa curiosidade fica como????!!!! 😀😀😀😊😊
ExcluirUm dia, vou fazer um vídeo com o Goela e ele certamente vai falar... vou postar aqui no blogue...!!!!!!
ExcluirEita, quase que o Goela se dá mal, kkkkkkkkkkkkk
ResponderExcluirTava se achando o tal, portando um cartão, mas no Marajó tudo tem um jeitinho, até emprestar uma maquininha de cartão e daí gerar aquela confusão. Adorei o nome da loja, Gata Féxion, original. Como sempre, um show a crônica de hoje
O pior é que ATÉ HOJE tem essa confusão lá: o açougue usando a maquininha da loja! Eu estive lá em julho, visitando os amigos, e fomos no açougue comprar carne para o churras... daí perguntaram como a gente ia pagar; perguntei se a maquininha era dele ou da loja e ele falou: "ah, doutor, ainda é da loja".
ExcluirJuntamos os trocados e pagamos em dinheiro!
Não ia correr esse risco, né?!
Boa, ri muito, alegrou meu dia!
ResponderExcluirAh!, Sueli.... como fico feliz...
ExcluirO Marajó é REALMENTE ASSIM, com uma magia, uma realidade realmente fantástica, que envolve... que faz querer que o Marajó jamais saia de dentro da gente...!
Obrigado!!!