Bem Ali, Seu Espirro e os Exames
— Doutor, vou bem ali.
Não sei se vou conseguir explicar direito: “bem ali” é algo muito misterioso para quem não é nativo. Demorei pra ter alguma noção. É mais ou menos assim: quando alguém diz “vou bem ali” está simplesmente dando a informação que vai sair, não quer dizer onde e não sabe dizer que horas voltará. Aliás, quem é daqui, jamais pergunta “onde?” ou “demoras?”, se a informação é vou “bem ali”.
Mas, naqueles tempos, chegado há pouco tempo no Estado do Pará e menos tempo ainda no Marajó, eu não sabia e cometi a quase heresia:
— "Ali" onde, Goela?
Esse é o momento do “hein?”, mas o “hein" é meu, não do Goela, que estranhou mas respondeu a única resposta que entendeu possível para aquela pergunta despropositada:
— Bem ali!
E foi saindo.
Respirei fundo. Mas eu estava, ainda, descobrindo como funcionava o ritmo da vida por lá. Daí, pra manter a autoridade, quando o Goela já devia estar lá no meio da praça, falei com tom grave na voz:
— Vai mas não demores!
Dali um pouco, estranhei o silêncio incomum no Fórum. Não que seja um lugar muito movimentado, mas sempre tem alguém conversando no corredor pra fugir do sol da rua, ou mesmo alguma movimentação na praça, mas tudo estava silencioso. Acabei de examinar o último processo que estava na mesa e, lembrando que o Goela havia ido em qualquer lugar que eu não sabia onde era, chamei o Barganha. Nada.
Insisti:
— Bargaaaaaaanha!
Nada.
Com alguma irritação e, confesso, curiosidade, levantei e fui procurar alguém. O corredor estava vazio. A sala do Ministerio Público, vazia. Na salinha da distribuição, onde a Tutela recebe as iniciais e, invariavelmente alguma fofoca está sendo contada… nada.
Daí que olhei pra porta e a D. Boneca, a “faz-tudo” do fórum, veio entrando devagar.
— D. Boneca, onde tá todo mundo?
— Bebendo o Espirro, doutor.
Hein?!
Como eu ainda não tinha muita intimidade com a D. Boneca, nem tentei interpretar. Voltei para o gabinete e decidi esperar pelo Goela.
Pouco antes do meio dia, o Fórum começou a ficar com a agitação normal e pude distinguir, entre os barulhos, o Barganha e a Tutela retornando. Em seguida, ouvi a voz, sempre alta e com entonação animada, do Goela.
— Goelaaaaaaa!
— Pois não doutor?
— Qual é dessa história de “beber espirro”?
— Não, doutor, é que o Espirro, aquele senhor que teve aqui outro dia, querendo tirar a certidão de nascimento, levou farelo. Tava todo mundo bebendo o morto, que o enterro tava marcado pra 11 horas.
Eu me lembrava do tal Espirro. Ele apareceu outro dia querendo registro de nascimento que nunca havia sido feito. Nascido e criado numa ilha do outro lado do rio, nunca havia sido registrado:
— Não tem certidão de nascimento até essa altura da vida, seu Espirro? — eu perguntei.
— Nunca precisei, doutor. Mas agora fui atendido pelo doutor no hospital e tenho que fazer um tal exame que nem sei. Mas exame só com documento doutor.
— Nunca foste em médico antes? Nunca fizeste exame?
— Nunca precisei, doutor. Saúde sempre foi boa, mas agora o mijo tá saindo vermelho.
— E como é seu nome?
— Espirro!
— Não, não pode ser apelido, tem que ser nome. Nome e sobrenome. Como é?
— Ah, veja um aí, doutor. Não faço caso de nome, não. Sou o último dos 12 irmãos, doutor, e a mamãe sempre dizia que foi fácil me parir, que saí como um espirro. Daí, chamam assim pra mim desde gitinho.
Eu lembro que segurei o “hein" e tentei, ainda, pelo nome dos pais.
— Então me diga o nome dos seus pais.
— Pra minha mãe, chamavam de Preta, e pai não tenho não, que sou filho do boto.
Por ali eu desisti. Alguém que não tem nome, imagine descobrir a data do nascimento?
O que sei é que encaminhamos o Seu Espirro para o Ministério Público que fez o pedido com todos os dados (que eu confesso, não questionei muito se eram exatos ou não) e seu Espirro ganhou até nome!
Pois foi então, que Seu Espirro morreu. Comentei com o Goela, quase de forma retórica, e sem esperar resposta:
— Coitado. Os exames não deram bons resultados, então…
Mas o Goela não deixou o assunto morrer:
— Ah, doutor, diz que tava tudo bem. O problema é que o médico viu os exames e deu duas notícias pro Espirro!
— Que notícias?
— O doutor disse que pelo resultado dos exames, o Espirro ia morrer de velho!
