bora cronicar… ?!
A crônica de hoje, embora refira fatos do meu segundo dia Capítulo 3:em Marajó City, eu somente postei no blogue, em 6 de setembro de 2016. Houve muito pouca modificação da crônica original do que vai para a Novela de Marajó City. Na verdade, o que houve foi acréscimo para dar harmonia com o capítulo 2 e para que o leitor entenda (na Novela) que estou seguindo a cronologia dos fatos. Espero que se divirtam. Fatos assim, fazem parte do dia a dia de Marajó City.
Boa leitura.
mennaempalavras
Capítulo 3:
O Goela, a Mundinha e o Barganha
O meu primeiro dia havia sido interessante com a audiência do Mereceu e da Modesta. A situação que os levou à audiência fora lamentável, afinal, era violência doméstica. Mas foi interessante, porque eu tive meu primeiro contato com a realidade do local, e já fui descobrindo algo sobre as pessoas!
Então, no segundo dia, eu entrei no Fórum um pouco mais confiante. Mas logo na primeira audiência, eu achei que o Goela havia apregoado errado! Eu havia acabado de ver o processo e entregar para o meirinho. Era uma ação de divórcio! Eu lembro. Era mesmo divórcio! Não estava ficando louco!
— Francis e Mundinha. Passar para audiência! — Gritou o Goela, na porta da sala. No interior das cidades da Amazônia, até meirinho tem apelido. Goela era mesmo o apelido do meirinho… e até que tinha a ver com a função e o jeito com que ele apregoava: falando muito alto! Mas, mesmo lendo os nomes no processo, ele chamava pelos apelidos!
Eu sei que hoje em dia, há uma liberalidade muito grande, mas era o ano de 2005, ainda. Eu lembro que era meu segundo dia na comarca. Nem conhecia direito as pessoas. Nem mesmo os servidores eu já conhecia direito. Mas a Lei eu conhecia! Havia estudado pra caramba pra passar no concurso pra juiz. Daí, que eu sabia que não podia haver casamento registrado no cartório, entre duas mulheres! Não em 2005! Se não podia haver casamento, como poderiam estar-se divorciando? Fiquei curioso!
Pois entrou na sala uma mulher, pouco mais de menina, que calculei que tinha uns 20 e poucos anos, com um filho recém nascido no colo. A mulher veio com o pai. Um sujeito de uns quase setenta… ou isso, ou era muito judiado pelo tempo (ainda vou contar o caso da D. Mocinha, em que eu me enganei redondamente com a idade… mas isso conto mais à frente nesta novela). O fato é que, desde o caso da D. Mocinha, não me arrisco mais com idades. Mas esse caso foi bem antes do caso da D. Mocinha; e que o pai da menina aparentava ter uns setenta anos, isso aparentava! Ele caminhava com dificuldade e sentou gemendo com um nada silencioso “aaaaahhhh”.
Sentaram lado a lado! Fiquei esperando a Francis.
— O senhor senta aqui —, disse o Goela pro pai da menina, apontando para a cadeira do outro lado da mesa.
— Não, Goela, ele pode ficar aí —, falei. O cidadão era velho e cansado, e, se veio para acompanhar, desde que não se manifestasse, eu permitiria que ficasse ao lado da filha.
— O senhor é que manda, doutor! — Disse o Goela, devolvendo-me o processo. Foi sentar na cadeira perto da porta.
— Sim, Goela! E a Francis?
O Goela sorriu e apontou pro pai da moça sentada.
— Hein?
Pois é. Não era o pai. “Francis" era marido. O homem velho e cansado sentado ao lado da moça!
Bem, olhando como o SEU Francis parecia acabado, pensei que até que a “Mundinha" poderia se dar bem, porque é nova ainda, e bem apessoada!
Perguntei se havia possibilidade de reatarem e ambos balançaram a cabeça para um lado e para outro e responderam com a universal negativa:
“Hum-hum”!
Daí, segue o procedimento: ficou na sala apenas eu, o promotor, a Dra. Quaresma e a Mundinha. O SEU Francis, esperando no lado de fora.
— Alguma chance de reconciliar, Mundinha? — Perguntei.
“Hum-Hum”, de novo. Cabeça baixa e filho no colo.
Tendo olhado o SEU Francis, todo acabado, gemendo pra sentar, e vendo a Mundinha, uma moça nova na flor da idade, não fizemos mais nenhuma pergunta.
Sai Mundinha, entra SEU Francis.
— E aí, SEU Francis? Alguma possibilidade de reconciliação? — Já fiz a pergunta meio com medo… vai que o velhinho começasse a desfiar um catatau de queixas…? Porque tem uns que quando levam um “pé na bunda”, ficam inconformados. Como o “Virado”, um preguiçoso que levou o pé na bunda da "Joana do Crediário” e ficou implorando para que eu mandasse ela voltar. Diria, anos mais tarde, naquela mesma sala de audiências, o Virado:
— Doutor, eu não quero me separar, doutor. Essa mulher vai acabar comigo, ela tá partindo meu coração, vou me matar, doutor… o senhor tem que proibir ela de se separar, ela já saiu de casa, o senhor tem que trazer ela de volta…”
— Pai de santo é que traz a pessoa amada de volta, Virado. Arruma um emprego e tenta reconquistar a Crediário. — Mas essa também é outra história! Deixa eu voltar para o caso da Mundinha e do SEU Francis:
E ele respondeu meio cabisbaixo:
— Não, doutor… acho que não dá mais. Eu até que queria que ela não fosse embora, fiz proposta pra Mundinha, mas ela não quis.
