sexta-feira, 1 de maio de 2020

bora cronicar - Capítulo 1: O Juiz, a Chegada e o Goela

bora cronicar… ?!


Permitam-me, caros amigos e leitores, começar a 3ª temporada do bora cronicar, com Marajó City!  Ofereço-lhes o primeiro capítulo de “Marajó City - Uma Novela Literária”.
Este capítulo, embora inédito, eu já escrevi há muito tempo! Desde que comecei, devagar, a trabalhar a novela de Marajó City, onde haverei de colocar todas as Crônicas de Marajó City revisitadas e mais ou menos na ordem em que os fatos aconteceram, o que jamais o fiz com as crônicas, eis que na medida em que me ia lembrando das maravilhosas histórias passadas no Marajó, eu as ia escrevendo.
Tenham pois, leitores e amigos, o privilégio (ou submetam-se ao sacrifício) de ler aqui, em uma avant première, o início da saga, e o início da NOVELA DE MARAJÓ CITY!
Boa leitura. 
mennaempalavras

Capítulo 1:
 O Juiz, a Chegada e o Goela


Deixa eu explicar que o Marajó não é Fernando de Noronha. 
Tenho que dizer isso, porque muita gente pensa que o Marajó é como Fernando de Noronha, mas a verdade é que não é nem um pouco parecido. Digo porque conheço o Marajó... ... Tá certo que não conheço Fernando de Noronha, mas ouvi dizer que lá é só praia deserta e paradisíaca. Enfim, o Marajó é diferente, pronto!
Eu não falei pra ninguém, mas pra mim, tudo ainda balançava. Principalmente o concreto do alto do trapiche municipal. 
Havia desembarcado pela primeira vez na minha vida no Marajó, depois de quase 12 horas de navio, navegando à noite, sem que eu enxergasse sequer as margens naquela noite sem estrelas, de agosto de 2005. No meus ouvidos ainda zunia o barulho do motor do navio. E eu não havia dormido nada, porque estava ansioso pela primeira viagem até o Marajó, ansioso para começar a trabalhar, e receoso de simplesmente perder a parada do navio. O Dr. Maurício, colega que me precedeu na comarca, havia-me dito que o navio mal encostava e em menos de dez minutos, já desatracava novamente, e, se eu perdesse de desembarcar, seriam mais 4 horas de viagem até a próxima cidade.
Além de tudo isso, no camarote em que eu estava (um minúsculo retângulo com um beliche em cada lado separados por um espaço que mal cabia uma pessoa de lado) na cama embaixo da minha, um senhor gordo roncava tão alto que era possível ouvi-lo além do motor do navio! 
Daí que com tudo isso, eu simplesmente não dormi. 
A maior parte do tempo, eu fiquei caminhando pelos dois conveses, passeando por entre as centenas de redes atadas, onde quase todos dormiam um sono pesado, como se estivessem embalados em um berço e como se o motor fosse música de ninar! 
Anos mais tarde, há muito tendo abandonado o camarote, no aconchego da minha rede, eu descobri que era exatamente isso: o balançar do navio era o rio embalando meu sono, ao som ritmado e constante do motor, que me fazia dormir, ao ponto de que algum dos tripulantes tinha de acordar-me quando chegava perto da cidade.
Mas naquela primeira vez, foi muito diferente! E além de tudo, eu havia levado uma mala enorme, cheia de coisas que descobri completamente avessas à realidade que me esperava. A começar pelos livros que eu levava. Eu mal poderia imaginar como eram inaplicáveis tantos Códigos e Leis feitas em Brasília, um Brasil tão diferente da maravilhosa e peculiar realidade do Marajó!
O primeiro susto foi ao navio encostar no trapiche, porque, antes mesmo de o marinheiro (que depois descobri que era chamado de “Canhão”) fazer as amarras, o navio foi invadido por inúmeras pessoas que simplesmente pulavam por cima de vários barquinhos “pô-pô-pôs” atracados perto, até que pulavam, também, para dentro do navio. Eram os “padeiros” e os “carregadores”. Vou explicar: os padeiros são os que vem com cestos cheios de pães quentinhos, feitos nas madrugadas em fornos artesanais, vender aos passageiros, especialmente os que continuam a viagem - que são a maioria! Dos quase duzentos passageiros em média, do navio, apenas uns trinta ou quarenta desembarcam ali. Então, no curto espaço de tempo em que os passageiros desembarcam e menos passageiros ainda embarcam para o restante da viagem, os padeiros vendem pães aos que estão em suas redes e eventualmente acordam naquela parada. Já os carregadores são os que ganham a vida retirando do navio volumes pesados trazidos pelos passageiros, porque é muito comum, quem volta de Belém do Pará, trazer muita coisa, aproveitando as viagens que são longas, demoradas e caras para a realidade local. Então, trazem tudo o que podem de Belém do Pará. Bicicletas, material de construção, geladeiras, colchões, televisores, e toda a sorte de produtos que se pode imaginar! Tanto por parte dos particulares, como por parte dos comerciantes locais. Daí que os carregadores pulam logo, porque o “contrato” é verbal e imediato! E quem chega primeiro garante o serviço e o café do dia, o que nem sempre tem para todos. 