— Mas então, Goela, o que deu de errado?
— A segunda notícia, doutor!
— E qual foi?
— Que o Espirro tava velho!
Por Luís Augusto Menna Barreto
Gente da gente fazendo acontecer o que é previsível na realidade do local. Como era bom viver no Interior. Como dizem. Eu era feliz e não sabia.
ResponderExcluirAh, o maravilhoso interior... e pense, ainda, no Marajó!!!!
ExcluirCheio de "bem alis", de falta de registros, de uma vida em ritmo maravilhosamente diferente!!!
Seu q não deveria mais rir.....
ResponderExcluirEsse bem ali, pra nós e normal kkkk pode ser longe ou perto mais ninguém fala pra onde kkk cm eu uso esse bem ali, quando é lugar longe e quero companhia kkkk
Eu dizia que o dia que eu fosse abrir um bar no Marajó, o nome seria "BEM ALI"... ia viver cheio, porque todo mundo toda hora vai "bem ali"!!!!!!!!!!!!!!!!!!
ExcluirKkkkk vdd Dr.
Excluir😂😂😂😂
ResponderExcluirDefinitivamente...não consigo lidar com
tuas crônicas, Poeta!!!! Estou com cãibras de tanto rir!!! Nem dá para comentar o que é mais engraçado! Toda, completamente hilária!!!! Amei!!!!
Vou "bem ali"!!!! 😂😂😂
Nãããããããooooooo!!!!
ExcluirPor favor, só não me diga que vai "bem ali", que fico estressado!!! Até hoje, não me acostumei... e, pior ainda, quando o pessoal fala: "vou bem ali, rapidola"... daí, esquece...!!!!!! rssrsrsrsrs
Ah, Marajó.....!!!
"...rapidola"...? kkkkk
ExcluirÉ muita criatividade...!!!!
rsrsrsrs..... é o vocabulário REALMENTE usado!!!!!!!
ExcluirSimplesmente impossível não rir de tudo isso poeta kkkkkkkkkk hilário demais, a história, as pessoas com seus nomes/apelidos engraçados. Aqui onde moro ainda se usa esse "vou ali" mas a história do seu Espirro é ótima. Crônica maravilhosa , como sempre. Ah, a idéia do bar BEM ALI é perfeita rsrsrs Adorei tudo 👏👏👏👏👏👏👏👏
ResponderExcluirJá pensaste num bar desse?! O pessoal poderia ir de forma tranquila sem nem mentir:
Excluir- Onde tu vais?
- Bem Ali...!!!
Acho que ia bombar...!!!!
Só não dá pra ir "rapidola num lugar desses!!!!!
Super obrigado por teu comentário!!! Espero que continues divertindo-te com as crônicas de Marajó City, e suas gentes tão peculiares..!!!
A simplicidade e a leveza do povo do marajó, suas cronicas são ótimas me fazem rir demais, os personagens são hilários, consegues tirar de momentos do dia a dia um texto emocionante e divertido, renderia uma excelente novela!!! Agora peraí que "vou bem ali, rapidola" rsrs.
ResponderExcluirbaaaaaaahhhhhh..... todo mundo resolveu tirar essa onda do "bem ali"???!!!!
Excluirrsrsrsrsrs... mas tudo bem, acho que é peculiar e divertido mesmo!!!
Já cheguei mesmo a pensar em uma novela com as crônicas de Marajó City... to experimentando desenvolver um primeiro roteirinho pra ver como fica... porque a linguagem da crônica é muuuuuuuuito diferente da linguagem pra vídeo.
Bora ver.... quem sabe sobre o futuro, né????
Muito bom, eu ri do início ao fim, parabéns!! Abs
ResponderExcluirAhhhhhhhh!!!!! Como é bom saber que o Marajó vai até o hemisfério norte!!!!!!!!!
ExcluirSuper obrigado!!!!! E tuuuuudo de bom por aí!!!!!!
Aqui onde moro é comum usar o famoso "bem ali" e "volto já" exatamente qdo não se quer dizer onde vai e qdo tempo vai demorar...rsrs... Parabéns pela crônica bem humoradada, só você consegue fazer rir mesmo relatando a partida do Espirro, que Deus o tenha!!!
ResponderExcluirAhhh ..... pobre Espirro!!! Um grande amigo falou (mas não comentou aqui): “pobre homem, como um espirro nasceu, num espirro se foi...”!
ExcluirComo é bom ter você de volta por aqui!!!!!!
Demorei em aparecer mais estou aqui,..... Parabéns admiro seu trabalho amo poesia, que haja mais pessoas no mundo assim como voce,grande abraço sucesso sempre
ResponderExcluirMas guria!!!! Fico tri feliz!!!!!
ExcluirQue apareçam Sempre pessoas com gentileza na alma...! Como tu!!!!