Na verdade, eu até achei a Mundinha meio insegura com aquele “hum-hum”. Daí perguntei qual foi a proposta.
— Sabe doutor. Pois eu arrumei outra né? Sabe como é, a Mundinha já pariu 3 filhos meus, tá ficando velha, né doutor. E eu agora tô com a Graça, mais novinha, já tá esperando um filho meu, doutor. Eu até perguntei se a Mundinha queria viver comigo também, porque a Graça não se importa, e daí, é sempre mais uma pra cuidar de mim, né doutor. Uma hora a idade chega, sabe como é…”
— Hein?!!!!
Pois é. No fim, o divorcio foi amigável e a sentença eu prolatei na própria audiência! Mandei que esperassem, porque faríamos o mandado de averbação do divórcio no mesmo dia, porque moravam em ilhas distantes, e eram horas remando para chegar ali. Ficaram esperando.
Enquanto isso, mandei que passasse à próxima audiência:
Darcy x Régis. Cobrança.
— Chama os dois — Eu disse para o Goela!
— Darcy, Régis, passar pra audiência!”, — gritou. Finalmente, chamou duas pessoas pelos nomes, não por apelidos.
Entraram duas mulheres!
Dá prá acreditar? Numa cidade em que TOOOOOODOS tem apelidos, justo quando o nome confunde, não tem apelido nenhum!
Terminado o caso da Darcy e da Régis (sabe Deus que motivo leva um pai a olhar uma bebezinha e chamar de Régis?)… mas enfim, terminado o caso da Darcy e da Régis, a escrivã havia preparado o mandado de averbação do divórcio! Mas havia um pequeno erro em uma letra do nome, no mandado que a escrivã, D. Joyce Andrea (assim, Joyce com ípsilon e Andrea sem “i”) havia feito.
— Goela, chama a escrivã —, pedi.
Pensa que o Goela foi chamar? Só deu um grito:
— Barganha, o doutor tá te chamando! — Ai, ai… fosse pra gritar, eu mesmo haveria gritado!
Em seguida entrou um caboclo com a pele bem bronzeada e parou do meu lado, encarando-me.
Eu estranhei. Mas perguntei:
— Pois não?
— O senhor mandou me chamar. Sou o Barganha.
…
Ave Maria… era o dia de me puxar o tapete!: O Joyce, com ípsilon, era o Barganha!
Decidi naquele dia: nenhum filho meu seria registrado naquela cidade!
Luís Augusto Menna Barreto
3 de maio de 2020
Eita, cada audiência uma surpresa nova, bom demais não ter rotina nesse Fórum. Muita confusão com os nomes próprios e apelidos, diga - se de passagem rsrsrs
ResponderExcluirE SEU Francis, só tinha olhos para as novinhas kkkkkkkkkk
Tudo muito divertido mesmo.
Agora imaginas alguém inexperiente, com a teoria de códigos e leis, pisando pela primeira vez no Marajó, e já ser recebido com esse tipo de situação!!!!! Nenhuma faculdade prepara pra isso, por mais excelentes que sejam os professores!!! O Marajó é por demais peculiar...!!!!!
ExcluirComo é bom falar de Marajó City!!!!
Obrigado, Nice!!!!
Pelas crônicas do Poeta Menna, nota-se que o Marajó é um mundo a parte.
ResponderExcluirO que não acontecer lá, não acontecerá em lugar nenhum.
Cada audiência é uma aula sobre os costumes e a graça desse povo que passamos a amar.
Mas, fora os nomes, apelidos, e demais situações, que veínho esperto, só arranjava menina nova, hein?
Rsrsrs...
Linda crônica.
O Francis tem muita “sabedora” de suas décadas ribeirinhas...! 😅😂
ExcluirMas, falando sério, de fato, uma realidade surpreendente... a Lei, nestes lugares, tem de ser, sempre, ponderada pelo costume, tradição e efetiva possibilidade ou não de aplicação...!
Acho que muitos em Brasília fariam muito melhor por todos nós, se fossem submetidos a uma “estágio” de seis meses no Marajó!!!
Eu amooo.... Me divirto!! Marajó é realmente um mundo à parte amiga Zélia...O bom de tudo poeta é que teu trabalho no fundo te divertia também... São muitos casos engraçados...Os apelidos são ótimos... Também não consegui"decifrar" quem era Francis, só mesmo no desenrolar da história.... Crônica Maravilhosa Poeta!!!!!
ResponderExcluirDigamos que eu me divirto AGORA..!!!!!😅🤣🤣... na época era saia justa em soma de saia justa!!! Eu vivia como gato escaldado.... somente mais pro final eu fui realmente entendendo a vida como era....! Mas acho que jamais terei oportunidade de acumular tanto aprendizado! Sou grato por cada dia que tive no Marajó!!!
ExcluirHá muitos dias eu não ria tanto! Essa do seu Francis e da Mundinha...foi demais!!! Gente...ele ainda queria as duas?!!! Que danado! Imaginei a sua fisionomia ao dizer o tão conhecido... "hein"!!!?
ResponderExcluirArmelinda... e o pior: tudo era muuuuuito novo pra mim. Eu não fazia idéia da realidade que me esperava! Nascido e criado no Sul, estudei no Sul, vivi no Sul e, de repente, estou no maravilhoso e peculiar Marajó, confrontando uma realidade que, às vezes, surpreende inclusive quem é do Norte!
ExcluirSeu Francis...? Ah!, malandro, tempos depois, soube que estava com outra, e dispensando a Graça!!
Obrigado, Armelinda!