Depois de algum tempo eu me acostumei com tudo aquilo e até sabia o nome dos carregadores. Bem, o “nome” propriamente dito, não, mas sabia como eram chamados.
Mas naquela primeira vez ainda sem o sol haver nascido, A velocidade de tudo me assustou um pouco.
Como se não bastasse aquela movimentação acelerada toda, a forma de descer do navio para o trapiche era por meio de uma tábua de madeira, que, uma vez atracado o navio, era empurrada do trapiche para a embarcação. De forma que, conforme a maré (sim, os rios do Marajó tem “maré”!), haveria um aclive ou declive maior ou menor na relação da altura do trapiche com o navio. A tábua, que depois descobri que chamavam de prancha, não tinha mais do que cinquenta centímetros de largura, mas uma extensão de quase três metros, e, enquanto os nativos passavam por ela como se estivessem tranquilamente andando na praça, para mim pareceu que enfrentaria a corda bamba sem rede de proteção. (E lembrei de filmes de piratas de minha infância em que os piratas faziam “andar pela prancha” os desafetos que assim eram atirados ao mar, para serem devorados pelos tubarões).
Foi então, que, vendo minha hesitação, um rapaz de vinte e poucos anos, muito comprido, com algo de desengonçado, entrou no navio, foi diretamente pegando minha mala e disse:
— Não esquente sua cabeça, doutor, eu levo pro senhor! 
E antes que eu dissesse qualquer coisa, antes mesmo que eu pensasse em como ele saberia quem eu sou, ele foi saindo do navio com a mala. Eu tive a impressão que ele teria dito como se chamava. Mas eu deveria ter entendido errado… não me atrevi a chamar o rapaz de “Goela”, afinal, isso não é nome de gente!
Era! 
Quer dizer, nome não, mas apelido. Era o meirinho do Fórum que havia ido esperar-me, com a função de mostrar-me onde eu poderia hospedar-me; depois, haveria de mostrar-me onde era o Fórum e onde eu poderia tomar um café. 
Pois dali da ponta do trapiche mesmo, ele fez tudo isso: 
— Doutor, ali depois da esquina, ao lado da Igreja, é o Hotel. Embaixo é o bar do Seu Nonô, que é quem cuida do hotel. O Fórum é aqui, óh. — E apontou para uma construção bonita, na beira do rio. — Doutor, hoje tem uma audiência de “Maria da Peia”, do Mareceu com a Modesta. Mas o senhor fique tranquilo que a audiência só começa quando o senhor chegar. A gente avisa pro Fechadura trazer o Mereceu quando o senhor mandar, doutor.
“Maria da Peia”, “Mereceu”, “Modesta”, “Fechadura”… Eu não conseguia processar tanta coisa e menos ainda na velocidade em que ele falava, sobretudo porque havia passado a noite em claro e ainda sentia a ilha toda balançar sob meus pés. Foi então que eu expressei a primeira sentença em solo Marajoara, sentença que muitas vezes depois, eu expressaria:
— Hein?

Luís Augusto Menna Barreto
1º de maio de 2020.

19 comentários:

  1. Ahhh que felicidade essa volta à Marajó City...Eu amo essas crônicas, principalmente as dessa cidade...Peraí vou fazer uma reclamação (nada de sacrifícios, é um prazer enorme)...E que saudade do Goela...Achei o máximo, ele ir logo te preparando que a audiência só começava quando tu chegastes 🤔

    Hahaha....
    A M E I vta do "Bora cronicar"❤️

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    1. Eu adoro revisitar Marajó City!!!!
      Meu coração fica leve e as palavras saem num ritmo fluido...!
      Como estou montando (beeeeeeem devagar, a NOVELA de Marajó City, resolvi começar o bora cronicar temporada 3, com a inédita chegada no Marajó!!!
      Ah!!!! Bora passear por lá......!

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  2. Bora!! Ainda conhecerei... Perdi a oportunidade quando estive no Pará, mas outras virão...

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    1. Haverão de vir!!! O Marajó é a natureza amazônica em toda sua exuberância!! Quando vieres, farei questão de ser o cicerone da viagem

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  3. Uma verdadeira aventura sua viagem para o Marajó, muita informação, de forma acelerada ao chegante, sem tempo para absorver tudo que via e ouvia. Mas pra nós leitores, muito pelo contrário, não é nenhuma sacrifício e sim um imenso privilégio compartilhar o que viveu naquele lugar maravilhoso e as histórias do povo de lá. Amei tudo, pode crer.

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    1. Niceeeee!!!!!!!
      Outras mais virão e quero ver se nas minha férias (entro em férias segunda), eu adianto o projeto da Novela de Marajó City!!

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  4. Delícia de crônica! Que maravilha estar pertinho destes personagens tão interessantes! É o melhor é que nos sentimos ali no Marajó, participando de tudo!

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    1. Ah, Denise... é tão carinhoso ler isso! Colocar os amigos no navio, na ilha, na VIDA de Marajó City, é o que me pode acontecer de melhor!!!!

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  5. Quanta saudade estava de Marajó City! Dessas viagens incríveis que fazíamos através dos Periscopes. Caminhamos por entre as redes, pelos corredores do navio...subimos as escadas até a Lancheria...tantos momentos incríveis partilhastes conosco! Muito bom retornar a este lugar que faz descortinar as emoções e acelerar o coração desse Poeta...que só se sabe em "PALAVRAS"!!!!! É muita honra estar aqui e ter acompanhado tantas aventuras! E, com certeza, muitas mais virão!
    Só mais uma coisa: o nascimento do "hein"...foi demais!

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    1. Armelinda... e tu fazes parte dessa história toda, começada em 2016, e com o blogue remodelado em 9 de maio de 2016 (dia do aníver do blogue), quado completaria 100 dias no blogue originário que se chamava "menna comentários", porque a idéia, na época, era bem outra.
      É tão bom olhar pra trás e ver que seguimos aqui, postando e conversando, falando de um Brasil muitas vezes desconhecido, nas crônicas de Marajó City!
      Estou retomando os trabalhos de Marajó City, revendo as crônicas, revisitando-as, atualizando-as e tentando coloca-las em orem mais ou menos cronológica dos fatos.
      Bora cronicar em Marajó City!!

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    2. Sim, é verdade!!!! Sinto falta detantos outros...que também fazem parte desse tempo! Por exemplo, o Sr. Izamir!

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    3. Nem me fala, Armelinda... eu também sinto... S. Izamir recebe as postagens por e-mail, sempre... (ele se inscreveu para receber por e-mail... na verdade, fica mais confortável para ler, porque o texto é enviado automaticamente pelo blogue, de forma "limpa", escrito em preto, com fundo branco).
      Tem muita gente que quando olhos pra trás, fico com saudade...
      Houve um tempo em que a escritora Ana Isabel Rocha Macedo e o Poeta Luiz Alves também comentavam... professora Norminha, Tel Bezerra, Thaís, Taís, Sandra Carreiro, S. Valdomiro, minha irmã Elisa, Dr. Jackson, Camila, Shyrley, Geraíldes, Esperança... enfim... sinto saudade de muita gente... mas realmente literatura é assim... dá trabalho... rsrsrsrsrs...

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    4. Não dá pra esquecer também, aqueles embates que aconteciam entre você, a escritora Ana e o Poeta Luis Alves...eram surreais!!!! Emocionantes!!! São inesquecíveis!!!

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    5. Eu sinto muita saudade... Foi um tempo "vibrante", realmente... Uma época que me marcou foi justamente quando eu estava escrevendo o conto "O Teatro" que eu ia escrevendo e publicando uma vez por semana (em meio a outras publicações nos outros dias da semana... mas "O Teatro" fazia todos nós comentarmos... Ah... foi muito bom...!
      Mas, ainda assim, estamos por aqui. Insistimos em não deixar morrer a iniciativa de reunir amigos para falar de literatura e o que mais venha à cabeça... Ah... como é bom!
      Obrigado por vires aqui, por sentares um pouco e permitir rememorarmos tudo isso!
      Muito obrigado, Armelinda!

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  6. Adorooooo...
    Viagens ao interior são a minha praia, as melhores lembranças, os melhores momentos e aventuras e perrengues que depois são contados nós fazendo chorar de rir. Quando o senhor me conta as aventuras que passou eu viajo e curto muito essas maravilhas... Saudades das conversas e de levar café ��

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    1. Looooooooola... que saudades... ah... teu café faz falta, mas muito mais pelas conversas que sempre se estendiam... tão bom....
      Haveremos de voltar...! Haveremos de voltar, Lola.... !!!

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